Inércia de Gilmar Mendes trava o combate à corrupção

06/04/2015
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Manifestação em Brasília pedindo a retomada da ADI 4650

Manifestação em Brasília pedindo a retomada da ADI 4650

 

 A polícia brasileira sempre utilizou algemas para prender e apreender pessoas, muitas vezes para mera averiguação. Mas essa conduta passou a ser criticada por determinados setores da sociedade quando, durante o Governo Lula, a Polícia Federal começou a investigar, com toda a liberdade, os “crimes de colarinho branco”.

 

Tornou-se comum a imagem de grandes empresários sonegadores ou envolvidos em esquema de corrupção sendo conduzidos algemados para a prisão em operações com nomes curiosos, como “Satiagraha” e “Castelos de Areia”. Dentre os presos, Daniel Dantas, nome presente em diversos escândalos de corrupção da onda de privatizações do Governo de FHC, especialmente no caso das telecomunicações.

 

Mas a prisão de empresários, e a investigação de grandes grupos econômicos por sonegação e corrupção foi uma grande inovação, pois até então apenas pessoas originadas das camadas menos abonadas da população apareciam nas manchetes de policiais, “sempre algemadas”.

 

Pois tão logo começaram as prisões de membros da elite econômica, com destaque especial à operação Satiagraha, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Ferreira Mendes, ex-Advogado da União do Governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), passou a mostrar indignação em inúmeras entrevistas contra o uso contínuo de algemas pela Polícia Federal. Daí, rapidamente surgiu a Súmula Vinculante nº 11, que limitou o uso de algemas nas operações policiais.

 

Particularmente sempre achei o uso de algemas, de revistas corporais em via pública, e de outras demonstrações de força, como uma conduta abusiva da polícia brasileira, sempre adotadas contra as camadas mais pobres da população. Tratava-se de uma cultura de coerção e constrangimento, que ainda hoje é adotada em regiões de conflito social. Mas a origem casuística da Súmula 11, e a sua motivação questionável, colocaram a postura do STF, na época, sob suspeição.

 

Mas esse não foi o único caso em que o Ministro Gilmar Mendes se envolveu em situações questionáveis, o que inclui uma discussão agressiva com o ex-Ministro Joaquim Barbosa em plenário, envergonhando a mais importante corte jurídica do país, e inúmeras entrevistas polêmicas contra políticos e partidos, algo que não é recomendável para uma pessoa cuja função institucional deve ser orientada pela imparcialidade e o decoro.

 

Mendes também votou contra o direito dos eleitores se apresentarem ao local de votação, durante as eleições, portando apenas um documento oficial com foto, quando foi derrotado pela maioria do Tribunal. Tal medida, que desburocratizou os processos eleitorais, foi essencial para garantir o pleno exercício da cidadania, mas época o Ministro tentou partidarizar a temática no seu voto.

 

Pois a última obra do ex-Presidente do STF foi o trancamento da ADI nº 4650, movimentada pela Ordem dos Advogados do Brasil contra o financiamento de campanhas eleitorais por empresas. O interminável pedido de vista de Gilmar Mendes completou um ano no último dia 02 de março, quando o prazo máximo admitido pelo regimento do Tribunal para vistas processuais é de 20 dias. Ou seja, Mendes já extrapolou o limite regulamentar em mais de 340 dias, num dos mais demorados e vergonhosos bloqueios ao andamento de um processo na história do STF.

 

A situação é mais grave pelo fato de ser uma ação com situação irreversível, pois seis Ministros já votaram a favor da ação, e contra o financiamento empresarial de campanhas, o que será um duro golpe no poder econômico e na corrupção eleitoral. Como o processo continua parado, esta semana uma grande manifestação foi realizada em Brasília, sob a liderança da CNBB, contra a postura de Gilmara Ferreira Mendes.

 

Manifestação contra Gilmar Mendes e PEC da “Contra Reforma Política” em Brasília

Foto: Manifestação contra Gilmar Mendes e PEC da “Contra Reforma Política” em Brasília

 

Ocorre que o referido Ministro do STF segue sem dar sinais de que irá devolver o processo à pauta, contanto com a complacência da mídia oligopolista e o silêncio do Conselho Nacional de Justiça, numa clara ofensa ao regime institucional do Tribunal e aos seus próprios pares.

 

Além disso, há um jogo de coincidências interessante que serve de indício de uma conduta deliberada do citado Ministro do Supremo para atrasar a votação da ADI:

 

  1. Primeiro, ao mesmo tempo em que o processo é trancado no Tribunal, o Presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB), resolveu retomar a votação da PEC da Bengala, que amplia o mandato dos Ministros do STF, e é defendida abertamente por Gilmar Mendes.

 

  1. Segunda, enquanto Mendes segura a ADI movimentada pela OAB, Cunha acelera a apreciação da PEC da “Contra Reforma Política”, mantendo o financiamento privado e empresarial de campanhas, e propondo o voto distrital para a escolha de parlamentares, duas medidas que comungam com a ampliação do patrimonialismo e corrupção eleitoral.

 

Assim, a postura de Gilmara Mendes em nada contribui para a Democracia, muito menos ao combate à corrupção. Ao contrário, coloca em risco a possibilidade do Brasil acabar com o abuso do poder econômico nas eleições, favorecendo o interesse das grandes empresas e dos setores mais conservadores da sociedade.

 

Sandro Ari Andrade de Miranda, advogado, mestre em ciências sociais.

https://sustentabilidadeedemocracia.wordpress.com/

https://www.alainet.org/pt/articulo/168721
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