Por que o Uruguai se integrou ao Acordo de Comércio de Serviços secretamente?

O Uruguai entrou no Acordo sobre o Comércio de Serviços (TISA) sem a existência de uma discussão nacional a respeito da conveniência ou inconveniência.
30/03/2015
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“Uma vez que os espaços da periferia foram incorporados às relações capitalistas de produção, o imperialismo seguiu avançando para além dos limites impostos pela geografia, mediante a mercantilização de setores da vida econômica e social outrora preservados à margem da dinâmica predatória dos mercados, como os serviços públicos, os fundos de pensão, a saúde, a educação, a segurança, as prisões e outros do tipo”. Atilio Boron (1).

 

O Uruguai entrou no Acordo sobre o Comércio de Serviços (Trade in Services Agreement – TISA) sem a existência de uma discussão nacional a respeito da conveniência ou inconveniência deste acordo de livre comércio de serviços. Uma medida que demonstra as grandes debilidades do governo de Jose Mujica no que se refere a sua política de inserção internacional e à transparência de suas ações – tendo em conta o modelo econômico aplicado ao país e assinalado anteriormente sobre o TISA (2).

 

Em fevereiro de 2015, na página do Ministério das Relações Exteriores do Canadá, publicou-se a seguinte notícia: “Nos alegra anunciar que os países membros do TISA deram as boas vindas ao Uruguai nas negociações. Na atualidade, há 24 países que participam das negociações do TISA: Austrália, Canadá, Chile, Taipei, Colômbia; Costa Rica, União Europeia, Hong Kong, Islândia, Israel, Japão, Liechtenstein, Nova Zelândia, Noruega, México, Paquistão, Panamá, Paraguai, Peru, Coreia do Sul, Suíça, Turquia, Estados Unidos e Uruguai” (3).

 

O Uruguai foi aceito – depois que o Congresso dos EUA deu luz verde para que assim fosse – e participou das negociações a partir de 9 de fevereiro. Quer dizer, o Uruguai começou a participar nas negociações aceitando os acordos realizados antes do momento de sua incorporação. Acordos cujo conteúdo se desconhece e comprometem o futuro de todos os uruguaios.

 

A primeira notícia pública sobre o assunto se deu em 2 de maio de 2014, quando a Agência EFE informou, de Bruxelas, que o Uruguai havia solicitado ingressar no TISA em setembro de 2013 e que o comissário europeu de Comércio, Karel de Gucht, manifestara que “a União Europeia celebra o interesse do Uruguai em se unir aos negociadores do TISA e respalda firmemente sua participação de agora em diante”. Afirmou, além disso, que o ministro uruguaio de Relações Exteriores, Almagro Lemes, garantiu que seu país “compartilha os objetivos das negociações do TISA” e que “respeitará os resultados da negociação atingidos pelos outros participantes, no caso de unir-se ao bloco” (4).

 

Tal declaração entra em contradição com o sustentado pelo chanceler Almagro em múltiplas instâncias, nas quais declarou que, se o Uruguai for admitido, se tomará conhecimento “do material de base sobre o qual se está negociando e as respectivas ofertas”, e se estará “em condições de avaliar a conveniência de entrar”.

 

Na mesma entrevista, o chanceler afirmou, utilizando um discurso elogioso e impreciso, que o TISA tem como objetivo “estabelecer um regime de comércio mais amplo, flexível e previsível... o suficiente, claro, para não impedir que cada governo exerça sua própria soberania para regular certos setores... que as disposições do acordo estarão sujeitas a exceções gerais, a exceções relativas à segurança e a exceções prudenciais no caso dos serviços financeiros” e que o Uruguai poderia incluir setores que queira proteger em sua “lista de exceções”.

 

O governo uruguaio entrou no TISA imediatamente após ser aceito, o que implica que aderiu de olhos fechados, o que é muito pouco provável, ou conhecia e aceitou o conteúdo dos acordos, que seguem sendo secretos ao público.

