Minha opção pela resistência civil

09/09/2008
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Os que me conhecem de perto sabem com clareza que não sou das Farc, pois tenho divergências com sua estratégia, linha política e método

Para os que me conhecem de perto, para aqueles que trabalham ao meu lado, não há dúvidas de que tenho um compromisso total com a não-violência, e que arriscando tudo, entregando a minha vida, dedico-me à resistência civil, em um país onde os interesses dos poderosos se impõem com violência e grupos armados acreditam que se pode derrotar a violência com violência.

Os que me conhecem de perto sabem com clareza que não sou das Farc, pois tenho divergências com sua estratégia, linha política e métodos. Tenho mostrado essa divergência, pública e privadamente, há 18 anos. A estratégia das Farc se centrava e se centra no papel da guerrilha convertida em exército revolucionário, meio pelo qual o povo pode tomar o poder e produzir as transformações sociais, colocando, assim, em segundo plano, a mobilização das massas populares.

Esta concepção tem se mostrado inaplicável à Colômbia. Inclusive, num primeiro momento, as próprias Farc se fortaleceram mais do que outras organizações que confiavam prioritariamente na ação militar; depois, por razões que provavelmente têm a ver com a forma como foi massacrada a União Patriótica, as Farc passaram a subestimar as lutas massivas do povo e passaram a ter o fortalecimento militar como principal objetivo.

Este erro político se converteu em tragédia para a luta popular; tem permitido o fortalecimento da extrema direita - que chegou ao governo - e não somente fracassa em impedir que centenas de milhares de camponeses e afro-colombianos sejam despejados de suas terras, como piora esse quadro. Agora permite e até mesmo provoca o deslocamento forçado de indígenas em várias regiões do país.

América Latina

Na maior parte da América Latina, são as mobilizações das massas as que começaram a provocar mudanças e a questionar o neoliberalismo, a dominação das transnacionais e do latifúndio. Na Bolívia, país onde o setor agrário tem um peso maior, as mobilizações massivas têm um papel preponderante. Vê-se que tanto ali como na Venezuela, os setores sociais em conflito dirimem suas contradições no terreno das lutas massivas.

No Equador, as grandes massas tem sido as protagonistas; ou ainda na Argentina ou outros países é o nível de consciência das massas o que marca o resultado das mobilizações. Na Colômbia, em troca, o enfrentamento militar tem sido a cortina pela qual a extrema direita se esconde e, assim, tem conseguido massacrar as lideranças sindicais e camponesas, além de impor a demolição dos direitos trabalhistas e a legalização dos despejos de terras.

União Patriótica


Apesar da tragédia que significou o extermínio físico de 3 mil de seus integrantes, a União Patriótica havia ganhado o carinho do povo. A luta por um acordo de paz democrático abriu caminho a grandes expressões populares e ganhou o coração do povo.

Ainda que fosse absurdo seguir expondo diariamente senadores, representantes, deputados, e líderes à morte, não se deve confundir a necessidade de se esconder dos assassinos e driblar sua ação, com aceitar se colocar no terreno que o poder (direita) quer, ou seja, no caminho de uma guerra indefinida.

Muitos partidos e movimentos revolucionários ou democráticos do mundo tiveram que passar para a clandestinidade completa ou semiclandestinidade, sem que por isso tenham passado para a luta armada. Foram obrigados a estar nessa condição, mas mantiveram uma ação violenta centrada em organizar o povo e mobilizá-lo por seus interesses vitais, que nesse momento eram para os colombianos deter o avanço do neoliberalismo, defender as conquistas trabalhistas e sociais, as empresas do estado e conquistar uma paz democrática.

Paz?

Os acordos de paz de 1991 poderiam ter aberto o caminho para que a Colômbia estivesse no mesmo rumo da América Latina. Se assim não aconteceu, deve-se em parte à inconseqüência de alguns que assinaram esses acordos, e ao fato de alguns terem deixado de lutar pela mudança social; deveu-se, sobretudo, ao fato de que acordos não foram fechados com as duas guerrilhas maiores, as Farc e o ELN.

Nas negociações que se celebraram em Caracas parecia que existiam possibilidades de acordos, mas se frustraram. Embora seja óbvio que a direita, especialmente o latifúndio, a narcopolítica e certas transnacionais sabiam que não convinha para nada esse acordo e se dedicaram a impedí-lo com o estímulo ao paramilitarismo, seus assassinatos e massacres. Também é fato que essas duas guerrilhas não tinham uma estratégia de busca aos acordos de paz, nem visualizavam a importância decisiva de grandes mobilizações de massa como verdadeiros eixos das mudanças necessárias.

Massas subestimadas

Essa concepção errada das guerrilhas produziu outros erros graves. Subestimação das massas, suas consciências e suas lutas levaram as Farc a justificar e utilizar formas de guerra que golperaram o próprio povo, como o uso de explosivos em povoados, contra o qual escrevi há alguns anos no artigo “Toribío atacado”.

