O tsunami comercial é mais ameaçador que o monetário
19/03/2012
- Opinión
A crise financeira europeia é um risco europeu, mas a política econômica adotada na Europa sob tacão alemão para supostamente enfrentá-la é um risco nosso: na medida em que toda a União Europeia corta gastos públicos, salários, direitos previdenciários e outras formas de sustentar o consumo interno com o fim nem sempre explícito de gerar excedentes exportáveis a qualquer preço, são os mercados emergentes, e notadamente o nosso, que terão de suportar o ataque comercial.
O Governo começa a se dar conta disso, mas grande parte do empresariado, sobretudo o pessoal da Fiesp, ainda está focado quase exclusivamente na ameaça chinesa. Contudo, para nós, se a China tem sido um problema pelo lado das importações de manufaturados, ela tem feito parte da solução pelo lado das exportações de matérias primas (sobretudo minério de ferro e soja). Claro que o yuan valorizado incomoda. Mas por que insistimos em não administrar melhor o câmbio?
Já o potencial dumping comercial europeu é muito mais ameaçador porque, ao contrário da China, a União Europeia esta fazendo uma política econômica que restringe importações ao mesmo tempo em que estimula exportações. E não só ela. Os Estados Unidos de Barak Obama pretendem dobrar as exportações em cinco anos, a partir de 2010, e o Ministro da Fazenda japonês, numa carta-circular, orientou os presidentes das corporações japonesas a reorientar as exportações para os países emergentes, já que os países industrializados avançados estão estagnados.
Pela primeira vez na história, teremos uma situação em que virtualmente todos os países industrializados avançados têm como política prioritária aumentar exportações e limitar importações, neste caso como conseqüência da queda do consumo resultante dos cortes de gastos públicos. A avalanche exportadora dos ricos recairá sobre nós, os pobres e os emergentes, na forma de destruição dos parques produtivos que já temos ou dos sonhos de tê-los algum dia, no caso dos menos desenvolvidos, liquidando os melhores empregos no nosso mercado de trabalho.
Mais uma vez, é preciso desculpar a China: suas exportações têm caído significativamente enquanto as importações aumentam. Desse ponto de vista, está ocorrendo no país um saudável rebalanceamento de suas contas externas a partir do revigoramento do consumo interno. Existe aí uma clara política de estilo keynesiano, algo que passou a ser anátema na Europa.
Lembre-se que, em termos relativos, a China fez o maior programa de estímulo do planeta no sentido de reverter a crise de 2008. Essa política ancorada em planejamento e financiamento de bancos estatais assegurou elevadas taxas de crescimento, só caindo para ainda elevados 7,5% neste ano.
Não vejo como enfrentar o tsunami comercial proveniente da Europa e de outros países desenvolvidos a não ser por um rápido movimento na direção do aprofundamento da integração sul americana. Note-se que, individualmente, não seria possível ao Brasil, mesmo com uma política cambial decente, proteger seu parque produtivo com barreiras comerciais. Seríamos considerados párias no mundo e sujeitos a duras retaliações em nossas exportações. Contudo, enquanto bloco econômico, poderemos construir uma barreira tarifaria protetora, pelo menos por algum tempo –tempo para os países desenvolvidos alterarem sua política.
Assim, a integração sul americana, que em outros tempos foi um ideal político romântico, tornou-se agora um imperativo de sobrevivência. E não estou falando apenas em comércio através do Mercosul, ou de política e defesa, através da Unasul. Estou falando de integração econômica através do entrelaçamento de cadeias produtivas mediante a articulação de redes de empreendimentos comuns, que envolvam efetivamente os empresários privados e estatais da região. Isso interessa a nós, que temos um parque industrial relativamente avançado, mas também aos menores países da América do Sul, que legitimamente possam aspirar a algum tipo de especialização industrial, como na Europa do Norte.
Com esse objetivo, já tramita no Congresso Nacional e no Parlasul um projeto de estímulo aos investimentos de integração produtiva na América do Sul. A intenção é que projetos similares sejam aprovados em todos os parlamentos regionais, o que poderia ser feito em tempo relativamente curto – ou mais curto que a discussão de um tratado -, abrindo caminho para a formalização de um bloco econômico. Se for feito rápido, isso dará tempo a que a Sra. Merkel, o Sr. Cameron, o Sr. Sarcozy (ou seu sucessor) tomem juízo e desistam de incendiar a Europa e o mundo, como fez a Alemanha 70 anos atrás por outros meios.
