Cadeia produtiva e rede de relacionamentos do agronegócio brasileiro

24/11/2017
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Foto: Portal Brasil
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Análise da série temporal falseia a hipótese de que Lula deu sorte pelo boom de commodities: em 2003, a participação do agronegócio no PIB era 27% e caiu até 16,9% em 2014. Em 2015-16, o PIB real caiu 7,2% no biênio e o agronegócio aumentou sua participação, voltando à média anual de 20% do PIB

 

 

Como blogueiro generalista, sempre tive ânsia de conhecimento a respeito da dimensão efetiva do agronegócio brasileiro. Será que, de fato, “agro é tudo”, como afirma a propaganda televisiva? Será que tem lastro econômico a força congressual da bancada ruralista com 207 deputados? A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) é uma das maiores e mais organizadas bancadas da Câmara dos Deputados com tamanho cerca de três vezes maior do que qualquer um dos grandes partidos políticos.

 

Perguntava a meus colegas especialistas em agropecuária qual era o tamanho da agroindústria e eles estimavam até em 42% do PIB. Eu, como bom mineiro, desconfiava da veracidade dessa estimativa que superava a soma do percentual da agropecuária em 2016 (5,5%) e de toda a indústria geral (21,2%), mas me calava…

 

Eu não tinha dúvida que a agroindústria era uma cadeia produtiva estratégica, seja para o balanço comercial, seja para a alimentação da população. A exportação do agronegócio é estimada em cerca de 45% do total brasileiro e a importação em quase 10% (veja quadro abaixo). No acumulado do ano 2017 até outubro, o Balanço Comercial do Agro registrou superávit de US$ 70,2 bilhões, 13% superior ao mesmo período de 2016. O Balanço Comercial Brasileiro Total no acumulado dos primeiros nove meses do ano obteve saldo foi positivo em US$ 58,5 bilhões, ou seja, o superávit do agronegócio compensa o déficit comercial dos demais setores predominantemente importadores.

 

 

Entre os produtos básicos, em 2016, destacaram-se a exportação de soja (10,4% do total), carne (5,6%), café (2,6%) e fumo (1,1%). Comparam-se com minérios (8,2%) e petróleo (5,4%). Na exportação de semimanufaturados, destacam-se o açúcar com 4,5%, couros 1,1%, e celulose 3%. Mesmo entre manufaturados há o açúcar refinado com 1,2%. Somando esses produtos de destaque, segundo estatística do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, atinge 29,5%, ou seja, 2/3 daquela estatística do MAPA (Ministério da Agricultura). Na verdade, não se pode classificar mais a economia brasileira como primário-exportadora. A exportação de industrializados corresponde a 55%, somando semimanufaturados (15%) e manufaturados (30%).

 

Finalmente, fui atrás das informações desejadas sobre a cadeia produtiva e rede de relacionamentos do agronegócio brasileiro. Consultei o Dr. Google e o utilíssimo assistente de pesquisa me apresentou o Relatório sobre o PIB do Agronegócio Brasileiro. É uma publicação mensal resultante da parceria entre o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA), da ESALQ/USP, e a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

 

O agronegócio é entendido como a soma de quatro segmentos: insumos para a agropecuária + produção agropecuária básica ou primária + agroindústria (processamento) + agrosserviços – como na figura acima. A análise desse conjunto de segmentos é feita para o ramo agrícola (vegetal) e para o pecuário (animal). Ao serem somados, com as devidas ponderações, obtém-se a análise do agronegócio.

 

Pelo critério metodológico do CEPEA/ESALQ-USP, o PIB do agronegócio é medido pela ótica do produto, ou seja, pelo Valor Adicionado (VA) total deste setor na economia. Ademais, avalia-se o VA a preços de mercado, considerando-se os impostos indiretos menos subsídios relacionados aos produtos. O PIB do agronegócio brasileiro refere-se, portanto, ao produto gerado de forma sistêmica na produção de insumos para a agropecuária, na produção primária e se estendendo por todas as demais atividades que processam e distribuem o produto ao destino final. A renda, por sua vez, se destina à remuneração dos fatores de produção (terra, capital e trabalho).

 

 

O CEPEA/ESALQ-USP dispõe toda a série histórica de 1996 a 2017 para os pesquisadores fazerem download em arquivo Excel. Por razão de espaço, reduzi a série ao período social-desenvolvimentista (2003-2014) e mais o da volta da Velha Matriz Neoliberal (2015-2017). Os dados mais agregados estão na tabela acima.

 

Primeiro ponto interessante a se registrar: em média anual, o agronegócio adiciona 20% do valor agregado total na economia brasileira. A análise dessa série temporal falseia a hipótese de que “Lula deu sorte pelo boom de commodities agrícolas”. Em 2003, a participação do agronegócio no PIB era 27% e foi declinando até 16,9% em 2014. Com a Grande Depressão em 2015 e 2016, o PIB real caiu -7,2% no biênio, então, o agronegócio aumentou sua participação, regressando à média de 20% do PIB.

