Pesquisa revela que grupo pró-impeachment não tem potencial de crescimento
- Opinión
A pesquisa sobre o perfil dos manifestantes que ocuparam a Avenida Paulista no domingo (16), realizada pelos professores Pablo Ortellado, da USP, Esther Solano, da Unifesp, e pela pesquisadora Lucia Nader, da ONG Open Society, atenta o que muita gente já sabia: eles são majoritariamente brancos (73,6%), ricos (48% ganham acima de R$ 7,8 mil) e racistas (62% acham que negros não devem usar a cor da pele para conseguir ‘privilégios’ como cotas).
Eles também possuem escolaridade alta (65,4% têm pelo menos curso superior), em nível inversamente proporcional ao de consciência política: a crítica seletiva à corrupção é característica latente, já que acreditam que a má utilização dos recursos públicos é caraterística apenas dos governos petistas . “Um alto nível de escolaridade não significa um alto nível de conhecimento político”, afirma Esther Solano, para quem a chave para entender esse fenômeno está no tipo de informação que o grupo consome.
Mas o estudo também apresenta informações que desconstroem algumas das “verdades” alardeadas pelos grupos organizadores, como o Vem pra Rua e o Movimento Brasil Livre (MBL). Ao contrário do que alegam, os manifestantes da Paulista discordam das pautas neoliberais e privatizantes desses: entendem majoritariamente que saúde (74,3%) e educação (86,9%) gratuitas são deveres do estado e condenam o financiamento privado de campanha (73,3%).
A outra surpresa que a pesquisa aponta é que o grupo de manifestantes não conseguiu atrair gente nova, desde os protestos de março e abril. “Eles são os mesmos dos outros protestos”, diz Esther. Segundo ela, justamente por serem tão homogêneos entre si e terem uma visão de mundo tão particular, não dialogam com outros seguimentos sociais, inclusive setores que também criticam o governo Dilma, mas fundamentados em bases diferenciadas.
“Se não levantarem outras bandeiras, se não dialogarem com a periferia, se continuarem a fazer esse teatro com a polícia, eles não conseguirão atrair os mais pobres para esse movimento pró-impeachment” avalia ela. Para a professora da Unifesp, nas bases em que está calcado, o movimento não tem potencial para crescer mais e se tornar realmente representativo da sociedade brasileira.
Carta Maior – De acordo com os resultados da pesquisa que vocês conduziram, a impressão que dá é que os manifestantes da Paulista têm escolaridade bem alta, mas aparentemente são muito confusos ideologicamente. É isso mesmo?
Esther Solano - É um público com escolaridade alta sim, com pelo menos o superior completo, mas sem formação política, o que são coisas bem diferentes. É uma parcela que se informa politicamente pela Veja, que acompanha os comentários da Raquel Sherazade. Então, é um público que consome um tipo de informação, no mínimo, duvidosa: mais polêmica e menos jornalismo de verdade. Por isso, um alto nível de escolaridade não significa um alto nível de conhecimento político.
CM - É isso o que explica o fato de que, conforme a pesquisa aponta, esses manifestantes têm uma percepção seletiva da corrupção, ou seja, que ela é maior em determinado partido ou grupo, apesar dos fatos apresentarem uma realidade diferente?
ES - Quando nós perguntamos se os manifestantes achavam que o caso do cartel dos trens de São Paulo é grave, a maioria respondeu que sim, 87,4% responderam que sim. Mas quando perguntamos se o Geraldo Alckmin é corrupto [governador de São Paulo, do PSDB], só 41,7% concordaram. Então, como explicar que a corrupção no metrô de São Paulo é um assunto grave, mas o Alckmin não é corrupto? Uma coisa importante é que essa parcela não sabe a quem atribuir a responsabilidade pelas ações. O Aécio Neves, por exemplo, só 37,8% classificaram como corrupto.
CM - Isso também se deve à imprensa?
ES - Sim, está relacionado à questão da imprensa que sempre cobre a corrupção do PT de forma nominal: é Dilma, é Lula, é a prefeitura do PT, é o próprio PT. No caso do PSDB, já é diferente: a corrupção não tem nome, não tem responsável. Então, essa postura dos manifestantes reflete essa cobertura parcial da imprensa.
