Mercosul deve romper acordo com Israel

31/05/2010
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Em reunião realizada nesta segunda-feira, em Buenos Aires, a mesa diretora do Parlamento do Mercosul aprovou nota de repúdio a Israel pelo ataque contra a frota de ajuda humanitária que se dirigia à Faixa de Gaza. O texto-base do documento foi proposto pelo deputado Dr. Rosinha (PT-PR), ex-presidente do Parlasul. Composta por parlamentares da Argentina, Paraguai, Uruguai e Brasil, a instância parlamentar também condenou o “cruel bloqueio” à Faixa de Gaza. 

Íntegra da nota do Parlasul:

A Mesa Diretora do Parlamento do Mercosul vem a público manifestar a sua indignação contra a violência absurda e desnecessária praticada pelo Estado de Israel contra a chamada Frota da Liberdade, que pretendia levar ajuda humanitária à Faixa de Gaza. Esse ato irracional de violência contra uma iniciativa humanitária e política absolutamente pacífica revela desprezo pela comunidade internacional e pelos princípios mais elementares do Direito Internacional Público. Deve-se salientar que o ataque desproporcional ocorreu ainda em águas internacionais.

Não basta lamentar as mortes e feridos, é necessária uma investigação internacional consistente que averigúe o incidente e leve à efetiva punição dos culpados pelo crime. A Mesa Diretora condena também o cruel bloqueio à Gaza, que pune indiscriminadamente crianças, mulheres e civis inocentes. Trata-se de uma violência que não condiz com os princípios e os motivos que levaram à criação do Estado de Israel.

O Parlamento do Mercosul expressa suas sentidas condolências aos familiares dos mortos e feridos da Frota da Paz e sua solidariedade à nação da Turquia, profundamente atingida pelo crime perpetrado. Por último, a Mesa Diretora do Parlamento Mercosul manifesta seu apoio às iniciativas de paz e diálogo no Oriente Médio, única forma viável e civilizada de por fim às tensões que prejudicam toda a ordem mundial.


Resposta do Parlasul é insuficiente

A rápida e incisiva resposta do Parlasul, porém, é insuficiente. Desde 4 de abril, está em vigência um acordo comercial entre o Mercosul e Israel. Ele foi aprovado após intensos debates, iniciados em 2005. Com ele, Israel tornou-se oficialmente o primeiro país fora do território sul-americano a integrar o bloco regional. Agora, diante de mais essa ação deplorável do estado sionista, seria justo rediscutir os termos deste tratado espúrio, que estimula a indústria da guerra, atenta contra a soberania dos povos palestinos e fere as leis internacionais e os direitos humanos.

Quando das negociações do acordo Mercosul/Israel, a organização não-governamental Stop the Wall (parem os muros) divulgou acalentado estudo sobre os crimes cometidos pelos estado sionistas de Israel e os equívocos deste tratado. Reproduzo trechos do seu documento: 

A ocupação sionista dos territórios palestinos, a construção de assentamentos ilegais e do muro do apartheid, o deslocamento forçado de palestinos, o cerco e o ataque militar a Gaza, bem como a ofensiva a países vizinhos por parte do Estado de Israel, incorrendo rotineiramente em crimes de guerra, constituem drásticas violações dos princípios democráticos, dos direitos humanos e das leis internacionais. Essas violações foram assinaladas pelas agências das Nações Unidas, da Corte Internacional de Justiça e das organizações de direitos humanos.

Empresas envolvidas em crimes de guerra

Companhias como Mofet B’Yehuda obtêm seus lucros de instalações em assentamentos ilegais. A Elbit Systems e a Israel Aerospace desenvolvem e vendem armas, equipamentos e tecnologias usados para expandir a ocupação, cometer os crimes de guerra e violar os direitos humanos dos palestinos... O Tratado de Livre Comércio Mercosul/Israel prevê explicitamente a inclusão de produtos dos assentamentos. Não há nenhuma cláusula para impedir que companhias israelenses envolvidas em crimes de guerra e na violação da lei internacional se beneficiem do TLC.

