Brasil país do povo?

20/06/2011
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O Brasil é mundialmente conhecido como o país do futebol, e agora teremos novamente uma Copa do mundo em nosso território. As obras não param e o orçamento cresce. Mas o povo nem sempre sai ganhando com isso. Da televisão continuamos vendo os times campeões, mas quando seremos?

“Embora tenham os mesmos direitos, nunca competem nas mesmas condições o jogador que vem da fome e o atleta bem alimentado. Mas pelo menos no futebol há alguma possibilidade de ascensão social para o menino pobre, em geral negro ou mulato, que só tem a bola como brinquedo: a bola é a única varinha mágica em que pode acreditar. Talvez ela lhe dê de comer, talvez ela o transforme num herói, talvez em deus. A miséria o torna apto para o futebol ou para o delito. Desde que nasce, esse menino é obrigado a transformar em arma sua desvantagem física, e rapidamente aprende a driblar as normas da ordem que lhe nega um lugar. Aprende a descobrir como despistar cada pista, e torna-se sábio na arte de dissimular, surpreender, abrir caminho onde menos se espera e tirar o inimigo de cima com um requebro de cintura ou qualquer outra melodia da música malandra.”  

  Futebol ao Sol e à Sombra; Eduardo Galeano.

A Nação produz jogadores de futebol como outrora as minas gerais enriqueciam poucos com ouro e diamantes.

A FIFA órgão máximo do futebol, manda, desmanda, critica e obriga nas mudanças para que o país receba o privilegio de sediar o evento: aeroportos, estradas, segurança, estádios tudo na mira de mudanças estruturais, mas ai é que vem a pergunta;

Por que apenas agora?

Ou com outra;

Ainda somos colônia de uma metrópole?

Não?

“A moral do mercado, que em nosso tempo é a moral do mundo, autoriza todas as chaves do sucesso, mesmo que sejam gazuas. O futebol profissional não tem escrúpulos, porque integra um sistema de poder inescrupuloso que compra eficácia a qualquer preço. E afinal de contas, o escrúpulo nunca foi grande coisa. Escrúpulo era a menor medida de peso, a mais insignificante, na Itália do Renascimento. Cinco séculos depois, Paul Steiner, jogador alemão do Colônia, explicava:

- Jogo por dinheiro e por pontos. O adversário quer tirar-me o dinheiro e os pontos. Por isso devo lutar contra ele por todos os meios”

Futebol ao Sol e à Sombra; Eduardo Galeano.

 

A realidade é que uma minoria consegue sobreviver. Vencer no futebol e ganhar um salário digno, em sua grande totalidade o que vemos e canelas correndo em várzeas peneiras e sugadas ate o limite.

Quantos ficam para trás?

A televisão distorce tudo.

Poucos dias atrás em Roma, os italianos insatisfeitos pela questão diplomática envolvendo Brasil e Itália. Protestaram nas finais em sua capital, contudo tiveram de se render às palmas. Feminino e masculino, campeões na areia.

E em questão de gênero temos o melhor dos melhores no futebol.

Mas no feminino.

Apenas um detalhe.

Uma nação machista e crente num mercado marcado por uma distorção enorme embora seja apenas um reflexo da própria realidade. Uma vastidão territorial e poucos donos... Muitos esfomeados.

“- A FIFA não fala com jogadores - respondeu Blatter. - Os jogadores são empregados dos clubes. Enquanto esse burocrata No mundo atual, tudo o que se move e tudo o que está imóvel transmitem alguma mensagem comercial. Cada jogador de futebol é um cartaz em movimento, mas a FIFA não permite que os jogadores portem mensagens de solidariedade social. Tamanho disparate está expressamente proibido. Júlio Grondona, presidente do futebol argentino, lembrou e fez lembrar tal proibição, em 1997, quando alguns jogadores quiseram expressar em campo seu apoio às reivindicações de mestres e professores, que ganham salários de jejum perpétuo. Pouco antes, a FIFA castigara com uma multa o jogador inglês Robbie Fowler, pelo delito de inscrever em sua camiseta uma mensagem de adesão à greve dos operários dos portos.”

Futebol ao Sol e à Sombra; Eduardo Galeano

Não esperem mensagens de apoio aos bombeiros ou futuros grevistas de uma nação sempre lembrada de seu devido lugar.

Mas não há duvidas que o futebol masculino seja a menina dos olhos de qualquer garoto, de qualquer empresário ou corporação.

O mito do país do futebol é repetido e ensaiado diariamente. Enlatado e vendido pelos melhores preços no shopping global.

Mas...

Essa idéia é um mito e como bem afirmou Barthes, o mito é uma fala despolitizada.

Explica-se por si própria, tudo é aceito dentro dessa mítica,assassinatos, drogas, bandidagem, gravidez interrompidas ou geradas sem o pai. O pai é uma estrela, pode tudo, porque venceu, por que numa lógica capitalista ele é um campeão, derrotou uma terrível media contra, sobrou entre todos os garotos da várzea, dos testes e treinos. É um vencedor, pois aparece na televisão.

Os dirigentes de futebol se revezam entre péssimos administradores e candidatos àlgum cargo na política usando como trampolim a paixão de milhares. Pessoas brigam e espancam em nome de uma camisa de futebol. Jogadores beijam e fazem juras de amor a cada novo clube a contratá-lo. Clubes prometem títulos e ganham dividas milionárias.

Maradona é tido como um dos maiores jogadores de todos os tempos. De temperamento difícil e vida conturbada parece ser sempre lembrado como um jogador desobediente, mas o que poucos repetem e Galeano escreve é:

“Ele não foi o único jogador desobediente, mas foi sua voz que deu ressonância universal às perguntas mais insuportáveis: Por que o futebol não é regido pelas leis universais do direito do trabalho? Se é normal que qualquer artista conheça os lucros do show que oferece, por que os jogadores não podem conhecer as contas secretas da opulenta multinacional do futebol? Havelange se cala, ocupado com outros afazeres, e Joseph Blatter, burocrata da FIFA que nunca chutou uma bola, mas anda em limusines de oito metros com motorista negro, limita-se a comentar:

“- O último astro argentino foi Di Stéfano. Quando Maradona foi, finalmente, expulso do Mundial de 94,”

Futebol ao Sol e à Sombra; Eduardo Galeano

 

“...Quase dois mil anos antes de tudo isto, o patriarca bíblico que escreveu os Atos dos Apóstolos, contou a história de dois dos primeiros cristãos, Ananias e sua mulher Safira. Ananias e Safira tinham vendido um campo e mentido o preço. Quando Deus ficou sabendo da fraude, fulminou-os no ato. Se Deus tivesse tempo para cuidar do futebol, quantos dirigentes continuariam vivos?”

Futebol ao Sol e à Sombra; Eduardo Galeano

 

O Brasil é país do futebol, do futuro, do samba, carnaval e etc... Quando será um país para seu povo?

https://www.alainet.org/pt/articulo/150656

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