Olivier Bonfond, Éric Toussaint

O capitalismo absorverá o Fórum Social Mundial ?

05/04/2010
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 De 21 de janeiro a 2 de fevereiro de 2010, Eric Toussaint e Olivier Bonfond, militantes altermundialistas, membros do Conselho Internacional do FSM, da coordenação mundial dos movimentos sociais e da rede internacional CADTM (Comitê pela Anulação da Dívida do Terceiro Mundo), têm participado em diferentes reuniões e atividades internacionais no Brasil: seminário internacional dos movimentos sociais (realizado em São Paulo de 21 a 23 de janeiro), campo internacional da juventude em Nova Hamburgo, seminário internacional intitulado«10 anos depois: desafios e propostas para um outro mundo possível»organizado em Porto Alegre de 25 a 29 de janeiro de 2010 pelo «Grupo de reflexão e apoio ao processo do FSM» composto por diversas organizações brasileiras, nomeadamente IBASE, Ethos e o Instituto Paulo Freire, assim como na assembléia dos movimentos sociais (Porto Alegre, 29 de janeiro). Apesar de uma análise muito crítica, Eric Toussaint e Olivier Bonfond pensam que o Fórum Social Mundial pode, ainda, representar um papel positivo, mas sob certas condições. Entrevista.

 
Marga Tojo Gonzáles: 10 anos depois do nascimento do slogan «um outro mundo é possível», a maior parte da humanidade vive ainda hoje nas condições infra-humanas, e, com a crise financeira internacional, a situação se degradou. Os altermundialistas terão fracassado?
 
Olivier Bonfond: Quando a questão é colocada desta maneira, deve-se reconhecer que o Fórum Social Mundial e o movimento altermundialista, em geral, não têm tido sucesso em mudar verdadeiramente o curso das coisas. A base destes grandes acontecimentos que são os fóruns mundiais tinha o objetivo de transformar a sociedade em algo melhor, onde exista justiça social, menos desigualdades, onde todos os cidadãos tenham seus direitos humanos fundamentais satisfeitos. Mas, na realidade, a questão deve ser colocada de outra forma. Trata-se de determinar se o FSM e o movimento altermundialista têm interpretado um papel positivo na construção de uma relação de força em favor dos explorados e oprimidos do planeta. A resposta é, então, bastante positiva. Mas o FSM não tem nada de milagroso e permanece um processo em movimento, com suas fraquezas e contradições. É, também, muito «jovem» : o FSM não tem mais que 10 anos e o movimento altermundialista um pouco mais, o que é pouco, comparativamente, com as forças que atacam, a saber aquelas de uma oligarquia capitalista internacional e de sociedades transnacionais ao serviço das quais agem poderosos instrumentos como o Banco Mundial, o FMI, a OMC, a OTAN...
 
M.T.G.: No seu ponto de vista, depois de 10 anos de Fóruns, qual é a aquisição principal deste movimento ?
 
Eric Toussaint: O FSM representou um papel muito importante em dois níveis. Primeiramente, deslegitimação do neoliberalismo como um único modelo possível para a humanidade. Certamente, a batalha «das idéias» não terminou e a lógica da fatalidade é ainda muito presente em muitos espíritos, mas o movimento altermundialista pôde demonstrar e dar visibilidade à necessidade e à possibilidade de uma alternativa global. Demonstrou a futilidade de certas afirmações em voga como, por exemplo, a expressão « o fim da história» de Fukoyama ou ainda «TINA» (there is no alternative) de Margareth Thatcher). 

A outra conquista muito importante do FSM é ter permitido, de uma parte, a construção e o reforço das redes internacionais e, de outra parte, a possibilidade de conexão entre estas diferentes redes. No quadro da luta contra o capitalismo mundializado, este aspecto é fundamental. Com efeito, face às estratégias e relações de força que têm por consequência isolar e/ou colocar em competição os países e os povos, é fundamental transpor o quadro nacional propondo alternativas globais, construindo laços de solidariedade, mas, também, e sobretudo, coordenando as estratégias de ação e de mobilizações internacionais. Nos primeiros anos do Fórum é incontestável que havia uma dinâmica interessante entre os Fóruns, os movimentos sociais, as diferentes campanhas internacionais sobre os temas com o a dívida, a OMC, o militarismo, a ecologia, o feminismo... e a organização das grandes mobilizações por ocasião das reuniões do BM, do FMI, da OMC, do G8, da OTAN onde surgiu a forte mobilização mundial de fevereiro de 2003 contra os preparativos da invasão do Iraque.
 