A economia israelense baseia-se fortemente nos setores militar, de “segurança” e de “defesa”. Empresas que negociam com essas indústrias beneficiam-se da continuidade da ocupação e do apartheid. Elas podem testar armas, equipamentos e métodos que visam a supressão e controle de liberdades individuais e coletivas. Os seus métodos são aperfeiçoados e testados nos palestinos. Cerca de 600 empresas israelenses estão envolvidas com o setor de “segurança”, produzindo um montante anual de US$ 4 bilhões, 1/4 desses com exportações.


Acordo é contrário às normas internacionais

Em seu parecer de 2004, a Corte Internacional de Justiça determinou que Israel deveria demolir o muro ilegal e prover a reparação pelos danos causados às vítimas palestinas. Essa decisão foi adotada pela ONU na resolução ES-10/15 (de 20 de julho de 2004), e implica claras obrigações por parte de todos os estados signatários da Quarta Convenção de Genebra, segundo a qual todos os Estados têm a obrigação de não reconhecer a situação ilegal resultante da construção do muro e não prestar ajuda ou assistência à manutenção da situação criada por essa construção.

O muro é um modo primário de roubo e anexação de terra. Junto com os assentamentos, zonas militares, fossos e estradas secundárias, ele anexará de fato cerca de 50% das terras e recursos hidráulicos vitais da Cisjordânia, dividindo o território em seis guetos. Jerusalém será completamente fechada. O muro destrói milhares de árvores e pomares e serve de pretexto para extensivas demolições de casas. Funciona como ferramenta para induzir o deslocamento forçado de palestinos. Atualmente, cerca de 257 mil pessoas que vivem em 60 localidades da Cisjordânia estão ameaçadas de deslocamento caso o muro não seja imediatamente demolido.

Israel ignorou o parecer da Corte Internacional de Justiça de 2004 e as resoluções das Nações Unidas relacionadas ao muro: sua construção está em andamento, com cerca de 500 dos 790 quilômetros totais de comprimento já edificados. As graves e flagrantes violações seguem com ímpeto, portanto, e assim outras dezenas de vilarejos e centenas de milhares de pessoas terão suas terras subtraídas e seus meios de subsistência destruídos... Conceder a Israel um Tratado de Livre Comércio sob as condições atuais equivale a ratificar a recusa de Israel à autodeterminação do povo palestino e as repetidas guerras de agressão contra os povos da região.


Acordo fere princípios do Mercosul

O Protocolo de Assunção sobre compromisso com a promoção e proteção dos direitos humanos do Mercosul (junho de 2005) declara que democracia, desenvolvimento e respeitos aos direitos humanos e liberdades fundamentais são interdependentes. No artigo 4º da declaração sobre os direitos humanos dos presidentes do Mercosul e estados associados (dezembro de 2005), os estados-membros “reafirmam o compromisso com o respeito, proteção e promoção dos direitos humanos, com base nos princípios da universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais; e se comprometem a aplicar as políticas públicas para assegurar seu exercício efetivo.

Ao firmar o TLC com Israel, o Mercosul infringe seus preceitos de promoção e respeito aos direitos humanos e seu entendimento da interdependência entre a tomada de decisões políticas e econômicas. Israel não respeita os direitos humanos e liberdades fundamentais. O TLC entre o Mercosul e Israel tornará o sistema israelense de violações dos direitos humanos mais lucrativo e sustentável... O Tratado de Livre Comércio, como se apresenta, inclui explicitamente produtos provenientes dos assentamentos ilegais e não possui cláusula alguma que assegure que empresas envolvidas nos crimes de guerra israelenses não se beneficiem do acordo.

O Tratado de Livre Comércio Israel-Mercosul serve para minar os direitos humanos, na medida em que dá suporte a um violador serial de direitos humanos. O tratado, bem como a continuidade das relações econômicas com Israel, efetivamente sanciona e promove as violações de direitos humanos perpetradas por Israel, ao torná-las aceitáveis e lucrativas. O Brasil e o Mercosul devem pressionar Israel a respeitar os direitos humanos, recusando-se a ratificar o TLC.
 
https://www.alainet.org/pt/articulo/141878
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