O uso de reféns civis - que anos antes as próprias Farc consideraram um método equivocado de luta - se converteu na tática central da guerrilha, chegando ao ponto em que uma de suas frentes chegasse e desalojar grupos indígenas Nukak para manter alguns sequestros. Há anos que se tem registrado o assassinato de alguns líderes queridos pelas pessoas ou de ativistas, que seguem sendo cometidos pelas Farc.

Assim, não raro esses líderes e ativistas já não devem temer somente aos paramilitares ou aos poderes constituídos, mas também às Farc, a qual tem afetado em especial o movimento indígena. Como poderia a maior parte do povo não rechaçar as atuações das Farc? O que escrevo aqui digo todos os dias e à medida que trabalho em regiões de povos indígenas ou camponeses, procuro saber se há mudanças nessas atuações, e ainda que às vezes eles escutem às reclamações dos indígenas, os problemas se repetem devido às concepções erradas que são as causas desses mesmos problemas.

Não Violência

Faço em primeiro lugar essas considerações estritamente políticas, para resumir muito sinteticamente minhas análises que tenho sustentado e aprofundado durante 18 anos, sem que para isso tenha que acudir aos meus compromissos pessoais de vida com a não violência, que ainda que essencialmente políticos, não têm porque serem compartidos por aqueles que não possuem fé e consideram que é válido fazer uso do direito de defender-se da violência com violência, já que inclusive juridicamente atuar violentamente “em defesa própria” pode ter validez.

As guerrilhas surgiram como defesa camponesa frente aos assassinatos e massacres perpetrados por agentes de Estado e latifundiários, os paramilitares foram constituídos com o pretexto de combater a violência da guerrilha. O país se sumiu na escalada de violência e disso se aproveitam políticos, máfias e em especial o capital transnacional que vai conseguindo impor uma legislação a seu favor.

Desde 1994 optei por um compromisso pessoal com a não violência como caminho a seguir para contribuir com uma mudança radical da sociedade. Renunciei ao uso das armas em qualquer circunstância, seja em minha defesa própria ou de outrem. Desfiz-me de dois revólveres que obtive legalmente quando fui ameaçado de morte e tentaram me assassinar por eu pertencer à União Patriótica; renunciei a ter escoltas porque não quero salvar minha vida às custas dos outros.


Acabei renunciando a qualquer rotina e a várias possibilidades de trabalho para evitar ser assassinado. Creio desde então que a luta radical pela mudança social deve estar acompanhada pela mudança radical dos métodos, pela renúncia completa a qualquer luta armada, de maneira que não somente possamos dizer que o fim justifica os métodos, mas que o método radical da não violência pode sim nos conduzir a uma mudança realmente radical.

Torturas

Como ensina Carlos Gaviria, esse método consiste em ir na raiz e não acreditar que com disfarces se pode mudar as coisas. Não se trata de uma mudança de governo para que a corrupção da direita seja substituída por outra. Ou uma mudança em que nossos amigos governem ao invés dos inimigos, demostrando “gobernabilidade”, mas sim tomar medidas essenciais a favor dos 80% de pobres.


A Colômbia necessita mudanças de fundo, principalmente naquilo que se refere à luta pela terra e à ação das transnacionais. E o único caminho para conquistar esses objetivos é obter a mais ampla resistência civil, a construção de alternativas desde a base, numa mobilização civil massiva e decidida. Absolutamente tudo o que tenho feito durante esses anos, todos os dias, é transitar por este caminho na medida de minhas forças e experiências.

Estou sem dúvida ferido pelas seqüelas das torturas que sofri em 1977 e também por 20 anos de ameaças de morte, perseguido pelos algozes. Às vezes perco a esperança, especialmente quando sei que alguns de meus amigos foram assassinados, então me pergunto porque sigo acompanhando a luta dos indígenas e camponeses, porque não renuncio. Então, novamente se acende em mim a paixão pelo povo que amo e que sei que têm direito a uma vida digna; paixão por novas relações sociais baseadas na solidariedade. Não mataram meu corpo, mas querem matar minha palavra, abrir minhas cicatrizes.
Mas a palavra é uma semente e está semeada e seja como for, cada camponês com sua terra, indígenas administrando seus territórios, s afro-colombianos retornando a suas comunidades, os habitantes dos barrios populares das cidades que poderão comer melhor depois da reforma agrária que ao fim conquistarão, em cada família de assalariados que receba ao fim justiça para seu trabalho, ali viverá essa palavra e não poderão matá-la.

- Héctor Mondragón é economista colombiano

Fonte: Brasil de Fato

http://www.brasildefato.com.br


https://www.alainet.org/pt/articulo/129634
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