Rumo à reforma agrária

15/03/2012
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Caiu mais um ministro, o do Desenvolvimento Agrário.  Nomeado o novo: Pepe Vargas (PT-RS), que foi prefeito de Caxias do Sul por dois mandatos e mantém boas relações com o MST.
 
A esperança é que a presidente Dilma Rousseff tenha dado o primeiro de três passos urgentes para o Brasil não ficar mal na foto do “concerto das nações”, como diria o Conselheiro Acácio.  Os outros dois são o veto ao Código Florestal proposto pelo Senado e uma nova política ambiental e fundiária que prepare bem o país para acolher, em junho, a Rio+20.
 
A questão fundiária no Brasil é a nódoa maior da nação.  Nunca tivemos reforma agrária.  Ou melhor, uma única, cujo modelo o latifúndio insiste em preservar: quando a Coroa portuguesa dividiu nossas terras em capitanias hereditárias.
 
Desde 2008, o Brasil ultrapassou os EUA ao se tornar o campeão mundial de consumo de agrotóxicos.  E, segundo a ONU, vem para o Brasil a maioria dos agrotóxicos proibidos em outros países.  Aqui são utilizados para incrementar a produção de commodities.
 
Basta dizer que 50% desses “defensivos agrícolas” são aplicados na lavoura de soja, cuja produção é exportada como ração animal.  E o mais grave: desde 1997 o governo concede desconto de 60% no ICMS dos agrotóxicos.  E o SUS que aguente os efeitos... nos trabalhadores do campo e em todos nós que consumimos produtos envenenados.
 
Os agrotóxicos não apenas contaminam os alimentos.  Também degradam o solo e prejudicam a biodiversidade.  Afetam a qualidade do ar, da água e da terra.  E tudo isso graças ao sinal verde dado por três ministérios, nos quais são analisados antes de chegarem ao mercado: Saúde, Meio Ambiente e Agricultura.
 
É uma falácia afirmar que os agrotóxicos contribuem para a segurança alimentar.  O aumento do uso deles em nada fez decrescer a fome no mundo, como indicam as estatísticas.
 
A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) tenta manter o controle sobre a qualidade dos agrotóxicos e seus efeitos.  Mas, quando são vetados, nem sempre consegue vencer as pressões da bancada ruralista sobre outros órgãos do governo e, especialmente, sobre o Judiciário.
 
A Cúpula Mundial do Meio Ambiente na África do Sul, em 2002, emitiu um documento em que afirma que a produção mundial de alimentos aumentou em volume e preço (devido ao uso de agrotóxicos e sementes transgênicas).  À custa de devastação dos solos, contaminação e desperdício da água, destruição da biodiversidade, invasão de áreas ocupadas por comunidades tradicionais (indígenas, clãs, pequenos agricultores etc.).  Fica patente, pois, que a chamada “revolução verde” fracassou.
 
Hoje, somos 7 bilhões de bocas no planeta.  Em 2050, seremos 9 bilhões.  Se medidas urgentes não forem tomadas, há de se agravar a sustentabilidade da produção agrícola.
 
Diante desse sinal amarelo, o documento recomenda: reduzir a degradação da terra; melhorar a conservação, alocação e manejo da água; proteger a biodiversidade; promover o uso sustentável das florestas; e ampliar as informações sobre os impactos das mudanças climáticas.
 
Quanto aos primeiro e terceiro itens, sobretudo, o Brasil marcha na contramão: cada vez mais se ampliam as áreas de produção extensiva para monocultivo, destruindo a biodiversidade, o que favorece a multiplicação de pragas.  Como as pragas não encontram predadores naturais, o recurso é envenenar o solo e a água com agrotóxicos.  E com frequência isso não dá resultado.  No Ceará, uma grande plantação de abacaxi fracassou, malgrado o uso de 18 diferentes “defensivos agrícolas”.
 
Tomara que o ministro Pepe Vargas consiga estabelecer uma articulação interministerial para livrar o Brasil da condição de “casa da mãe Joana” das multinacionais da insustentabilidade e da degradação do nosso patrimônio ambiental.  E acelere o assentamento das famílias sem-terra acampadas à beira de rodovias, bem como a expropriação, para efeito social, de terras ociosas e também daquelas que utilizam mão de obra escrava.
 
Governo é, por natureza, expressão da vontade popular.  E a ela deve servir.  O que significa manter interlocução permanente com os movimentos sociais interessados nas questões ambiental e fundiárias, irmãs siamesas que não podem ser jamais separadas.
 
- Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Marcelo Gleiser, de “Conversa sobre a fé e a ciência” (Agir), entre outros livros.
http://www.freibetto.org/> twitter:@freibetto.
 
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