 

As principais referências da Frente Ampla (FA) no senado, sobre assuntos internacionais, consultadas naquele momento – Enrique Rubio, Eduardo Lorier, Alberto Couriel –, desconheciam o assunto e o assessor da presidência da FA em política exterior – Jose Bayardi – afirmou que não havia se discutido nada na coalizão.

 

Se foi surpreendente que o governo uruguaio tivesse solicitado participar de tais negociações sem informar publicamente, a surpresa é muito maior agora, quando já se entrou no TISA. E é notório que todos aqueles que tomaram nota do tema não fizeram o necessário para gerar um processo de discussão amplo e aberto, que avalizasse ou questionasse o que fazia o governo.

 

Deve destacar-se que, apesar de não existirem vozes discordantes no âmbito político, o movimento sindical resolveu “rechaçar a entrada de nosso país nos tratados, já que isso colocaria em risco o patrimônio e a soberania nacional, pois a intenção é liberalizar ou desregular os mercados” (5). A Confederação Latino-Americana e do Caribe dos Trabalhadores Estatais (CLATE) se expressou no mesmo sentido, assim como a Confederação de Organizações de Funcionários do Estado (COFE) (6). Por sua vez, a Internacional de Serviços Públicos (ISP) desenvolve uma campanha contra o TISA em vários continentes (7).

 

Ante um fato de tão extraordinária importância cabe perguntar: por que o governo de Jose Mujica não informou os passos que se deram para entrar no TISA? Quais são os motivos para se integrar a um acordo multilateral que limita fortemente os poderes de decisão do governo e a soberania nacional? O governo de Tabaré Vázquez assumirá e continuará com essa política? Se assim o fizer, submeterá tais decisões ao conjunto da nação ou continuará com o segredo de Estado?

 

Nas próximas rodadas de negociações (a próxima é em abril), o Uruguai deverá apresentar sua lista de exceções com os setores de serviços que deseja proteger e, por tabela, todos os demais setores que ficariam submetidos à liberalização, com seu conseguinte impacto sobre os trabalhadores, empresários, cooperativistas e usuários. Quem e com que direito vai tomar essa decisão? Ninguém dos envolvidos em tais negociações deveria esquecer que a democracia direta foi a arma utilizada pelo povo para evitar o descalabro dos governantes.

 

Notas:

(1) “América Latina en la geopolítica del imperialismo”, Ed. Luxemburg, Buenos Aires, 2012, p. 23

 

(2) “¿Por qué Uruguay solicito integrarse al TISA”, Semanário “Vozes”, 10/07/2014 y 24/07/2014.

(3) http://www.international.gc.ca/trade-agreements-accords-commerciaux/topics-domaines/services/tisa-acs.aspx?lang=eng.

 

(4) Natalia Uval, “Abierto a todo”, “La Diaria”, 17/07/2014

 

(5) PIT-CNT, Mesa Representativa Nacional Ampliada, 17/03/14

 

(6) “O TISA tenta eliminar ou reduzir ao máximo as fronteiras econômicas internacionais, os sistemas regulatórios que preservam os direitos dos trabalhadores e o papel das empresas e serviços públicos. Tudo o que gera perdas significativas de soberania nacional e direitos democráticos. Montevidéu, 20/08/21014”.

 

(7) http://www.world-psi.org/es/informe-especial-de-la-isp-el-tisa-frente-los-servicios-publicos

 

 

- Antonio Elías é diretor do Instituto de Estudos Sindicais Universindo Rodríguez  (INESUR) e miembro da REDIU (Rede de Economistas de Esquerda do Uruguai).

 

Traduzido por Gabriel Brito, do Correio da Cidadania.

 

27 de Março de 2015

http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=10630:submanchete270315&catid=72:imagens-rolantes

https://www.alainet.org/pt/articulo/168553

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