A situação da China e a confusão das bolsas mundiais
- Opinión
O fantasma que ronda a espetacular queda da bolsa chinesa é o do crash de 1929 e o da mais recente crise financeira, em 2008, que foram os pontos de partida das duas maiores recessões mundiais dos últimos 100 anos.
O mercado bursátil chinês fechou em queda de 8,5% num dia tumultuado, que levou as autoridades do país a falar numa “segunda-feira negra”.
A queda se disseminou. Primeiro, pelas demais bolsas da Ásia. O preço do petróleo caiu ao seu nível mais baixo em seis anos e o valor médio das “commodities” sofreram sua maior diminuição neste século.
O efeito dominó alcançou as bolsas europeias, que registraram queda entre 5 e 6%, para logo se estender aos Estados Unidos e à América Latina.
O comportamento em manada dos mercados financeiros é a norma em momentos de crise: na imensa maioria dos casos, se trata de problemas passageiros, ajustes devido aos anteriores excessos cometidos pela especulação.
O impacto sobre a economia real depende das vias de transmissão de uma crise. No caso da bolsa chinesa, sua conexão com o resto do mundo, ou com o conjunto da sociedade chinesa, não é grande: as ações em mãos estrangeiras são mínimas e somente 6% da população tem participação no mercado.
O grande temor agora é sobre a hipótese de que um espirro da China provoque, como costumava acontecer com os Estados Unidos em outras épocas, uma gripe mundial.
Os sintomas
Os mercados globais perderam cerca de 5 trilhões de dólares (quase um terço do PIB estadunidense) desde que o Banco Popular da China anunciou a desvalorização do renminbi (a moeda chinesa, no dia 11 de agosto.
Essa perda reflete um temor a respeito da economia chinesa, que não é novo, mas que se disparou com as notícias dos últimos dois meses.
Em julho, o governo chinês realizou uma drástica intervenção na bolsa de valores, depois que mais da metade das companhias ameaçaram suspender suas operações no mercado bursátil.
Numa reação interpretada por alguns como draconiana, o governo baixou as taxas de juros, flexibilizou as regras para que os fundos de pensão e seguridade social pudessem investir mais, e facilitou os empréstimos por mais de 40 trilhões de dólares, para que os corretores da bolsa pudessem sustentar o preço das ações com maior demanda.
As medidas acalmaram as águas, mas as três desvalorizações de agosto, equivalentes a uma queda de 3% no valor do renminbi, voltaram a gerar incertezas.
O tiro de misericórdia veio na sexta-feira passada, quando se conheceu um índice industrial que pelo sexto mês consecutivo, estava por baixo dos 50 pontos, porcentagem equivalente a uma contração industrial.
Segundo o que indicou à Carta Maior o analista Kamel Mellahi, especialista em mercados emergentes da Warwick Business School do Reino Unido, a atual tormenta reflete esses dados.
“A expectativa generalizada era que a economia chinesa ia ter uma primeira metade de ano difícil, e que melhoraria na segunda metade. Os dados não refletiram esta premissa. Muito pelo contrário. O pulso econômico da atividade fabril está baixando muito mais rápido do que o esperado”, comentou Mellahi.
Uma vez contextualizados, esses casos não são tão impactantes. Segundo o professor John Ross, do Instituto de Estudos Financeiros Chongyang, da Universidade Renmin, de Pequim, em entrevista para a Carta Maior, o desempenho da economia chinesa continua sendo excelente.
“A China está crescendo a 6,5 ou 7%, três vezes mais que os Estados Unidos e quatro vezes ou mais em comparação com a Europa. É uma economia que passou de um ritmo de crescimento `supersensacional´ de 10% ou mais para um somente `sensacional´ como o atual”, explica Ross.
Finanças e economia real
É preciso sempre tomar com calma essas “segundas negras” das manchetes financeiras.
Na imensa maioria dos casos, o catastrofismo é substituído, semanas depois, por títulos rimbombantes sobre grandes recuperações, com fabulosos lucros.
Essa volatilidade é alimentada pelo forte elemento especulativo presente nos mercados que operam na velocidade da internet, e do comportamento “manada” durante as crises – quando os investidores tentam fugir pela porta saída e encontram um monte de gente correndo para qualquer lado.
Mas as bolsas também podem ter um impacto na economia real.
O valor da bolsa chinesa é um terço do PIB do país, enquanto a maioria das economias desenvolvidas está a mais de 100%.
