Um novo padrão ético nas relações entre o público e o privado

01/04/2015
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Foto: Roberto Stuckert Filho/PR image001
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Há séculos a cultura da corrupção assola nosso país. Ao longo dos anos, ações punitivas e processos investigativos foram se desenvolvendo, se aperfeiçoando no sentido de libertar o setor público desse mal. Mas a corrupção envolve tanto servidores públicos quanto políticos, assim como empresas. As recentes denúncias que afloram na imprensa de possível esquema de corrupção na Petrobras para beneficiar servidores, parlamentares, partidos políticos e empresas privadas são exemplos tristes da participação dessas esferas em atos ilícitos.

 

É verdade que hoje os brasileiros estão perplexos com as denúncias de possível esquema de propina na Petrobras. E todos nós acompanhamos esse cenário com certa apreensão. Contudo, sigo na defesa de que essa situação requer de todos nós e dos órgãos competentes cautela, investigação e punição rigorosa de todos os corruptos e também dos corruptores. Além disso, nos envergonha e entristece constatar que esse possível esquema se iniciou lá atrás, no governo de Fernando Henrique Cardoso, sem nenhuma investigação rigorosa.

 

Como se diz popularmente: não existe corrupto sem corruptor. E, na base desse processo, muitas das vezes ocorrem também os interesses empresariais. No anseio de fechar contratos milionários com a administração pública – tanto na esfera municipal quanto na estadual e federal – e na ausência de uma legislação severa e eficiente, as empresas se sentem impunes para atuar com práticas condenáveis. Por isso, a necessidade latente de punir de forma rápida e efetiva, garantindo o direito de defesa e coibindo a continuidade de atos ilegais na administração pública.

 

Foi com esse entendimento, essa visão, que lutei na Câmara para que os deputados e senadores analisassem o Projeto de Lei nº 6826/2010, do Executivo, encaminhado ainda durante a gestão do presidente Lula, que tratava da responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, em especial os atos de corrupção. Além de mais abrangente, a proposta previa punições mais graves do que as previstas na Lei de Licitações.

 

Esse rigor nas ações punitivas aplicáveis ao setor privado contribuirá diretamente para coibir irregularidades no serviço público. Isso porque, no meu entendimento, contrariando a ideia alimentada pela mídia de que todos os atos de corrupção se resumem ao setor público, algumas empresas privadas no Brasil estão ligadas à prática de desvios de recursos públicos, superfaturamento, suborno. E esse comportamento de parte do setor privado não é exclusividade do Brasil; podemos identificar exemplos nos Estados Unidos e em países da Europa, com democracia consolidada.

 

Depois de um árduo caminho de negociações, a proposta tramitou três anos e meio na Câmara e foi aprovada no Congresso em 2013. Virou lei no dia 18/3/2015, quando foi regulamentada pelo Poder Executivo, configurando um passo importante nessa luta incansável por maior transparência e punição rigorosa de pessoas jurídicas nos crimes de corrupção, que muitas das vezes sangram de forma atroz os cofres públicos. Essa legislação vem com intuito não só de punir empresas corruptoras, mas especialmente de incentivar que se estabeleça um novo padrão ético nas relações entre o público e o privado. E já se percebe, pouco a pouco, seu efeito positivo, não porque sua existência signifique o fim dos malfeitos, mas porque ela tem, sim, o poder de mudar o comportamento empresarial no Brasil, fomentando um novo padrão ético.

 

Sei que nesse combate o Partido dos Trabalhadores e os governos Dilma e Lula são elementos engrandecedores e preponderantes para garantir legislações mais rígidas. É importante que se diga, por exemplo, que ambos os governos foram os que mais investigaram a corrupção e fortaleceram os órgãos de investigação no país, como a Controladoria-Geral da União e a Polícia Federal, responsáveis por milhares de casos de ações de punição contra funcionários por atos de corrupção.

 

Essa constatação não é minha. De acordo com pesquisa Datafolha, por exemplo, 46% dos brasileiros entrevistados também acham que o governo Dilma foi o que mais investigou a corrupção, desde a redemocratização brasileira. Em segundo lugar vem o governo Lula, com 16%, seguido do governo de Fernando Collor de Mello, que obteve 11% dos votos.