M.T.G.: É então(a mobilização) menor agora ? Vocês pensam que o FSM está enfraquecido ?
 
O. B.: Sem dúvida o Fórum perdeu sua vitalidade, sua utilidade e parte de sua legitimidade (sobretudo a partir do FSM organizado em Nairóbi, em janeiro de 2007 |1|). As causas são múltiplas: a institucionalização do FSM, o reforço da influência das grandes ONGs dispondo de grandes meios financeiros, o gosto de uma parte das delegações e dos dirigentes do FSM pelos hotéis 4 ou 5 estrelas, a incapacidade de, efetivamente, conectar as atividades durante os Fóruns mundiais (mais de 1500 atividades em 5 dias, por ocasião do FSM de Belém), a procura de fundos entre as grandes empresas privadas ou mistas ( Petrobrás, a grande sociedade petroleira brasileira, onde 61% do capital é privado, a Fundação Ford, a multinacional CELTEL, na África...) 
 
A evolução política dos últimos anos tem, também, influenciado fortemente. É preciso lembrar que os dois principais países nos quais o Fórum se ancorou com mais força no início, o Brasil |2| e a Itália, conheceram a partir de 2003 duas experiências governamentais que têm fortemente influenciado o curso do Fórum Social Mundial; a experiência da presidência do Lula no Brasil e a do governo Prodi |3|, na Itália. Importantes forças que estavam na base da criação do FSM apoiaram ou apóiam, ainda, estes governos que levaram (ou levam ainda) políticas sociais liberais ou completamente neoliberais Precisamos, claramente, dizer que, ao FSM e ao movimento alter faltam «vitórias» , no plano mundial. Felizmente, no continente latino americano, a luta contra a ALCA (Acordo de Livre Comércio das Américas imposto por Washington ) que venceu em 2005 é colocado, em parte, a seu crédito. Mas se olharmos a cena mundial, enquanto o capitalismo atravessa uma crise de grande amplitude, não há nenhuma adoção de uma taxa sobre as transações financeiras a fim de combater a especulação. As aventuras guerreiras imperialistas continuam. Os golpistas hondurenhos seguem no poder. Copenhague é um fracasso evidente. O fato é que, no plano internacional, não se tem obtido vitória do movimento o que produziu um desencorajamento entre aqueles e aquelas que esperavam resultados tangíveis rapidamente. Neste nível, pode-se dizer que o FSM se enfraqueceu, no sentido que lhe falta ar ou combustível para poder passar a um desempenho superior.
 
E.T.: É necessário acrescentar que a maior parte da direção do FSM recusou evoluir em direção a um movimento com a determinação de convocar mobilizações para uma plataforma comum. Ora sem a vontade combinada de mobilizar no plano internacional, sem a energia conjunta, sem a intenção de determinar os objetivos comuns a atingir, é difícil de progredir. Infalivelmente, o FSM assemelha-se, cada vez mais, a um enorme mercado de idéias (e de propostas) que não resulta em um combate comum para realizar certos objetivos. Ora nós temos necessidade de um instrumento internacional para determinar prioridades em termos de reivindicação e objetivos a atingir, um calendário comum de ações, uma estratégia comum. Se o Fórum não permite, é preciso construir um outro instrumento, sem no entanto eliminar ou deixar o Fórum. Penso que ele tem sua razão de existir. Mas porque um setor do FSM não quer que ele se transforme em um instrumento de mobilização, é necessário, ao menos, construir outro instrumento com as organizações e os indivíduos que estão convencidos de sua necessidade. Isto não impedirá de continuar a intervir ativamente no Fórum. Falei isto para evitar uma cisão, um debate sem fim que paralise mais que ajude.
 