CM - A visão ideológica desses manifestantes é conformada pela ação dos meios de comunicação?
ES - Se você só vê a Globo, lê o Estadão e a Folha, no final você tem uma visão estritamente ideológica sobre os fatos. Há, realmente, falta de consciência política das pessoas. Na pesquisa, nós perguntamos sobre a Operação Zelotes, que foi importante no combate à corrupção, mas 38% nem a conheciam. No caso da Lava Jato, apenas 0,2% não sabiam do que se tratava. Então, todo mundo conhece a Lava jato, porque tá cansado de ouvir falar sobre ela todo dia na imprensa, sempre associada ao PT, mas ninguém conhece a Zelotes, que envolve outros atores.
CM - Outra situação interessante que a pesquisa revela é essa discrepância entre o discurso dos organizadores dos protestos e dos manifestantes. As pessoas ali sabem por que estão protestando?
ES - Nós estudamos a fundo o discurso desses grupos como o Vem pra Rua e o Movimento Brasil Livre, que têm por traz pessoas que defendem uma visão de mundo altamente neoliberal, com estado mínimo, privatizações, imprensa privada. E a pesquisa deixa bem claro que a população não quer isso, não quer uma agenda privatizadora. A população quer educação e saúde custeada pelo estado.
CM - Então, em alguma medida, a agenda que esses manifestantes defendem também têm princípios da esquerda que eles tanto criminalizam?
ES- Sim, essa é uma agenda da esquerda, porque quem fornece educação e saúde gratuita é a esquerda. Portanto, a pesquisa desconstrói um pouco esse discurso de que é importante privatizar. Ninguém quer isso. São pautas colocadas pelos organizadores, mas que não representam os manifestantes. Agora, é preciso ressaltar que o ponto fundamental que une a todos eles, e que os organizadores sabem explorar bem, é esse sentimento antipetista. Eles estão muito focados nisso. Então, no final, é isso: divergências à parte, vamos contra a Dilma, contra o Lula, contra o PT.
CM - Então, é fundamentalmente o antipetismo que une esses grupos?
ES - Sim, é o fator de união de todo mundo que está ali, porque tem grupos diferentes nas ruas. Tem os que defendem a intervenção militar, tem a turma do Paulinho da Força, os caras do MBL, mas o antipetismo une a todos. O valor comum que é fortíssimo é essa ideia do Fora Dilma, porque tem uma característica até emocional que vai contra essa ideologia lulopetista de ascensão social dos pobres.
CM - Esse antipetismo com característica emocional também está diretamente ligado ao perfil socioeconômico dos manifestantes?
ES - Justamente. Uma coisa que também tentamos ver com essa pesquisa é se os manifestantes eram os mesmos dos protestos de março e abril. E são os mesmos, de fato. É um grupo que não consegue agregar mais gente. Eu faço pesquisas na periferia, falo com as pessoas, e muita gente se coloca contra o governo Dilma, diz que não quer mais votar no PT, mas por outros motivos, com outra conversa, com outros tipos de bandeira. Ninguém fala em impeachment por lá. E outra coisa, a população da periferia, lá do Capão Redondo, sabe que não irá se reconhecer em uma manifestação dessas, onde a maioria é branca, de classe média alta e confraterniza com os policiais militares. O universo da periferia é outro, e a periferia sabe que aquele é um grupo excludente. É um grupo muito bem definido, extremamente homogêneo que não vai conseguir trazer mais gente para ele.
CM - Você quer dizer que o público das manifestações pro-impeachment já atingiu seu teto? Que não tem mais potencial para crescer?
ES - Se não levantarem outras bandeiras, se não dialogarem com a periferia, se continuarem a fazer esse teatro com a polícia, eles não conseguirão atrair os mais pobres para esse movimento pró-impeachment. Porque a periferia tem outros problemas muito mais urgentes, muitos mais graves e muito mais práticos. E não quer levantar essa bandeira, até porque se sentiria muito mal em um protesto desses, em que há aversão os movimentos sociais e populares.
Créditos da foto: Oswaldo Corneti/ Fotos Públicas
19/08/2015
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