O pensamento único e a desesperança de um mundo sem alternativas
- Opinión
A corrente hegemônica, ortodoxa/neoliberal, apoiada nas teses do Estado mínimo e mercado máximo, das receitas recessivas para lidar com a recessão, tem se transformado, paulatinamente, em pensamento único. Dado o poder desse discurso (há muitos porta-vozes dispostos a defendê-lo) impregna-se um sentimento de conformismo. Está decretado: não há alternativas. Portanto, as reformas neoliberais têm ceifado não apenas o estado de bem-estar social, como também as utopias. Além do fim da ex-União Soviética, contribuíram para esse cenário desolador, o fato de que alguns partidos/projetos de esquerda terem sido ou marginalizados, ou capturados pelo discurso pragmático/eleitoreiro, antes ou após a vitória nas urnas (os casos do Brasil – PT/Lula e Dilma, Espanha - Partido dos Trabalhadores Socialistas/Zapatero e Grécia - Syriza/Tsipras são exemplos desse processo de captura).
Logo, um discurso enviesado, que carece de sustentação empírica, vai se transformando em verdade universal: o remédio é amargo (trará recessão, desemprego, quebradeiras etc.), mas é o único existente. Nada se fala sobre a tirania dos mercados, seu perfil altamente especulativo (sobretudo após a derrocada do sistema de Bretton Woods) e os malefícios que esse cenário traz ao cotidiano das pessoas, empresas e governos. Nenhuma nota de rodapé é escrita para abordar o quão obsceno é a existência de uma sociedade na qual a riqueza de 1% da população ultrapassará em breve a dos outros 99%.
Mudam os nomes (Consenso de Washington, reformas de segunda geração e Troika), mas, a essência permanece a mesma: superávit primário (quanto maior melhor), regime de metas inflacionárias, revisão de direitos constitucionais (trabalhistas e previdenciários principalmente), privatizações, abertura (comercial e financeira). Temos aqui a panacéia para os nossos problemas. O Estado é julgado e sentenciado: sua gastança irresponsável levou os países à crise socioeconômica. Diante disso, os cortes nos gastos públicos são necessários.
Nesse contexto, as propostas heterodoxas são desqualificadas e aqueles que as propõem são classificados jocosamente de “esquerda radical”. Portanto, qualquer crítica ao ajuste fiscal é rapidamente rechaçada, até por alguns outrora defensores da auditoria da dívida pública. "Amigo, esqueça, não há margem, temos que fazer a lição de casa". Assim, não nos é permitido argumentar que a queda no gasto público (sobretudo dos investimentos governamentais), reduz a demanda agregada e mais do que isso, compromete seriamente a formação bruta do capital fixo e, em última análise, o fôlego da economia de um país no médio e longo prazo. O alerta de que o ajuste fiscal, ao invés de restabelecer a confiança dos empresários, gera um efeito multiplicador às avessas (menos gasto governamental, menos investimentos empresariais, demissões, menos consumo por parte das famílias, menos arrecadação de impostos), é abafado. Paradoxa e lamentavelmente é a crise sendo usada para tirar o país da crise e não nos é permitido fazer a advertência de que essa estratégia é equivocada e que nos levará ao buraco. Não conseguimos reverberar a crítica de que o "dois anos de ajuste, para dois anos de crescimento" é história da carochinha, que poderá trazer consequências desastrosas para a economia e a sociedade brasileira.
Portanto, a realidade atual é marcada por ingredientes como interdição do debate, fim das utopias, conformismo, submissão, falta de coragem/medo e pobreza intelectual que combinados geram uma grande sensação de mal estar, causada pela desesperança. Em virtude dessa “tempestade perfeita” uma sociedade inteira (ou quase inteira, pois há os afortunados, pertencentes daquele seleto grupo que está sempre se endinheirando, independentemente das condições de funcionamento da economia) paga um preço muito caro e a história vai se repetindo. Ajuste, pela fumaça e a desgraça, que a gente tem que tossir, desemprego, pela cachaça de graça que a gente tem que engolir, desproteção social, pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair e recessão.
- Cássio Garcia Ribeiro é Professor do Instituto de Economia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
- Mário Tiengo é Especialista em Governança Pública.
Créditos da foto: reprodução
17/08/2015