A política econômica e os mercadores de ilusões
A presidente Dilma Rousseff continua insistindo que a crise instalada no Brasil é passageira, que o país passa por uma fase de “transição” e que caminha.
- Opinión
A presidente Dilma Rousseff continua insistindo que a crise instalada no Brasil é passageira, que o país passa por uma fase de “transição” e que caminha, a passos largos, para se reencontrar com o sol do crescimento. Basta, na sua visão, apenas dobrar a próxima esquina para que a ruína econômica em que ele se encontra fique para trás.
Para o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, a retomada do crescimento ocorrerá, no máximo, no quarto trimestre deste ano, tão logo o ajuste fiscal seja concluído. Já o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, mesmo conhecendo derrotas fragorosas na aprovação das medidas deste ajuste, continua convencido de que o país caminha para uma situação de reequilíbrio fiscal e que o crescimento brotará como resultado natural deste processo.
É compreensível que as autoridades governamentais procurem transmitir otimismo para a população e para os agentes econômicos relevantes, visando a manter acesas as esperanças de que dias melhores se seguirão às tormentas atuais.
Falsear, no entanto, a realidade, transforma-os em meros mercadores de ilusões emitindo sinais inexistentes na economia, impedindo ou mesmo dificultando a preparação destes atores para enfrentar um longo período de adversidades.
Isso porque, mantidas as condições atuais da política econômica e do cenário internacional, o fato é que o país não conseguirá escapar, tão cedo, de amargar um quadro recessivo até 2016, seguido de um período de estagnação econômica.
Para o mercado, que não está preocupado em vender fantasias, as projeções de queda do PIB, neste ano, já estão batendo na casa de -2,3% e, para 2016, em -1%. Se tais projeções se confirmarem, em 2017 o país terá retornado, em termos de seu produto interno bruto, ao ano de 2010, significando mais de meia década perdida em relação ao crescimento econômico.
Mais grave é que muitos dos ganhos alcançados em termos de redução das desigualdades sociais e de renda terão se perdido devido à implementação de uma política econômica que, pretendendo-se inovadora em seu propósito de conciliar o “crescimento com a inclusão social” revelou-se, ao contrário, inconsistente e desastrosa para este objetivo.
De fato, não é possível perceber quaisquer sinais de vida nas fontes de crescimento econômico e nem de terapias que estejam sendo prescritas para restabelecê-las. O consumo das famílias vem progressivamente perdendo força, diante do avanço da inflação, do aumento do desemprego, dos níveis de inadimplência, da queda do rendimento médio dos salários e da contração do crédito.
O governo, sitiado pela imposição da ortodoxia de ajustar minimamente suas contas para continuar merecendo crédito e confiança, não dispõe mais de espaço para agregar forças adicionais de forma a reerguê-lo.
Os investimentos, inibidos por uma política econômica que retirou do país qualquer compromisso com a competitividade da produção nacional, continuam a afundar com as investigações da Petrobrás e da Lava Jato, envolvendo as grandes empreiteiras e investidores do país.
As incertezas reinantes na economia internacional em relação à Zona do Euro, à sonolência da recuperação norte-americana, e à possibilidade de elevação de suas taxas de juros, e à economia chinesa, enfrentando uma retração mais forte do que se esperava da economia, com desvalorização de sua moeda e enfrentando “bolhas” no mercado acionário, retiram também, da demanda externa, qualquer contribuição mais significativa para este objetivo.
Ainda é muito cedo para se saber a dimensão dos estragos que o ajuste fiscal em curso deve provocar nos tecidos econômico e social do país, obrigando a população a devolver pelo menos parte dos ganhos que foram obtidos em termos de melhorias salariais, redução das desigualdades, maior acesso aos bens de consumo etc.
Mas, pelo andar da carruagem, esses não serão pequenos, e as perdas poderão se prolongar por um bom tempo, caso mantida a atual estratégia. Pretender disfarçar essa realidade com meros anúncios de investimentos em infraestrutura econômica, improváveis em época de rígida política de austeridade, e continuar vendendo a ideia de que a crise é “passageira”, não encontra o menor respaldo em qualquer parte da realidade atual e representa um desrespeito à inteligência e percepção da população.
No mesmo sentido, a Agenda Brasil, um conjunto de propostas apresentada pelo Senado ao Executivo, que vai se tornando cada vez mais protagonista na formulação e nas decisões da política econômica, não abre nenhuma porta para a saída da crise e para a retomada do crescimento.
Pelo contrário, compromete-se com a conclusão do ajuste e indica algumas mudanças de médio/longo prazo pós-ajuste, sem nenhuma articulação sistêmica para aquele objetivo, representando mais um programa de destruição de várias conquistas sociais e de novas benesses distribuídas para diversos setores do capital. Uma espécie de tentativa de saída da crise pela direita, à qual o governo, como náufrago à procura de salvação, procura se agarrar.
O fato é que, enquanto o governo não construir uma estratégia consistente de longo prazo para garantir um crescimento sustentável para o país, o que exige, necessariamente, a formulação e negociação de um projeto de sociedade, realizando as reformas necessárias para viabilizá-lo, e não procurar construir uma ponte que permita fazer de fato essa “travessia”, as palavras e análises que hoje ecoam do Planalto não podem ser ouvidas e nem consideradas com seriedade.
Fazer essa travessia e construir esse projeto exige coragem e competência para lidar, no curto prazo, com a desmontagem dos ganhos fáceis do capital financeiro, por meio da revisão da desnecessária política de juros elevados, com a cobrança de impostos diretos sobre as grandes rendas e o patrimônio, com a maior racionalidade dos gastos primários governamentais e com o estabelecimento de condicionalidades para a entrada e saída de capitais externos.
Se isso for feito, a “esquina”, à qual se refere a presidente para se sair da crise, pode começar a ficar mais próxima do que na atualidade.
- Fabrício Augusto de Oliveira é Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social e autor, entre outros, do livro “Dívida pública do Estado de Minas Gerais: a renegociação necessária”, de 2012
Crédito da foto: Antonio Cruz/ABr
25/08/2015
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