Campesinato e os projetos para a Agricultura

Existem três teses sobre o campesinato, que orientam as formas de olhar o campo e, portanto, de pensar e gerir as políticas públicas, sejam de apoio, sejam de bloqueio a certas formas de fazer agricultura.
08/05/2015
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Artigo publicado em espanhol na Revista América Latina en Movimiento No. 502: Agricultura Camponesa para a Soberania Alimentar 30/03/2015

Existem três teses sobre o campesinato, que orientam as formas de olhar o campo e, portanto, de pensar e gerir as políticas públicas, sejam de apoio, sejam de bloqueio a certas formas de fazer agricultura.

 

Em rápidas palavras estas teses podem ser descritas como seguem:

 

O Fim do Campesinato:

 

Esta tese prevê o fim do campesinato em duas categorias. Uma que perde os meios de produção e se proletariza, ou seja, passa a vender sua força de trabalho mesmo no campo ou indo embora para as cidades. E outra, que amplia seu acúmulo nos meios de produção, passa a proletarizar parte daquelas famílias que perderam os meios de produção. A maior parte desta última categoria ficaria dependente de apoios sociais e políticas públicas.

 

A Metamorfose Camponesa (A Agricultura Familiar):

 

Esta tese se apresenta como uma espécie de terceira via e diz que a mão de obra familiar não vai desaparecer, mas a forma camponesa sim. Deste modo, o camponês terá que sofrer uma metamorfose e se transformar em um agricultor familiar, ou seja, assumir a tecnologia, se especializar em algum ramo da produção, ser integrado à indústria, etc. E isso é trabalhado em uma dicotomia, em que o camponês é atrasado e o agricultor familiar é moderno.

 

O Fim do Fim do Campesinato:

 

Esta tese, em resumo, diz que o campesinato sempre existiu e sempre vai existir. Para Gusman & Molina o campesinato encontra formas de cooperação e cria um espaço próprio dentro do capitalismo e por isso resiste. Carvalho nos faz compreender que a manutenção do campesinato interessa inclusive para o capital, como forma de apropriação da renda da terra.

 

As três teses acima descritas apontam para três modelos produtivos, ou, para três projetos de desenvolvimento do campo, aos quais denominamos: Agronegócio, Agricultura Familiar e Agricultura Camponesa.

 

Agronegócio:

 

O Agronegócio, aqui compreendido como pacto de poder entre os latifundiários, o capital financeiro e as multinacionais, que recebe fortes incentivos dos governos e da grande mídia, se caracteriza por: latifúndio, monocultivos, máquinas pesadas, insumos químicos, venenos, sementes transgênicas..., traz como consequência: desequilíbrio ambiental, superpragas, dependência de crédito e insumos, contaminação por venenos, concentração de renda e riqueza, exclusão social, uso desordenado de recursos naturais como terra e água, e pelo monocultivo, traz séria perda de biodiversidade.

 

Agricultura Familiar:

 

A agricultura familiar é o projeto pensado desde o capital para a pequena propriedade. A lógica da gestão é a mesma de uma empresa rural capitalista, é o agronegócio em escala reduzida. Desta forma temos uma mescla de projetos, onde se confundem trabalho familiar com contratação de mão de obra, monocultivos com diversificação, commodities com produção de alimentos, e principalmente uma confusão entre a lógica econômica camponesa (que se baseia na relação trabalho-consumo) e a lógica capitalista (com foco no lucro).

 

Este projeto retira as questões culturais da vida camponesa (seu modo de ser e de viver), e transforma a agricultura em uma profissão.

 

Esta confusão ideológica leva a muitas famílias camponesas à especialização em um ramo da produção, a intensificação da produção, na busca de uma economia de escala (mesmo em pequena propriedade), para tanto, a busca por crédito, novos investimentos no desenvolvimento das forças produtivas, entrando em um ciclo sem fim de aumento da produtividade para cobrir os custos de produção e um aumento nos custos de produção para aumentar a produtividade. Este ciclo chega a um limite de endividamento e de capacidade de expansão produtiva pelo limite no tamanho da propriedade, e muitas vezes leva a família a deixar a agricultura e a perder a propriedade.

 

 Agricultura Camponesa:

 

A Agricultura Camponesa não é uma profissão, é um modo de ser, de viver e de produzir. Tem por base as famílias e comunidades camponesas. Suas principais características são: pequena propriedade, trabalho familiar, controle do processo produtivo, diversidade produtiva, sementes crioulas, base agroecológica, técnicas apropriadas ao sistema camponês de produção. O sistema camponês de produção é uma combinação entre produção agrícola (anual e perene) com produção animal e a utilização dos subprodutos de uma produção para outra.

 

A agricultura camponesa tem o foco na melhoria da qualidade de vida das famílias e na diminuição da penosidade do trabalho.

 

A Agricultura Camponesa busca diminuir a dependência em insumos. Quanto maior a diversidade produtiva, maior a possibilidade de subprodutos de um ramo da produção servirem de insumos para outro ramo da produção, portanto maior a autonomia produtiva, ou, melhor dizendo, menor a dependência.

 

Segundo estudos da GRAN, 92,3% das unidades agrícolas do mundo são camponesas ou indígenas, estas acessam apenas 24,7% das terras (provavelmente 90% das famílias camponesas e indígenas sobrevivem com menos de 2 hectares e ao menos a metade delas, com menos de 1 ha por família), ainda assim, respondem por mais de 70% da produção de alimentos, são mais produtivas que as grandes propriedades e geram mais empregos.