- J. Carlos de Assis é economista e professor da UEPB, co-autor, com Francisco Antonio Doria, do recém-lançado “O universo neoliberal em desencanto”, pela Civilização Brasileira. Esta coluna é publicada também no site Rumos do Brasil e, às terças, no jornal carioca Monitor Mercantil.
O Governo começa a se dar conta disso, mas grande parte do empresariado, sobretudo o pessoal da Fiesp, ainda está focado quase exclusivamente na ameaça chinesa. Contudo, para nós, se a China tem sido um problema pelo lado das importações de manufaturados, ela tem feito parte da solução pelo lado das exportações de matérias primas (sobretudo minério de ferro e soja). Claro que o yuan valorizado incomoda. Mas por que insistimos em não administrar melhor o câmbio?
Já o potencial dumping comercial europeu é muito mais ameaçador porque, ao contrário da China, a União Europeia esta fazendo uma política econômica que restringe importações ao mesmo tempo em que estimula exportações. E não só ela. Os Estados Unidos de Barak Obama pretendem dobrar as exportações em cinco anos, a partir de 2010, e o Ministro da Fazenda japonês, numa carta-circular, orientou os presidentes das corporações japonesas a reorientar as exportações para os países emergentes, já que os países industrializados avançados estão estagnados.
Pela primeira vez na história, teremos uma situação em que virtualmente todos os países industrializados avançados têm como política prioritária aumentar exportações e limitar importações, neste caso como conseqüência da queda do consumo resultante dos cortes de gastos públicos. A avalanche exportadora dos ricos recairá sobre nós, os pobres e os emergentes, na forma de destruição dos parques produtivos que já temos ou dos sonhos de tê-los algum dia, no caso dos menos desenvolvidos, liquidando os melhores empregos no nosso mercado de trabalho.
Mais uma vez, é preciso desculpar a China: suas exportações têm caído significativamente enquanto as importações aumentam. Desse ponto de vista, está ocorrendo no país um saudável rebalanceamento de suas contas externas a partir do revigoramento do consumo interno. Existe aí uma clara política de estilo keynesiano, algo que passou a ser anátema na Europa.
Lembre-se que, em termos relativos, a China fez o maior programa de estímulo do planeta no sentido de reverter a crise de 2008. Essa política ancorada em planejamento e financiamento de bancos estatais assegurou elevadas taxas de crescimento, só caindo para ainda elevados 7,5% neste ano.
Não vejo como enfrentar o tsunami comercial proveniente da Europa e de outros países desenvolvidos a não ser por um rápido movimento na direção do aprofundamento da integração sul americana. Note-se que, individualmente, não seria possível ao Brasil, mesmo com uma política cambial decente, proteger seu parque produtivo com barreiras comerciais. Seríamos considerados párias no mundo e sujeitos a duras retaliações em nossas exportações. Contudo, enquanto bloco econômico, poderemos construir uma barreira tarifaria protetora, pelo menos por algum tempo –tempo para os países desenvolvidos alterarem sua política.
Assim, a integração sul americana, que em outros tempos foi um ideal político romântico, tornou-se agora um imperativo de sobrevivência. E não estou falando apenas em comércio através do Mercosul, ou de política e defesa, através da Unasul. Estou falando de integração econômica através do entrelaçamento de cadeias produtivas mediante a articulação de redes de empreendimentos comuns, que envolvam efetivamente os empresários privados e estatais da região. Isso interessa a nós, que temos um parque industrial relativamente avançado, mas também aos menores países da América do Sul, que legitimamente possam aspirar a algum tipo de especialização industrial, como na Europa do Norte.
Com esse objetivo, já tramita no Congresso Nacional e no Parlasul um projeto de estímulo aos investimentos de integração produtiva na América do Sul. A intenção é que projetos similares sejam aprovados em todos os parlamentos regionais, o que poderia ser feito em tempo relativamente curto – ou mais curto que a discussão de um tratado -, abrindo caminho para a formalização de um bloco econômico. Se for feito rápido, isso dará tempo a que a Sra. Merkel, o Sr. Cameron, o Sr. Sarcozy (ou seu sucessor) tomem juízo e desistam de incendiar a Europa e o mundo, como fez a Alemanha 70 anos atrás por outros meios.
- J. Carlos de Assis é economista e professor da UEPB, co-autor, com Francisco Antonio Doria, do recém-lançado “O universo neoliberal em desencanto”, pela Civilização Brasileira. Esta coluna é publicada também no site Rumos do Brasil e, às terças, no jornal carioca Monitor Mercantil.
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