Imposto territorial rural
- Opinión
Nesses tempos de dificuldades generalizadas na área da economia, os meios de comunicação terminam por superdimensionar a gravidade da crise e pavimentam com extrema habilidade o caminho para as soluções que preservam o capital e imputam os custos do ajuste sobre o dorso da grande maioria da população brasileira.
Não bastasse a delegação da condução da política econômica acertada pela Presidenta logo após o resultado das eleições do ano passado, agora a turma do andar de cima quer ainda mais. Ao que tudo indica, não foi suficiente que um diretor do Bradesco assumisse a cadeira do Ministério da Fazenda. Tampouco se contentaram com a política monetária de juros elevados, que veio combinada com o arrocho fiscal do austericídio.
Agora pretendem aprofundar de vez a implementação radical do programa derrotado no pleito de outubro. É disso que trata a chamada “Agenda Brasil”, articulada entre Joaquim Levy e o Presidente do Senado Federal, Renan Calheiros. Com a primeira versão composta de 27 itens, agora já apresenta 43 pontos e corre o risco de novas alterações. Em síntese, fala de privatização, liberalização, redução do Estado, cortes orçamentários, entre “otras cositas más”.
De qualquer maneira, permanece inalterado o foco de promover ajustes sempre na direção contrária ao espírito da Constituição, onde os direitos sociais e cidadãos estavam assegurados desde sua promulgação em 1988. Era a intenção manifesta dos constituintes em construir - minimamente que seja - uma tentativa de Estado de Bem Estar Social. E agora os arautos do catastrofismo vêm a público dizer que mudanças profundas são necessárias, pois o Brasil não seria capaz de oferecer sua população o modelo ali previsto.
Ora, já está mais do que provado que promover ajuste fiscal com corte de despesas sociais em período de recessão econômica é um enorme equívoco. Nesse momento, faz-se necessário justamente o contrário. O Estado precisa se demonstrar mais ativo na atuação contra a tendência cíclica da redução das atividades e do desemprego. Assim, um dos mecanismos é o aumento de arrecadação em setores que sempre se perceberam como beneficiários do modelo da desigualdade tributária que sempre reinou em nossas terras.
Em artigo recente, já tratei do potencial arrecadador do Imposto de Renda. Aqui vou chamar a atenção para o Imposto Territorial Rural (ITR). O inciso VI do art.153 da Constituição Federal (CF) trata desse tributo da União, que incide sobre as propriedades localizadas em espaço fora de território urbano. As alíquotas são progressivas, de maneira a onerar mais as propriedades de maior dimensão e as que apresentem menor grau de utilização.
Em tese, portanto, o ITR representaria um excelente instrumento para promover a justiça tributária. Tendo em vista o elevado grau de concentração fundiária existente em nossa estrutura no campo, o imposto arrecadaria mais das maiores propriedades e também daquelas que não fossem plenamente utilizadas. Trata-se aqui de dar concretude ao cumprimento do preceito constitucional da “função social da propriedade”, tal como previsto no inc. XXIII do art. 5º da CF. Por outro lado, o tributo apresenta característica descentralizadora, uma vez que a própria CF prevê, no inciso II de seu art. 158, que 50% do valor arrecadado serão destinados ao município onde esteja localizado o imóvel.
No entanto, a realidade da arrecadação condiz muito pouco com a importância econômica adquirida pelo setor rural de forma geral, em especial pela rentabilidade auferida pelo agronegócio em nosso país. Segundo as informações do Ministério da Fazenda, o total arrecadado pelo ITR em 2014 corresponde a pouco mais de R$ 1 bilhão. Esse valor representa apenas e tão somente 0,1% do total das receitas arrecadadas pela Receita Federal. Apenas para efeito de comparação, verificamos que o Imposto sobre Operações Financeiras representou 2,6%; o Imposto sobre Importação ficou com 3,2%; o Imposto sobre Produtos Industrializados obteve 4,4%; e o Imposto de Renda marcou 27% do total.
A atividade agrícola representa por volta de 24% de participação no total do PIB do Brasil. Ora, parece claramente subavaliada a atribuição desse tributo que deveria incidir sobre o conjunto das propriedades rurais, especialmente se levarmos em conta a enorme dimensão de parte delas. As alíquotas são reduzidas e o sistema de controle e cadastramento das terras pelo governo estimula ainda mais a tendência à sub-declaração.
Tendo em vista as informações oficialmente declaradas a respeito das áreas cultivadas, chega-se a um valor ainda mais irrisório em termos da incidência do ITR por superfície da propriedade. A alíquota efetiva levaria a um valor de imposto anual inferior a R$ 0,01 por cada hectare - mais precisamente um terço de centavo para cada 10 mil m² de terra. Essa carga tributária é ínfima, ainda mais se considerarmos que a terra é o fator de produção essencial da atividade agrícola. A título de comparação, registre-se a rentabilidade média da cultura da soja: ela atinge atualmente um valor superior a R$ 3 mil/ha.
Outro sintoma da distorção pode ser verificado pela comparação entre o valor total arrecadado pela União com o ITR e o total arrecadado pelos maiores municípios, em termos de seu Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). O município de São Paulo, por exemplo, arrecada R$ 7 bilhões. A cidade do Rio de Janeiro recolhe R$ 1,4 bi e o IPTU de Belo Horizonte quase supera o R$ 1 bi do ITR nacional.
Com isso, fica evidente que há muito espaço para que o agronegócio ofereça também sua contribuição para o esforço de ajuste fiscal. Isso significa tanto a possibilidade de aumento das alíquotas de ITR hoje existentes, como principalmente o aperfeiçoamento da capacidade de fiscalização do Fisco, uma vez que existem claros indícios de prática generalizada de sonegação também desse tributo.
- Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.
20/08/2015
http://cartamaior.com.br/?/Coluna/Imposto-territorial-rural/34293
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