M.T.G.: A que novo instrumento vocês se referem?
 
E.T.: Há uma proposta que, na verdade, teve pouca repercussão. Trata-se do apelo que Hugo Chavez lançou no final de novembro de 2009 pela criação de uma Quinta Internacional que reuniria os movimentos sociais e os partidos de esquerda |4|. Penso que, isto é, em princípio, muito interessante. Poderá ser uma perspectiva se houver uma reflexão, um diálogo entre as partes e movimentos sociais: uma Quinta Internacional como instrumento de convergência para ação e para a elaboração de um modelo alternativo |5|. Mas, acredito, que não será uma organização como as Internacionais anteriores que eram - ou são ainda , porque a Quarta Internacional existe ainda – organizações de partido com um nível de centralização bastante elevado. Acho que a Quinta Internacional não deverá ter um alto nível de centralização e não deverá implicar uma autodissolução das redes internacionais ou de uma organização como a Quarta Internacional preservando suas características, mas tal adesão demonstrará que todas as redes ou grandes movimentos têm a vontade de ir mais longe que as fronteiras pontuais como os acordos sobre climas e a justiça social, a soberania alimentar, a dívida... Temos bandeiras comuns entre muitas redes e é positivo. Mas, se for possível chegar a um ponto permanente será melhor. Empregando esta expressão, estou já em condição de começar a produzir um elemento de definição. Para mim, a Quinta Internacional será, na situação atual, uma frente permanente de partidos, de movimentos sociais e de redes internacionais. O termo “frente” implica claramente que, cada um guardará sua identidade, mas dará prioridade àquilo que une para alcançar os objetivos comuns e fazer avançar a luta. Os últimos meses de 2009 e o começo de 2010 têm demonstrado de novo a necessidades de aumentar a capacidade de ação coletiva pois a mobilização contra o golpe de Estado de Honduras foi insuficiente. É preocupante porque, como os Estados-Unidos apoiaram o golpe de Estado legitimando as eleições que seguiram |6|, as forças golpistas do mundo inteiro consideram que esta é, de novo, uma opção razoável. No Paraguai, por exemplo, a discussão entre os golpistas gira em torno do “Quando?” e “Como?”. Eles estão convencidos que é preciso um golpe de Estado a partir do Congresso Nacional contra o presidente Fernando Lugo. Isso mostra bem que a mobilização a propósito de Honduras foi insuficiente. Este foi, também, o caso de Copenhague e, agora, no Haiti. A resposta à intervenção dos Estados-Unidos, no Haiti, é , da mesma forma, totalmente insuficiente.
 
M.T.G.: O que vocês pensam da evolução recente do FSM e mais, particularmente, como analisam os Fóruns de Porto Alegre e de Salvador, na Bahia?
 
O.B. : O elemento mais positivo das atividades realizadas em Porto Alegre, em janeiro de 2010, foi, sem dúvida, o lançamento de uma campanha internacional contra a presença de bases militares sobre o continente latino-americano . Esta campanha, «América Latina e Caribe: uma região do país. Não às bases militares estrangeiras!», levada por uma plataforma de organizações muito importantes |7|, mostra bem que o FSM, como espaço aberto, pode ainda permitir a concretização de campanhas mobilizadoras. Outro ponto positivo: a atividade visando preparar a mobilização para a «Conferência Mundial dos Povos sobre a mudança do clima e a defesa da Terra Mãe» |8|, que terá lugar em Cochabamba de 19 a 22 de abril de 2010, tem reunido muitas organizações.
 
