Conflito de interesses

04/09/2015
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Juro, em inglês, é “interest”, significando tanto “the state of wanting to know orlearn about something or someone”, quanto “money paid regularly at a particular rate for the use of money lent, or for delaying the repayment of a debt”. Em espanhol, juro é “interés”. Em francês, “intérêt” pode ser tanto “recherche par une personne de cequilui est profitable, de sonavantage personnel, souvent de façonégoïste, par exemple, agir par intérêt”, quanto “revenutiré d’un capital”, p.ex., “untaux d’intérêt”.

 

Levanto a hipótese que, pela ausência de “mandato dual” em que as decisões do Banco Central do Brasil seriam orientadas tanto para o combate à inflação como ao desemprego, há “conflito de interesses” por parte dos fixadores da taxa de juros básica. Deparamo-nos com a ação discricionária da Autoridade Monetária: dosagem. É cômodo para os membros do Comitê de Política Monetária – Copom, inclusive pessoalmente, adotar a overdose, quando “eles ganham com isso e não arriscam sua vida por isso”!

 

Se tivessem de responder pelo desemprego dos outros com os seus, ao agravarem-no com essa comodidade da política monetária brasileira – “instrumento único (juro) – meta única (inflação)” –, talvez se parecessem mais com os membros dos demais Bancos Centrais no mundo.

 

Daí minha implicância com a governança dessa política monetária.

 

Em primeiro lugar, decisão “técnica” – tipo “certo ou errado” – pode ser tomada por maioria de votos?! Se não é por consenso técnico, é uma decisão política, isto é, coletiva, atendendo a certos interesses (do capital) e não a outros (do trabalho).

 

A decisão “política” é neutra, imparcial, sábia? Desconfio dessa pretensa neutralidade dos sábios tecnocratas que têm apenas um mapa mental sem caminhos alternativos. Por suas filiações teóricas monolíticas, eles têm controvérsias entre si? Não sofrem do viés heurístico da auto validação ilusória?

 

Por que os membros do Copom não assumem, pessoalmente, que têm conflitos de interesses em seus julgamentos e avaliações? Pela faixa de renda dos diretores do Banco Central – muito acima da renda média anual de R$ 241,8 mil que a DIRPF 2013/12 informa que os servidores do BCB/CVM/Susep receberam –, todos eles devem possuir um patrimônio financeiro expressivo, capitalizado com os juros que eles próprios fixam…

 

Enfim, se o capital está empregado em juros, o trabalho está sendo desempregado pelos juros, então, por que não é também atribuída ao Copom a missão social de combater tanto a inflação, quanto o desemprego, além de evitar crise cambial provocada por déficit no balanço de pagamentos?

 

Com essas múltiplas atribuições, suas atuações seriam socialmente mais equilibradas e não desequilibradas ao favorecer o enriquecimento financeiro das castas dos comerciantes-financistas e dos sábios-tecnocratas.

 

No fundo, a reflexão que estou fazendo desloca o debate das “desculpas e/ou justificativas” dos “viciados por suas dependências por overdose de juros (“droga inebriante”) para focalizar a responsabilidade dos próprios “traficantes” – de influência. Talvez a metáfora seja de mau gosto, porém é expressiva…

 

A Autoridade Monetária fica refém, sob a (falsa) ameaça de fuga de capital do mercado financeiro para o mercado de bens e serviços (ou do dólar), em favor da manutenção dessa fonte de enriquecimento.

 

Ela, então, aceita ser pautada pelos porta-vozes dos investidores: os economistas-chefe que não são nem neutros, nem imparciais, quando expressam a “opinião especializada” de sua casta profissional. Evidentemente, eles defendem com convicção seus próprios interesses de rentistas ao se colocar sempre a favor da elevação dos juros “face às expectativas pessimistas de O Mercado”.

 

Um dos motivos pelos quais a taxa real básica de juros no Brasil é tão elevada é a dependência do resultado não operacional ou renda do capital. Sua adoção em longo prazo, dado o arcabouço mental da Autoridade Monetária, levou a uma mudança comportamental dos agentes econômicos para um comportamento vicioso.

 

Ao contrário do diagnóstico do monetarista Milton Friedman – uma economia inflacionária é viciada em política keynesiana de “dinheiro farto e barato” – na economia brasileira o vício é em “dinheiro não tão raro mas caro”, isto é, em juro alto. Todos os investidores brasileiros, seja PF, seja PJ, viciaram-se nessa droga inebriante que produz o efeito-riqueza: a agradável sensação de enriquecimento sem fazer força.

 

Os agentes econômicos teriam, então, se viciado em operar com juros elevados, tornando-se dependentes dessa droga, cuja desintoxicação é penosa, mas imprescindível para se levar uma vida normal. Porém, isso não ocorrerá enquanto seu abastecimento for providenciado pelo pool Copom-Mercado.

 

Aqui se criou, quase como uma instituição nacional, uma dependência da trajetória de juros reais muito elevados. Os mecanismos de retroalimentação dessa política reforçaram a concentração da riqueza financeira, aumentando o poder de barganha para sua manutenção, em que pese o excesso de liquidez na economia brasileira.

 

Dependência psicológica é a necessidade de determinado comportamento para viver normalmente e sentir-se confortável. Está fortemente associada às drogas, que podem causar dependência tanto psicológica quanto física. A psicológica pode aparecer independentemente da física e ser de tratamento lento e difícil.

 

Essa dependência psicológica se caracteriza pela relação entre o brasileiro rico e o objeto de seu vício: o juro. Caso abstenha-se do uso da atividade de obter renda do capital maior do que a renda do trabalho, ele passará por stress e mal-estar, então sente que deve utilizar a substância continuamente.

 

A dependência trata-se da troca de prioridades de um indivíduo enriquecido, quando, devido aos bons estímulos conseguidos, comportamentos mais úteis como trabalhar tornam-se obsoletos e o comportamento vicioso – ganhar juro enquanto não trabalha – cresce em importância.

 

Essa dependência define-se, então, como a relação de uma pessoa com uma atividade que traz danos sociais que está fora do controle deste indivíduo. As atitudes que lhe causam a sensação de prazer estão sendo encorajadas pelo sistema da política monetária brasileira.

 

- Fernando Nogueira da Costa é professor livre-docente do IE-Unicamp. Autor de “Brasil dos Bancos” (Edusp, 2012), ex-vice-presidente da Caixa Econômica Federal (2003-2007)

 

Crédito da foto: EBC

 

03/09/2015

http://brasildebate.com.br/conflito-de-interesses/#sthash.QErfakBe.dpuf

https://www.alainet.org/pt/articulo/172197?language=en
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