 

Essa mesma pesquisa revela ainda que 40% acham que foi na administração de Dilma Rousseff que mais corruptos foram punidos. O governo Collor aparece em segundo lugar, com 12%, seguido pelo governo Lula, com 11%. Entre os governos em que a corrupção foi menos punida estão o de Fernando Henrique Cardoso (3%) e o de José Sarney (2%).

 

No intuito de contribuir com a vigência dos valores éticos nas relações entre o público e o privado no país, apresentei o Projeto de Lei nº 1202, em 2007, para disciplinar a atividade de lobby e a atuação dos grupos de pressão ou de interesse e assemelhados no âmbito dos órgãos e entidades da administração pública federal. Trata-se de uma proposta que poderia contribuir diretamente para coibir os atos de corrupção.

 

A regulamentação do lobby possibilitará um maior controle da própria sociedade sobre a atividade, limitará a conduta dos lobistas e dos próprios servidores públicos, para que não haja abusos nem tampouco conflitos de interesse. Além disso, vai garantir transparência e a idoneidade do processo e, igualmente, a responsabilização de possíveis atos irregulares.

 

Entretanto, sem o apelo social e da mídia, infelizmente, a proposta continua aguardando parecer na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara. Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, inúmeras proposições têm tentado regulamentar a atuação dos lobbies na administração federal. Poucas prosperaram até agora. É oportuno, portanto, que a população desperte interesse e aplique seu poder de pressão para que o Congresso analise propostas com esse viés.   

 

Na perspectiva de avançar, assim como fizeram Estados Unidos, Inglaterra, França e México, que regulamentaram a prática, seguimos na luta para que o Congresso supere esse déficit legislativo e ingresse numa fase de moralização e transparência do lobby parlamentar e também no âmbito dos Poderes Executivo e Judiciário, pondo fim a anos de prática nebulosa e sem qualquer tipo de regulamentação.

 

Dando sequência ao movimento de coibir e punir de forma mais severa atos de corrupção, a presidenta Dilma Rousseff encaminhou ao Congresso, no dia 18/3/2015, um pacote anticorrupção. É imprescindível que se diga que o governo da presidenta dá mais um importante passo com a apresentação dessas medidas. Isso demonstra o compromisso que temos com o combate à prática de atos ilícitos e à impunidade no Brasil.

 

O pacote de medidas chega num momento político e social importante, demonstrando que o governo Dilma está atento aos anseios da população brasileira, que hoje cobra nas ruas, por meio de manifestações em todo o país, o fim da corrupção e penas mais severas aos corruptos e corruptores. Ao anunciá-lo, Dilma Rousseff destacou: “Não transigimos com a corrupção e temos o compromisso de enfrentar a impunidade que alimenta a corrupção. As medidas evidenciam que estamos no caminho correto. O enfrentamento à impunidade deve ser visto como uma política de Estado, e não como um momento atual da história do nosso país. Temos de fortalecer as instituições públicas. Tenho certeza que todos os brasileiros de boa fé sabem que a corrupção no Brasil não foi inventada recentemente (...). O que diferencia um governo do outro, um país do outro, é que alguns governos e alguns países criam condições para investigar e punir a corrupção. Outros não vão fazer isso”. Esse pronunciamento deixa evidente a intenção recorrente desse governo de investigar tudo e todos.

 

Simplificando, a proposta apresentada pelo governo defende a criminalização da prática de caixa dois, a aplicação da Lei da Ficha Limpa para todos os cargos de confiança na esfera do governo federal, a alienação antecipada dos bens apreendidos, a responsabilização criminal de agentes públicos e o confisco de bens dos servidores públicos. O Executivo encaminhou também pedido de urgência na tramitação do projeto no Congresso.

 

Em última análise, cabe agora ao Legislativo apreciar e votar com agilidade essas medidas que vão ajudar a coibir atos ilícitos que sangram os cofres públicos. Mas, para dar celeridade à análise dessas medidas, a sociedade precisa abraçar esse pacote, precisa pressionar para que o Congresso Nacional assuma seu papel histórico de legislador e fiscalizador para a vigência dos valores éticos e o fortalecimento da democracia com o zelo ao bem público.

 

- Carlos Zarattini é economista, deputado federal pelo PT-SP

 

Teoria e Debate, Edição 134, 31 março 2015

http://www.teoriaedebate.org.br/materias/nacional/um-novo-padrao-etico-nas-relacoes-entre-o-publico-e-o-privado?page=full

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/168633
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