Infelizmente, os elementos negativos não faltaram, nem em Porto Alegre, nem em Salvador, na Bahia. Preciso destacar, primeiramente, a fraca presença dos movimentos sociais (notadamente das organizações indígenas que influenciaram positivamente o FSM, em Belém, em janeiro de 2009) e, portanto, os debates amplamente dominados pelas grandes ONGs que não querem absolutamente enfrentar a lógica profunda do sistema capitalista. Em seguida, mesmo não sendo novidade, a organização destes dois Fóruns foi financiada pelas transnacionais, como a Petrobrás. A Petrobrás é uma empresa mista que explora o petróleo e o gás, especialmente na Bolívia, Equador, e no Brasil provocando desgastes ecológicos muito graves. Quando lembramos o artigo 4 da Carta dos Princípios de Porto Alegre: «As alternativas propostas no Fórum Social Mundial se opõem a um processo de mundialização capitalista comandado pelas grandes empresas multinacionais e os governos e instituições internacionais ao serviço de seus interesses» |9|, compreende-se imediatamente onde se situa o problema. Ainda mais que estes Fóruns se caracterizaram por uma impressionante presença do governo Lula, tanto ao nível do apoio financeiro, o que não é novidade, quanto ao nível da programação nas diferentes atividades. Em todas as atividades que participei, havia à mesa um representante do governo brasileiro com - vocês podem duvidar – um discurso concluindo por um balanço positivo do governo Lula. Há aqui um verdadeiro perigo, a saber, que um Fórum social se transforme em um instrumento de legitimação de um governo que conduz uma política social liberal.
 
M.T.G.: Precisamente, em relação a esta questão da natureza do governo brasileiro, certas mídias têm feito eco a uma forte polêmica entre você, Eric Toussaint e Socorro Gomez representante da Cebrapaz e membro do PC do B. Você tem declarado que o Brasil era um imperialismo periférico por ocasião do debate sobre a nova ordem mundial. Alguém na sala, membro também do PC do B os acusou notadamente de jogar o jogo do imperialismo americano. O que vocês responderam ?
 
E.T. : O Brasil ocupa um lugar singular: com uma economia nacional que representa, somente ela, a metade do produto interno bruto da América do Sul, pode ser considerado uma potência imperialista periférica, capaz de determinar uma linha política independentemente de Washington. Pode-se aplicar o termo imperialista a um país como o Brasil por diversas razões: suas empresas transnacionais (Petrobrás, Vale do Rio Doce, Odebretch |10|), realizam importantes investimentos no estrangeiro ao ponto de ter um peso econômico considerável e de poder influenciar as decisões políticas dos governos estrangeiros (é o caso no Paraguai, na Bolívia, no Equador mesmo se as autoridades destes países tentem recuperar a soberania sobre sua economia o que leva a tensões com Brasília); suas empresas exploram ao máximo os recursos e os trabalhadores dos países onde eles investem; o governo de Brasília põe sua política exterior largamente ao serviço dos interesses das transnacionais brasileiras; o Brasil ensaia progressivamente em se dotar com forças militares capazes de intervir fora das fronteiras da maneira permanente (o Brasil dirige a Minustah no Haiti |11|). Convém acrescentar o qualificativo periférico ao substantivo imperialismo na medida em que o Brasil não constitui um imperialismo dominante comparável aos Estados-Unidos, aos principais países da União Européia (ou à União européia como tal) ou o Japão. O Brasil está colocado na mesma categoria que a China, Rússia, Índia, com os quais forma os BRIC’s (Brasil, Rússia, Índia e China), esta categoria inventada há uns quinze anos para designar as principais potências periféricas capazes de exercer um peso político e uma influência econômica que as potencias econômicas dominantes devem levar em consideração. É necessário destacar que o Brasil ocupa neste quarteto o último lugar por seu peso econômico e pelo fato de que não dispõe de armas nucleares. A este título, pode ser aproximado da África do Sul. O Brasil e os Estados-Unidos têm interesses divergentes em vários assuntos: os interesses econômicos da burguesia brasileira em matéria agrícola e industrial não estão satisfeitos com o protecionismo dos Estados-Unidos; a reativação de IV frota |12| e a utilização de bases militares colombianas e peruanas pela armada dos Estados-Unidos incomodam Brasília que sente isto como uma vontade renovada de controle de Washington sobre a América do Sul e em particular sobre a zona estratégica da Amazônia. O recente deslocamento de mais de 15.000 soldados estadunidenses ao Haiti, onde o Brasil dirige a força da ONU na Minustah irrita igualmente o governo brasileiro. Por outro lado, outra fonte de irritação de Washington no que diz respeito a Brasília, é a manutenção de boas relações de Lula com Cuba e Venezuela, os dois governos mais detestados pelos Estados-Unidos no hemisfério ocidental. 

