III Fórum Social Mundial das Migrações: Avanços e perspectivas
16/09/2008
- Opinión
Num balanço rápido, merece destaque o espírito de solidariedade que perpassou a preparação e realização do Fórum. A exemplo do II Fórum, a hospedagem solidário se ampliou e se consolidou como uma das formas mais simples e bonita de se mostrar ao mundo que outra convivência pacífica de respeito as diferenças e a interculturalidade é possível, necessária e rica para a humanidade. Cerca de 300 famílias acolheram os participantes na hospedagem solidária. E não era só dar um lugar para dormir. As famílias promoviam momentos de convivência familiar com os hóspedes: almoços, festas, passeios. Também merece um destaque especial os mais de 500 voluntários que trabalharam na preparação e organização do evento. Madrugada adentro estes voluntários e voluntárias corriam incansavelmente para que tudo estivesse perfeito. Sem estrelismo e sem vaidade, o espírito era de serviço e gratuidade.
O fórum contou com a participação de mais de três mil pessoas, representantes de duas mil entidades e movimentos sociais. Um enorme trabalho logístico e organizativo abrigou cerca de 50 seminários, talleres e outras atividades culturais. Centenas de pessoas puderam participar com “becas”, tendo sua passagem, comida e hospedagem totalmente gratuitas. Foram milhares de migrantes protagonisando sua própria história.
Numa escala muito maior e mais organizada, o Fórum contou ainda com uma ampla cobertura de imprensa. Estavam credenciados mais de noventa meios de comunicação social. O evento foi noticia diária de rádios, TVs e jornais internacionais. A imprensa alternativa alimentou diariamente as redes de todo o mundo.
O clima da Assembléia dos Movimentos Sociais também foi força e unidade em torno de algo maior: um mundo sem fronteiras. O espírito era de ““Migrantes unidos, jamás serán vencidos”. A declaração final da assembléia aprovada pelos participantes foi expressão de que é possível construir unidade na diversidade.
“No aniversário dos sessenta anos da Nakba palestina (holocausto), aos vinte anos do início das mortes de migrantes no Estreito de Gibraltar tentando chegar à Europa, aos 35 anos do golpe militar contra Salvador Allende e hoje, no apoio à Bolívia cujo processo democrático está seriamente ameaçado”, os participantes do Fórum concluem que uma das causas fundamentais da migração forçada é a globalização capitalista, neoliberal, concentradora e excludente. Depredadora do ser humano e da natureza. Denuncia também as migrações forçadas dos povos indígenas como resultado da expropriação das terras e dos mega-projetos agro-industriais, que tem como conseqüências a destruição de suas culturas. Foi unânime o repúdio do modelo de criminalização das migrações que tanto a Europa como os demais países ricos estão adotando contra os imigrantes. Para poder expulsar as pessoas através da Diretiva de Retorno - popularmente conhecida como a Diretiva da Vergonha - a migração irregular passa a ser considerada como crime, justificando-se assim as detenções, as prisões arbitrárias e as deportações.
Também foram denunciados os centros de internamento, verdadeiras prisões onde os imigrantes sequer possuem acesso aos direitos. O fórum exige o fechamento de todos eles. No mesmo tom foi condenada a externalização das fronteiras, ou seja, o sistema de controle que os países ricos colocam nos países de origem das migrações: sejam em aeroportos, na dificuldade de se conseguir vistos, nos centros de internamento nos países de origem, nos muros reais ou virtuais, nas legislações restritivas, nos sistemas de vigilância, muitos com patrulhas armadas etc.
Direito de ir e vir
O governo espanhol negou mais de 40 vistos para pessoas que participariam do III Fórum. Foram delegados do Senegal, Equador, Honduras, Perú, entre outros. Quem sentiu na pele todo o sofrimento e preconceito que sofre o migrante que busca trabalho e dignidade em outras terras, foi a coordenadora do Grito dos Excluídos/as do Panamá, a companheira Larissa Duarte. Detida no aeroporto de Madrid, sob a alegação de que a carta convite do Fórum não tinha valor algum, foi detida e passou a noite junto com outros detentos na cela do aeroporto. Diferentemente dos outros encarcerados que certamente seriam deportados, como é praxe acontecer, o caso de Larissa ganhou proporções gigantescas na mídia, no Fórum e na comunidade espanhola. No dia seguinte a polícia espanhola acatou a carta da companheira que pode contar ao mundo os dramas vividos pelas pessoas que ficam presa no aeroporto.
