Revisão de Durban
- Opinión
A realização da Conferência de Revisão de Durban em Genebra, entre 20 e 24 de abril de 2009, é uma conquista a ser comemorada, fruto em grande medida da pressão e dos esforços da sociedade civil nos últimos oito anos. O primeiro parágrafo do Documento de Revisão desta Conferência, que reafirma integralmente a Declaração e o Plano de Ação de Durban (DDPA, na sigla em inglês), é particularmente importante, pois reconhece a vigência da DDPA num contexto global crescentemente tenso, no qual coexistem velhas e novas formas de racismo, discriminação racial, xenofobia e formas conexas de intolerância. Reafirmar a DDPA é, portanto, uma conquista de e para as vítimas do racismo e da discriminação no mundo inteiro.
O processo de Revisão de Durban caracterizou-se por uma trajetória difícil, com boicotes constantes de alguns Estados, sub financiamento e possibilidades quase nulas de participação da sociedade civil. Foi possível realizar apenas duas Conferências Regionais preparatórias, uma na África e outra na América Latina e Caribe. Esta última, que deveria ser uma Conferência das Américas, não o foi devido ao boicote dos Estados Unidos e do Canadá. Ainda pior foi o boicote de dez Estados Membros à Conferência de Revisão de Durban (Alemanha, Austrália, Canadá, República Tcheca, Estados Unidos, Holanda, Israel, Itália, Nova Zelândia e Polônia) – demonstração de sua falta de comprometimento e vontade política para com os princípios de superação do racismo presentes na DDPA, assim como uma recusa ao diálogo e ao debate multilateral que impulsionam as Nações Unidas.
O processo de Revisão de Durban não garantiu espaços adequados para a intervenção qualificada e efetiva da sociedade civil, seja nos debates anteriores à Conferência, seja durante o encontro, ou na definição de seu documento final. Na Conferência de Revisão, as organizações da sociedade civil puderam fazer pronunciamentos individuais de três minutos cada no Plenário e participar de Eventos Paralelos, mas não dos momentos estratégicos de debate multilateral e plural. Como registra a Declaração de Representantes da Sociedade Civil da América Latina e do Caribe na Conferência de avaliação de Durban, essa limitação do espaço de participação da sociedade civil “constitui um precedente perigoso quanto aos mecanismos de participação democrática nos processos da ONU, sobretudo ao não administrar os debates de modo a promover as vozes ativas daqueles que sofrem diariamente com a discriminação e o ódio”.
A Conferência de Revisão de Durban, que reuniu 5011 representantes de delegações oficiais, da sociedade civil e meios de comunicação; foi presidida por Amos S. Wako, presidente do Quênia; teve como secretária geral a Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Navi Pillay, e como relator geral o cubano Juan Antonio Fernández. O documento aprovado é frágil no propósito de avaliar avanços, desafios pendentes e possíveis retrocessos desde 2001, tarefa que fica, portanto, para os Estados Membros e as Nações Unidas, a partir do momento em que se coloquem em marcha mecanismos concretos de monitoramento e avaliação.
Esse Documento de Revisão conseguiu manter a linguagem de Durban e os conceitos chave ali presentes, como por exemplo o de Ações Afirmativas. Por outro lado, é lamentável que se tenha deixado de fora, ou mencionado muito pouco, questões centrais sobre o racismo e a discriminação, como pontua a já referida Declaração da Sociedade Civil, entre elas: a violência estrutural em relação à juventude negra e indígena; a intolerância religiosa em relação às religiões de matrizes africanas; a discriminação quanto à orientação sexual e a identidade de gênero; as reparações como mecanismo primordial para a promoção da igualdade racial e das democracias participativas; a criação de mecanismos que assegurem o reconhecimento do Estado às terras ancestrais, tanto indígenas como dos afrodescendentes; e o acesso desigual ao Direito à Educação.
Em relação a este último ponto, os dados disponíveis revelam la persistência da desigualdade de acesso, permanência e conclusão do ensino devido a fatores relativos ao racismo, à discriminação racial, à xenofobia e formas conexas de intolerância. Na América Latina, crianças, jovens e adultos indígenas, afrodescendentes e imigrantes, por exemplo, apresentam taxas mais altas de exclusão escolar em relação à média da população.
Em seu pronunciamento no Plenário da Conferência de Revisão, a Campanha Latinoamericana pelo Direito à Educação alertou para esse ponto e propôs algumas recomendações aos Estados, entre elas que garantam em sua totalidade a imediata implementação da Declaração e do Plano de Ação de Durban e que reconheçam a persistência do racismo, do sexismo e das múltiplas discriminações na sociedade e nos sistemas educativos.
Propôs, além disso, que os Estados priorizem a implementação de Ações Afirmativas, a desagregação de dados por raça, etnia e gênero nos censos nacionais, como também que aprovem a legislação e implementem políticas que promovam projetos político-pedagógicos no campo educativo, baseados na valorização das diferenças, no reconhecimento da historia e da cultura dos distintos povos que integram as nações e fundamentados num enfoque de direitos. Finalmente, que ratifiquem imediatamente os principais acordos internacionais relativos à luta contra o racismo e a discriminação, em especial a Convenção contra a Discriminação no Ensino (1960).
A aprovação do Documento de Revisão de Durban e o espaço de debate multilateral promovido por essa Conferência devem agora impulsionar, nos âmbitos nacional, regional e internacional, processos e políticas de Estado pela superação do racismo e da discriminação capazes de traduzir em transformações concretas os compromissos assumidos.
- Camilla Croso é Coordenadora Geral da Campanha Latinoamericana pelo Direito à Educação (CLADE) e vice-presidente da Campanha Mundial pela Educação (CME)
http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/analise/revisao-de-durban
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