Convém, também, ressaltar que a caracterização do imperialismo periférico não depende do partido político que está no governo: que a direita ou a esquerda esteja no poder pouco importa. O termo imperialismo parece exagerado para alguns porque ele é associado a uma política de agressões militares. Trata-se de uma visão estreita do termo imperialismo. O desarmamento da Alemanha ou do Japão (e a perda de suas colônias por este último) depois da segunda guerra mundial fez desaparecer seu caráter imperialista? O principal precursor na utilização do termo subimperialismo a propósito do Brasil é o economista brasileiro Ruy Mauro Marini |13|, uma dos pais da escola da dependência. Ele se exprimiu da seguinte maneira: “Pode-se considerar o Brasil como a mais pura expressão de subimperialismo, de nossos dias.” Face àqueles que se opõem a esta caracterização, ele apresentou argumentos que, hoje em dia, tomaram mais força: «A política expansionista brasileira na América Latina e na África, na procura de mercados, não corresponde à intenção de assegurar o controle das forças das matérias primas – como os minerais e o gás da Bolívia, o petróleo do Equador e das colônias portuguesas na África, o potencial hidroelétrico do Paraguai - e, mais ainda, de fechar as possibilidades de acesso aos mesmos recursos a possíveis concorrentes como a Argentina? (...) A exportação de capitais brasileiros, principalmente via Estado (o que nos mostra a Petrobrás, convertida em Petróleo Brasileiro, lutam para entrar no cartel internacional do petróleo, assim como o desenvolvimento constante dos empréstimos públicos ao exterior), mas também dos capitais associados a grupos financeiros para explorar as riquezas do Paraguai, da Bolívia e das colônias portuguesas da África, para dar alguns exemplos, isto não se apresenta como um caso particular de exportação de capital no quadro do que pode fazer um país dependente como o Brasil?” Ele acrescentou um argumento que foi reforçado depois que ele avançou: ”será bom ter presente no espírito o processo acelerado de monopolização (via a concentração e a centralização do capital) que tem acontecido no Brasil nos últimos anos, assim como o extraordinário desenvolvimento do capital financeiro, principalmente a partir de 1968.” Ao final, ele conclui afirmando que para a esquerda revolucionária, é fundamental tomar a medida do subimperialismo: “Para concluir este prefácio, precisaria reiterar a importância do estudo do subimperialismo para o desenvolvimento do movimento revolucionário latino-americano”».
 
No momento do debate que ocorreu em Porto Alegre sobre a nova ordem mundial, expliquei que os Estados Unidos eram seguramente a potencia imperialista dominante e a mais agressiva. Não há comparação com o Brasil neste nível. Tenho também criticado duramente o imperialismo da União européia. Isto não impede que o Brasil seja ele mesmo uma potencia imperialista com as características de uma potencia periférica. Prefiro o termo «imperialismo periférico» a« subimperialismo» porque, desde que Ruy Mauro Marini deu a medida do fenômeno, há mais de trinta anos, o Brasil ganhou em autonomia em relação aos Estados-Unidos. No decorrer da conferência fui, efetivamente, criticado por membros do PC do B cujo partido apóia a política do Lula. 

De fato, no curso de nossa estada no Brasil, se observou, claramente, uma atitude intolerante de parte dos partidários de Lula: eles não querem aceitar críticas em relação ao governo. Destaco que, entre os outros panelistas que falaram durante este debate sobre a nova ordem mundial, Patrick Bond, da África do Sul, me apoiou claramente sobre a caracterização do Brasil como imperialismo periférico. Ele explicou que a África do Sul estava na mesma situação que o Brasil e que os BRIC’s não constituíam de forma alguma uma alternativa.
 