 

A Manipulação da Informação:

 

O que acontece é que os grandes meios de comunicação manipulam informações para manter os interesses dos grandes produtores. Desta forma, escondem os problemas causados por esta lógica produtiva e “vendem” uma ideia de miserabilidade e baixa produtividade camponesa e uma ampla produção de alimentos por parte do agronegócio. Desta forma, principalmente a sociedade urbana vive alienada dos processos produtivos, da origem e da qualidade do alimento que consome e das consequências dos modelos de produção.

 

Estratégias de comunicação do Agronegócio:

 

Apesar de todas as consequências já apresentadas, o agronegócio atua no congresso nacional e com um forte esquema de propaganda para manter-se hegemônico na sociedade. Para tanto utiliza as estratégias de propaganda apresentadas no trecho a seguir, que foi organizado com base no estudo de Kleybson Ferreira de Andrade, entre as principais estratégias podemos citar:

 

Tudo é “Agro”: ... a imagem criada pelo agronegócio é a de que existe no país apenas uma agricultura, tecnificada, moderna, produtiva e sustentável. O agronegócio seria assim, a única forma de produzir no campo. Os produtores que não alcançaram tal patamar deveriam ser assessorados para tal.

 

Funcionar como uma orquestra: A primeira condição para uma boa propaganda é a infatigável repetição dos temas principais. Porém, a simples repetição dos temas de forma mecânica será responsável por levar rapidamente ao tédio. Por isso, a repetição deve se dar através de uma grande diversidade de ferramentas.

 

O princípio da valorização de si e a desqualificação do outro: A construção da imagem positiva do agronegócio passa, necessariamente, pela negação de camponeses, ambientalistas e outros grupos como alternativa para o campo. Uma tarefa das mais importantes é o esforço por desmoralizá-los, apresentando-os como ligados ao atraso, ao improdutivo e até mesmo à destruição do meio ambiente.

 

Toda a imagem positiva, ligada à modernidade, produção, preservação, etc., é posta sobre o agronegócio, ao passo que todas as características negativas presentes no campo, como a pobreza, a baixa produtividade, etc., é despejada sobre os “invasores”, radicais de esquerda, defensores de “ideologias” atrasadas.

 

A suposta “ameaça” permanente ao agronegócio: Uma situação que aparece de forma periódica nos artigos e pronunciamentos do setor patronal anuncia uma hipotética situação de instabilidade e insegurança, na qual constantemente esses setores estariam sendo ameaçados por grupos indígenas, sem-terra, “invasores”. Esta situação serve de pretexto para reivindicar do Estado uma ação mais contundente na defesa do agronegócio, que seria a atividade mais importante praticada no campo, e por isso seria imperioso receber maior “proteção” contra tais grupos.

 

A inversão de prioridades – ou o “Padrão da Inversão”: A ideia de que o meio de comunicação poderia escolher qual informação seria apresentada como a mais relevante em determinados casos, invertendo as prioridades para justificar determinadas situações e atitudes.

 

Silenciar quando convém – ou o “padrão da ocultação”: Não se trata do desconhecimento sobre certos temas, mas pelo contrário, “um deliberado silêncio militante sobre determinados fatos da realidade”.

 

Esquivar-se dos problemas: É absolutamente compreensível que um grupo que busca se legitimar diante de toda a sociedade jamais vai se declarar a favor de certos temas. Questões negativas como trabalho escravo, degradação ambiental, corrupção, etc., jamais seriam defendidas por quem busca apoio social.

 

A melhor defesa é o ataque: Quando se está sobre ataque do adversário, a melhor saída é assumir o contra-ataque.

 

Tática da emulação: O conceito de emulação, segundo o próprio dicionário, tem o significado de um sentimento que “leva a igualar alguém” ou, podemos dizer, busca estimular que se queira igualar a alguém. Esse raciocínio explica o grande esforço de dar publicidade às experiências produtivas exitosas do setor, que possam ser exemplos que, por um lado, são utilizados para estimular todo o setor a se esforçar por se igualar a tal experiência, e por outro para se apresentar para a sociedade como uma referência incontestável.

 

O mito da liderança exemplar: A formação da legitimidade de uma determinada organização e de seu projeto na sociedade, em muitos casos, passa por construir sobre a imagem de um indivíduo, as qualidades que expressariam todos os anseios dos grupos sociais que tal organização busca representar. A construção da liderança em torno da senadora Kátia Abreu, presidente da CNA, seria um mote fundamental da propaganda política da entidade, inclusive vinculando sua imagem com a da Presidente Dilma.

 

- Valter Israel da Silva, camponês, militante do Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA Brasil

 

Bibliografia Consultada

 

ANDRADE, Kleybson Ferreira de, A voz do AGRO, o discurso da CNA e a representação do rural do Brasil, 2013, disponível em http://www.mpabrasil.org.br/biblioteca/trabalhos-academicos/voz-do-agro-o-discurso-da-cna-e-representacao-dos-interesses-do consultado em 03/10/2013.

 

CARVALHO, Horácio Martins de. O Campesinato no Século XXI Possibilidades e Condicionantes para o seu desenvolvimento no Brasil. Editora Vozes, 2005.

 

GUZMÁN, Eduardo, S.; MOLINA, Manuel, G. Sobre a evolução do conceito de campesinato. 3ª ed. São Paulo. Expressão Popular, 2005. 

 

GRAIN.  http://www.grain.org/es/article/entries/4956-hambrientos-de-tierra-los-pueblos-indigenas-y-campesinos-alimentan-al-mundo-con-menos-de-un-cuarto-de-la-tierra-agricola-mundial - 10 junio 2014.

 

SILVA, V.I., Classe Camponesa Modo de ser, de viver e de produzir, ICPJ, 2014.

https://www.alainet.org/pt/articulo/169496
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