Nos outros países, uma queda sustentada do valor bursátil pode impactar o crescimento econômico e o consumo.
“O problema é que os mercados bursáteis dos países ocidentais estão seriamente superestimadas. Se a taxa de juros está tão perto de 0% por tanto tempo, o que sucede é que os ativos financeiros terminam necessariamente superestimados”, indicou Ross à Carta Maior.
Se essa queda dos mercados se prolongar, o impacto seria inevitavelmente refletido na debilitada economia global, que necessita mais demanda e mais consumo para revitalizar a produção e o comércio global.
América Latina
No caso da América Latina, o impacto da desaceleração chinesa já vem sendo sentido há dois anos.
Em seu último informe, a CEPAL apontou que a região só cresceria 0,5% este ano, e citou a queda dos preços das commodities, provocada por essa desaceleração, como uma das principais causas.
A Venezuela (pelo petróleo) e o Chile (pelo cobre) estão entre os mais prejudicados, mas não são os únicos.
Os problemas chineses contagiaram a região, e não somente no que diz respeito aos preços das commodities.
A desvalorização do renminbi produziu uma queda de 1% do real brasileiro, enquanto o peso chileno também sofreu o impacto das notícias chinesas, com uma queda ao seu nível mais baixo nos últimos 12 anos.
“Será fundamental ver a capacidade de reação de cada economia e como substituem a queda nas matérias-primas. Países como o México podem substituir o mercado chinês pelo estadunidense, e têm portanto maior capacidade de reação. Esses países podem se beneficiar, porque a desvalorização de suas moedas lo fará mais competitivos”, indicou Kamel Mellahi à BBC Mundo.
O que o governo chinês pode fazer?
O governo chinês não tem o prejuízo laissez-faire” dos países desenvolvidos: sempre que tem que intervir, o faz sem vacilar.
O fez durante a recessão econômica mundial, com um massivo programa de investimentos estatais que permitiu ao país ser o primeiro a sair da contração global, e tracionar boa parte do mundo, em especial os países em desenvolvimento.
Desde 2010, a China embarcou numa profunda mudança de modelo econômico, de um baseado em investimentos e exportação a outro mais dependente do consumo.
Assim, a China deixou claro que essa mudança diminuiria as taxas de crescimento que, nas três décadas prévias, haviam sido de dois dígitos, e que passariam a ficar por volta dos 7%.
Entre a vontade intervencionista e as exigências que planteiam essa mudança de modelo há fortes contradições.
“A China tem uma linha vermelha: o emprego. Isso é o que diz oficialmente o governo, porque é essencial para a paz social. Se a situação piorar e afetar os níveis de desemprego, vai a ser inevitável a tentação de voltar a estimular a economia com um novo plano de investimento em infraestrutura”, contou Mellahi à BBC Mundo.
A taxa de desemprego chinesa tem variado pouco nos últimos cinco anos. Em 2014, ela foi de 4,09%, marginalmente mais alta que os 4,05% de 2013.
Mas o Boletim do Trabalho da China, editado em Hong Kong e especializado em temas trabalhistas, mostra que esse índice subestima o número real de desempregados.
“O índice oficial só registra o número de gente que busca empregos nas relações com o total de empregados urbanos, ignorando os trabalhadores rurais, os imigrantes e os que tem trabalho part-time ou temporário”, analisa o informe.
Os perigos ocultos (subprime chinês)
Um grande enigma na crise bursátil chinesa é sobre se as ações se usaram como colaterais (garantias) de seus empréstimos bancários e hipotecários.
Se a soma é muito grande, temos uma pequena bomba de tempo, que poderia explodir com bancarrotas e um vermelho nas contas financeiras dos bancos.
Bastam dois dados para ver a dimensão desse possível buraco.
O plano de estímulo chinês de 2008-2098 quadruplicou o nível de dívida, até chegar a 28 trilhões, cerca de 282 % do PIB.
Segundo a consultora McKinsey, quase metade dessa dívida está vinculada ao setor imobiliário.
A dívida não se limita aos bancos chineses, o que afeta as entidades estadunidenses.
Por agora, a crise parece uma das flutuações bursáteis, tão frequentes no mercado financeiro, mas se essa bomba de tempo efetivamente existe, e o impacto sobre a economia chinesa e a mundial será muito mais forte.
Tradução: Victor Farinelli
Créditos da foto: Fernanda Carvalho / Fotos Públicas
25/08/2015
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