M.T.G.: Financiado por transnacionais desejosas de apresentar uma imagem mais <ou mais humana, cortejado pelas autoridades políticas que o utilizam como um instrumento de campanha eleitoral, alguns pensam que o FSM está totalmente recuperada pelo sistema e que não pode mais realizar nada de bom. Qual é sua posição sobre esta opinião ?
 
OB: É bem possível que o FSM seja progressivamente <> pelo sistema capitalista. Não será nada surpreendente. O capitalismo não tem mais nada a provar quanto à sua capacidade de se adaptar e de se recuperar a seu modo das dinâmicas criadas no início para lutar contra ele. O FSM, tanto como as ONGs, movimentos sociais e indivíduos que o compõem, não estão ao abrigo deste perigo. Contudo, como rede radical, o CADTM pensa que o FSM pode ainda jogar um papel positivo tendo como lugar de debate, as pistas alternativas para assegurar um autêntico desenvolvimento humano, baseado na justiça social e o respeito da natureza. O FSM deve reforçar as convergências entre todos os movimentos que querem passar à ação juntos. Estes movimentos se colocarão de acordo entre eles mesmos por ocasião das atividades do Fórum. Por outro lado, o CADTM prosseguirá sua participação ativa para a assembléia mundial dos movimentos sociais (AMS) que nasceu em janeiro de 2001 em Porto Alegre, na ocasião do primeiro FSM.
 
M.T.G.: Podem nos descrever, em algumas palavras, em que consiste esta Assembléia dos Movimentos Sociais? Outra questão, pouco antes do Fórum de Porto Alegre, vocês participaram em São Paulo de um seminário mundial dos movimentos sociais. Qual o resultado ?
 
OB.: A Assembléia dos Movimentos Sociais (AMS) se desenvolveu no quadro do Fórum Social Mundial. Tem como característica principal ser um espaço aberto para a construção de uma agenda comum de mobilizações. É composta por um grupo variado de movimentos sociais e de redes (Via Campesina, Marcha mundial das mulheres, CADTM, Jubileu Sul, No Vox, organizações sindicais, Aliança Social Continental das Américas, COMPA, ATTAC,...) que têm objetivos regionais e nacionais específicos, mas querem lutar conjuntamente contra o capitalismo na sua fase neoliberal, imperialista e militar, contra o racismo e o patriarcado. 
De 21 a 23 de janeiro de 2010, em São Paulo, diferentes movimentos sociais que participam a algum tempo na AMS, se reuniram em seminário a fim de analisar a nova conjuntura internacional, mas também e sobretudo ver como organizar as diferentes forças presentes e melhorar a articulação a fim de reforçar as lutas ao nível mundial. Os debates sobre a conjuntura colocaram em destaque a gravidade e o caráter multidimensional da crise sistêmica que se impõe neste momento, principalmente, pela militarização e pela criminalização dos movimentos sociais. Ao nível de estratégia de ação, a decisão mais importante foi, sem dúvida, a de trabalhar para realização de um próximo seminário da Assembléia Mundial dos movimentos sociais na África, vários meses antes do FSM de 2011 que será realizado em Dakar, janeiro de 2011. O objetivo é duplo. Primeiramente, trata-se de reforçar a comunicação e a coordenação ao nível do continente africano, mantendo uma perspectiva mundial, porque será uma reunião internacional com a presença dos movimentos sociais africanos, americanos, asiáticos e europeus. Em seguida, trata-se de dinamizar a mobilização para o próximo Fórum Social Mundial, e fazê-lo de modo que este Fórum tenha um impacto concreto positivo para os movimentos sociais e as lutas africanas. (Tradução: Ana Mary da Costa Lino Carneiro)
 