Fenômeno Mundial
Os debates do Fórum apontam para a mundialização das migrações. A migração é um fenômeno mundial e, portanto, as soluções não podem ser somente bilaterais, entre países. Devem ser globais.
Os migrantes são pessoas sujeitos de direitos e não podem ser tratados como mercadorias, como moeda de troca e devem ter os direitos reconhecidos em qualquer lugar que se encontrem. A diversidade de raças, etnias, países, a perspectiva de gênero e a variada gama de entidades e movimentos sociais, foi uma das marcas deste Fórum.
Os debates que perpassaram as mesas temáticas, as oficinas e seminários e que culminaram com a realização da assembléia dos movimentos sociais e na elaboração da Segunda Declaração de Rivas, por consenso, aconteceram de forma consciente e responsável.
O Fórum mostrou ainda que há uma relação muito forte entre migrações e meio ambiente. Apontou que se faz necessária uma nova ordem mundial que promova a dignidade de todas as pessoas humanas, em sintonia com as potencialidades do nosso planeta terra.
Outro mundo possível
O Fórum demanda aos governantes que assinem, ratifiquem e ponham em prática a Convenção da ONU sobre os Direitos dos Trabalhadores Migrantes e de suas Famílias bem como a necessidade de ter um procedimento ou um órgão que defenda e proteja ao migrantes, assim como os refugiados tem seu estatuto próprio;
- A derrogação da Diretiva de Retorno e o fechamento de todos os Centros de internamento de Imigrantes;
- Promover as pessoas e as comunidades de imigrantes para que se organizem, se rebelem, denunciem todas as formas de dominação de exploração e exijam os seus diretos, fortalecendo as suas organizações e as redes de apoio mútuo;
- Exigir o direito ao voto no âmbito municipal e a participação ativa na definição dos projetos de desenvolvimento local bem como o respeito à autonomia dos movimentos sociais e a participação política para incidir, tanto na política interna como na externa, de um país de chegada, em favor do seu país de origem.
Marcha dos Movimentos Sociais
“Contra o modelo neoliberal, não aos muros e pela cidadania universal”. Este foi um dos muitos slogans que se ouviram na marcha que encerrou o III Fórum Social Mundial das Migrações, em 14 de setembro. Cerca de cinco mil pessoas percorreram as ruas de Madrid reforçando a necessidade de se derrubar muros e construir pontes. Sob o lema “nossas vozes, nossos direitos, por um mundo sem muros, uma só voz, um só grito foi ouvido nas ruas de Madrid: “En el sur somos explorados y en el norte expulsados;” “Nenhum ser humano es ilegal, ciudania universal”.
Uma grande faixa ilustrando os diversos muros levantados contra os migrantes abria a marcha: os muros dos Estados Unidos, do norte da África e de Israel. Ao final, outra grande faixa, representando os vários muros que impedem o direito de ir e vir do migrante, impedia a entrada da marcha na Praça Rainha Sofia. Num gesto de força e unidade, presente em todo o Fórum, os marchantes derrubaram a faixa e tomaram a praça para apresentar ao mundo a Segunda Declaração de Rivas que propõe um mundo sem muros como condição essencial para se construir outro mundo possível
Migrar não é um crime, crime são as causas que obrigam as pessoas a migrar.
O IV Fórum Social Mundial das Migrações será realizado nos dias
- Luiz Bassegio e Luciane Udovic: ambos da Secretaria do Grito dos Excluídos Continental
* Declaración de Rivas: http://alainet.org/active/26320
* A edição No, 435 da revista América Latina en Movimiento, co-edição de ALAI e Grito dos Excluídos, inclui reflexões sobre os temas tratados no Fórum Social Mundial das Migrações.
https://www.alainet.org/pt/articulo/129807?language=en
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