Os economistas e o tema da sustentabilidade
13/12/2010
- Opinión
Crescer, distribuir, sustentar...continuar a crescer sem agredir o meio ambiente. Esse é o desafio mais premente dos dias que correm. Isso é possível ou é utopia? O que não é possível é fazer uma economia crescer sem produzir na esteira desse acontecimento impacto ambiental e emissão de gás carbônico. Nos últimos cem anos da história do mundo, a produtividade aumentou significativamente, prosperou o capitalismo, diversificou-se a capacidade produtiva. No entanto, elevaram-se consideravelmente as emissões de carbono. Contudo, é sabido que nenhuma população e nenhum padrão de vida elevado se sustentam indefinidamente. Em algum momento, os limites vão surgir. Quais são esses limites diante do mais urgente desafio de construir uma economia de baixa emissão de carbono?
Um primeiro limite a ser considerado é de ordem conceitual. É necessário entender que a economia não pode conquistar tudo e todos. Se desejamos medir desempenho econômico pelas lentes exclusivas da ciência econômica, ao menos duas variáveis precisam ser consideradas: 1. O aumento da renda per capita e familiar e, 2. A possibilidade de assegurar a continuidade da vida.
A primeira variável é de conhecimento de qualquer economista. Já a segunda, os economistas - com raras exceções - tem tido certa dificuldade em assimilar tal prerrogativa, uma vez que é comum alguns economistas ignorarem as leis da natureza, assim como os ecologistas tendem, do seu lado, a não considerar os mecanismos econômicos.
Conquanto, desenvolvimento, no dicionário da vida, significa, grosso modo, organizar socialmente a economia para efetivar-se o acesso ao mínimo indispensável para bem viver. É imperioso, nesse aspecto, enfatizar que por trás da idéia de desenvolvimento encontra-se nitidamente o objetivo precípuo da ciência econômica: atingir bem-estar. Definitivamente, o que importa em matéria de qualidade de vida e de economia social e ambiental saudáveis e responsáveis não é um crescimento quantitativo, mas sim qualitativo.
Um segundo aspecto conceitual que decorre do ponto em que estamos discutindo diz respeito a não mais obedecer cegamente a ordem que impera na macroeconomia. Enquanto a ordem da macroeconomia é crescer, a ordem da ecologia é viver sem sobressaltos, sem ameaças. A lei básica dos compêndios macroeconômicos é buscar o aumento incessante do consumo. Já a receita ecológica é mais simples, porém é objetiva: respeitar as leis da natureza para assegurar a possibilidade da vida.
É mister entender que um sistema econômico para promover qualidade de vida não necessariamente precisa aumentar de tamanho. Não há magia nisso. O que deve ocorrer é planejamento. Logo, isso não fere mortalmente os objetivos daquelas economias que ainda encontram-se atrasadas em matéria de desenvolvimento, cuja maioria da população passa privacidade nos termos mais básicos para a melhoria de vida e que precisam ver prosperarem a capacidade produtiva para a promoção do resgate dos mais necessitados. Em muitos casos, melhoria da qualidade de vida passa pela idéia da distribuição do que já está produzido, rompendo, para isso, com a erva daninha da concentração. Não necessariamente passa, portanto, por produzir mais, mas sim por desconcentrar o que está em poucas mãos.
Já do lado das economias mais ricas, os limites esbarram nas ações individuais e coletivas fortemente arraigadas à uma ditadura do consumo conspícuo. Será tarefa dificílima mudar paradigmas estabelecidos, não há dúvidas disso.
Um impedimento do que estamos mencionando encontra-se na própria dinâmica do capitalismo. Enquanto essa estiver, sobremaneira, balizada na criação de necessidades materiais, muitas vezes de cunho puramente artificial, será difícil levar à prática comum de que a economia apresenta limites para essa continuidade desenfreada que corre às soltas no mercado consumidor. Sempre haverá alguém disposto a defender a idéia de que o planeta, pelo lado do conhecimento tecnológico, num belo dia qualquer, dará conta de todas as necessidades materiais.
Os que assim pensam são categóricos: é necessário fazer a economia crescer; é imperativo que a prosperidade se expanda, pois há de se resgatar os que ainda se encontram abaixo das linhas de pobreza e indigência. Infelizmente, esses são os que mais ignoram as leis da natureza. Esses, certamente, não sabem que não é o planeta que está em perigo, mas a nossa raça. Se alguém um dia irá acabar, seremos nós, e não o planeta que saberá viver sem seus (nós) moradores incômodos. Os que ignoram a problemática ambiental, não se dão conta que a atmosfera do planeta está abafada, segundo dados do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), por um manto de gás com 800 bilhões de toneladas de carbono. Não se dão conta ainda de que isso provocará, até 2030, a elevação da temperatura em mais 2° C. Os apedeutas insistem em dizer que isso se trata de retórica; os sábios estão conscientes de que se trata de catástrofe.
Por fim, esses que ignoram a questão ambiental e fazem coro à perspectiva de que crescendo iremos por fim às dificuldades sociais, se equivocam ao não olhar o histórico do país. Por qualquer régua que se meça, nosso histórico é de muito crescimento, mas de pífio desenvolvimento social coligado a um profundo desrespeito para com a questão ambiental. De minha parte, tenho dúvidas se a intelligentsia brasileira entendeu corretamente o significado e a abrangência dos termos desenvolvimento econômico e social e preservação ambiental.
Nos últimos cem anos o PIB brasileiro cresceu quase 150 vezes, mas, em pleno século XXI, em que pese consideráveis avanços patrocinados pelo governo que ora fecha suas portas, ainda se contam 30 milhões de famintos num país dono do maior rebanho bovino do mundo. Em decorrência desse crescimento sem desenvolvimento com agressão ambiental, apenas nos últimos 40 anos, 18% da Floresta Amazônica foi destruída. Essa patologia ambiental dos últimos anos, responsável por 75% da emissão de gás carbônico, decorre do desmatamento. Moral da história: fizemos a economia crescer, melhoramos a vida de uns poucos e relegamos 15% de nossa gente a uma condição de vida miserável. Na somatória dos fatos, ainda “matamos” quase 20% da nossa Floresta. Quem está em perigo mesmo?
- Marcus Eduardo de Oliveira é Economista. Especialista em Política Internacional e Mestre em Integração da América Latina (USP). Professor de economia da FAC-FITO e do UNIFIEO, em São Paulo. Articulista do Portal EcoDebate e da Agência Zwela de Notícias (Angola), além do jornal Diário Liberdade (Galiza).
http://blogdoprofmarcuseduardo.blogspot, twitter.com/marcuseduoliv
https://www.alainet.org/pt/articulo/146219
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