Notas
|1| Para maiores informações sobre o balanço do FSM de Nairóbi, ver http://www.cadtm.org/Foro-Social-Mundial-de-Nairobi + http://www.cadtm.org/Contribucion-colectiva-a-los
|2| O FSM nasceu em janeiro de de 2010 no Brasil. Cinco Fóruns sociais mundiais já foram organizados (2001, 2002, 2003, 2005 e 2009). O secretariado internacional do FSM está localizado no Brasil. Qaunto à Itália, é o país onde entre 2001 e 2003 o movimento altermundialista organizou as maiores manifestações (começando por Gênova em julho de 2001 com 500.000 manifestantes contra o G8, o primeiro Fórum social europeu em novembro de 2002 com 60.000 delegados e uma manifestação de 150.000 pessoas, e as mobilizações contra a OTAN, contra a guerra no Afeganistão e no Iraque entre 2001 e 2003)
|3| Prodi, ex-presidente da Comissão européia, dirigiu um governo (com especial participação dos Democratas socialistas e do Partido da Refundação Comunista aos quais uma grande parte dos líderes do Fórum social italiano estava ligado) que conduziu uma política social liberal e manteve a presença da armada italiana no Afeganistão. Ele foi seguida de uma derrota eleitoral de esquerda onde os dois partidos citados acima foram «esmagados».
|4| “O Encontro internacional dos partidos de esquerda, realizado em Caracas nos dias 19, 20 e 21 de novembro de 2009, depois de ter recebido a proposta do Comandante Hugo Chávez Frias de convocar a Quinta Internacional socialista tanto como instancia de partidos, correntes de socialistas e movimentos sociais do mundo inteiro, onde poderemos harmonizar uma estratégia comum de luta anti-imperialista, ultrapassar o capitalismo pelo socialismo e a integração econômica solidária de um novo gênero, decide valorizar a referida proposição à vista de sua dimensão histórica que propõe um novo espírito internacionalista.” http://www.psuv.org.ve/files/tcdocumentos/engagement.caracas.pdf
|5| Zetnet lançou um apelo internacional por uma Quinta Internacional que alcançou um certo sucesso. Ver em inglês e espanhol somente:http://www.zcommunications.org/newinternational.htm
|6| Ver Eric Toussaint “Do golpe de Estado em Honduras às sete bases US na Colômbia: o aumento da agressividade de Washington” www.cadtm.org/Du-coup-d-Etat-au-Honduras-aux
|7| Para ler a declaração e ver as organizações signatárias: http://www.cadtm.org/America-Latina-y-el-Caribe-una
|10| Segundo um estudo realizado pela Colômbia Law School em 2007, os 5 principais sociedades transnacionais brasileiras em termo de ativos no estrangeiro em 2006 são Companhia Vale do Rio Doce, Petrobras SA, Gerdau SA, EMBRAER e Votorantin Participações SA. O estudo coloca em evidência o fato que o Brasil, graças às suas transnacionais, é o segunda investidor entre os países em desenvolvimento em termos de fluxo de investimentos diretos estrangeiros em 2006. Por outro lado, as 20 principais transnacionais brasileiras têm ativos no estrangeiro no valor de 56 bilhões de dólares, o que equivale a mais da metade do estoque da IDE do país no exterior. Estas empresas produzem e vendem bens e serviços de um valor de cerca de 30 bilhões de dólares no estrangeiro e emprega 77.000 pessoas. Cerca da metade se concentra sobre sua região, a América Latina.http://www.law.columbia.edu/media_inquiries/news_events/2007/December07/brasil_multinat
|11| Desde 2004, a MINUSTAH (Missão das Nações Unidas pela estabilização no Haiti) sob o comando brasileiro ocupa o Haiti. A maior parte dos movimentos sociais de esquerda haitiana exige a retirada desta força militar que antes do terremoto era composta de um pouco mais de 7000 soldados, dos quais 1282 brasileiros.http://www.on.org/en/peacekeeping/contributors/2009feb09_5.pdf
|12| Criado em 1943 a fim de proteger os navios no Atlântico Sul, esta estrutura tinha sido abolida em 1950. Retomou oficialmente o serviço em primeiro de julho de 2008.
|13| Ruy Mauro Marini, Subdesenvolvimento e revolução, Século XXI Editores, México, (quinta edição) 1974, capítulo I, p.1-25. A maior parte de seus escritos estão disponíveis em linha:http://www.marini-escritos.unam.mx/
 
https://www.alainet.org/pt/articulo/140475
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