 

Segundo ponto que me chamou a atenção: as oscilações anuais das variações reais em % de cada segmento do PIB do agronegócio. No total, as taxas de crescimento de 2004 a 2006 foram seguidamente negativas; recuperou-se em 2007 e 2008; 2009 teve queda de -5,9%; 2010 e 2011 tiveram taxas positivas; 2012 negativa (-5,9%); 2013 positiva (1,7%); 2014 negativa (-0,1%); 2015 e 2016 positivas. Serão todas essas oscilações frutos de “acidentalidades climáticas” (seca no tucanês)?

 

Curiosamente, o IPCA caiu no ano corrente devido a dois fatores exógenos à Autoridade Monetária com sua equivocada overdose de taxa de juro Selic para combater “quebra de oferta agrícola”. Houve um “bônus climático” neste ano que permitiu o boom da agricultura no início do ano, elevando o PIB do 1º trimestre em contrapartida à queda da indústria.

 

O efeito secundário desse bônus climático tem sido a queda do grupo Alimentação dentro do IPCA, grupo este que representa ¼ de toda a inflação ao consumidor até 40 salários mínimos. Se antes houve a alta do tomate, que em abril de 2013 havia subido em 12 meses 149,7%, hoje este mesmo tomate apresenta deflação de 17,8% e chegou a cair em janeiro deste ano nada menos que 46,6%.

 

A sustentação do PIB brasileiro nos primeiros sete meses do ano foi possível pelo agronegócio, conforme indicam pesquisadores do CEPEA/ESALQ-USP. A safra recorde no campo estimulou a atividade também de outros segmentos, impactando no crescimento de 5,81% no PIB-volume do agronegócio na avaliação de janeiro a julho de 2017. Desse modo, o desempenho positivo da agropecuária pôde amenizar o efeito das retrações da indústria e dos serviços sobre o PIB nacional. Segundo o IBGE, o PIB brasileiro recuou ligeiro 0,04% na comparação do primeiro semestre de 2016 com o mesmo período deste ano – queda que seria bastante superior não fossem os resultados da agricultura.

 

Apesar dos relevantes ganhos de produção no agronegócio, sobretudo na agropecuária, não houve aumento de empregos no setor. Ao contrário, no primeiro semestre de 2017, houve queda de 3,1%, ou mais de 580 mil pessoas, no total de ocupações. De modo geral, as principais reduções ocorreram na própria agropecuária para trabalhadores atuando por conta própria e com baixa escolaridade. No grupamento de atividades ligadas à agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura, a PNADC registra 8,621 milhões de pessoas ocupadas com rendimento médio real habitual de R$ 1.239. A CAGED apresenta o estoque de empregos formais para esse setor de atividade: 1,479 milhão.

 

Pesquisa apoiada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário calcula que 36% da população brasileira é rural, diferentemente dos cerca de 16% apontados pelo último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010. O percentual maior considera a aplicação de um conceito de rural defendido pelos sociólogos.

 

De acordo com o levantamento, como só existe o conceito de urbano na legislação, a ruralidade acaba sendo definida por exclusão. O argumento é que 90% dos municípios brasileiros têm menos de 5 mil habitantes, e que, sociologicamente, deveriam ser considerados zonas rurais, e não urbanas. Ora, 36% da população de 208,263 milhões são cerca de 75 milhões de pessoas, mesmo considerando a proporção da população na força do trabalho (104,2 milhões ou metade do total), apenas ¼ dela estaria ocupada.

 

Finalmente, destaco as participações médias dos distintos segmentos da cadeia produtiva, de transporte e comercialização no total do agronegócio: insumos para a agropecuária (5%); produção agropecuária básica ou primária (23%); processamento da agroindústria (31%); e agrosserviços (41%). Interessante essa maioria mesclada, não?

 

Demonstra que a Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE, que utiliza a metodologia de classificação do setor de serviços definida pela Standard Industrial Classification, classificação esta formulada por especialistas reunidos pela Organização das Nações Unidas (ONU), tem de rever seus conceitos para apurar as estatísticas das cadeias produtivas que ultrapassam as fronteiras dos tradicionais setores primário-secundário-terciário. Dentre as 59 divisões de atividade econômica do setor de serviços da CNAE, 26 divisões caracterizam o setor de serviços. Se cabe falar em agroindústria, não caberia falar em servindústria, por exemplo, em atividades de transporte e informática e serviços relacionados à indústria?

 

- Fernando Nogueira da Costa é professor titular do IE-Unicamp. Autor de “Brasil dos Bancos” (Edusp, 2012), ex-vice-presidente da Caixa Econômica Federal (2003-2007). É colunista do Brasil Debate

 

http://brasildebate.com.br/cadeia-produtiva-e-rede-de-relacionamentos-do-agronegocio-brasileiro/

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/189432?language=en
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