Pelo Direito Humano a Migrar

18/06/2008
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Do dia 15 ao domingo 22 de junho de 2008, o Serviço Pastoral dos Migrantes, entidade filantrópica vinculada à CNBB articula em todo o Brasil a Semana do Migrante. Tudo começou quando o Papa Paulo VI, em 1969, instituiu o Dia do Migrante. A partir de então coube a cada país a escolha da data. “No Brasil, a 17ª Assembléia Geral da CNBB, ocorrida em 1979, determinou que o Dia do Migrante seria celebrado em 25 de junho, caso caísse num domingo; ou, caso contrário, no domingo anterior”. Em 1981 aconteceu a primeira celebração do Dia Nacional do Migrante, com o lema: Por que somos obrigados a sair da nossa terra? Cinco anos depois realizou-se a primeira Semana Nacional do Migrante, com o lema: Tomareis posse da terra e nela habitareisi[1].

Vinte e dois anos depois, a Semana do Migrante traz para a reflexão o tema: “Basta de Migração Forçada”; e desafia, não só a Igreja, mas também aos Governos, a academia e a sociedade em geral para o reconhecimento do direito humano de migrar. Segundo o Departamento de Estrangeiros do Ministério da Justiça, existem atualmente pouco mais de 1,3 milhões de imigrantes internacionais registrados no Brasil. Esse número, se comparado ao número de brasileiros no exterior, seria menos da metade, já que as estimativas, por mais diversas que sejam, apontam entre 3 a 4 milhões de emigrantes. Um informe da Casa de Portugal diz que nos países em vias de desenvolvimento a percentagem de imigrantes na população total tem-se mantido estável ao longo dos últimos 35 anos, flutuando sempre em torno dos 1.6% dessa população.

O Brasil, segundo o Banco Estatístico da Rede Brasileira para o Desenvolvimento Municipal, tem uma população estimada em
189.322.792[2] habitantes. Considerando tais números, os imigrantes não passariam de 9 % da população total. Um número aparentemente baixo, porém expressivo em considerando as violações de direitos humanos a que estão sujeitos os “Indocumentados”. Sem dúvida, se compararmos as perspectivas da primeira Semana do Migrante, quando se dizia “Tomareis posse da terra e nela habitareis”, já se previa essas grandes ondas migratórias que atravessariam cidades, países e até continentes.

Atualmente, a migração forçada empurrou 81,25% dos brasileiros e brasileiras para a zona urbana, deixando apenas 18,75% na zona rural. Uma completa inversão em menos de 40 anos. Por outro lado, a migração forçada obriga a que seres humanos deixem suas comunidades, vilarejos, amizades e famílias sangrando as “veias abertas da América Latina” em busca de trabalho e melhores condições de vida. Conversando com uma senhora de aproximadamente uns 60, boliviana, há mais de 20 anos trabalhando como costureira, perguntei-lhe: a senhora acredita que conseguiu as melhores condições de vida que buscava? A senhora sorriu abertamente e respondeu-me: “de onde vim não existe mais nada, a esperança foi-se embora de lá! Aqui as coisas são difíceis. Trabalhei até 14 horas por dia. Hoje, ainda ajudo como cozinheira. Não consegui guardar quase nada e nem tenho direito à aposentadoria, pois só agora estou fazendo meus documentos”.

A resposta daquela senhora, tão pertinente em pleno 18 de junho, um dia depois da União Européia aprovar a Diretiva de Retorno[3], seis dias antes do encerramento da Semana do Migrante 2008, interpela a cada um e convida a refletir mais profundamente sobre a política brasileira de imigração. Teria uma senhora que trabalhou mais de 20 anos, mesmo que na invisibilidade e aparente inexistência para a legislação brasileira, direito à aposentadoria? O Brasil, o maior país do continente sul-americano, o único do MERCOSUL que ainda não ratificou a Convenção n° 97 da ONU sobre a proteção dos direitos de todos os trabalhadores migrantes e sua família, até quando aceitará que imigrantes “hermanos” latino-americanos tenham que trabalhar às escondidas jornadas extenuantes e situações degradantes por falta de um documento e de políticas públicas que permitam sua plena inserção na sociedade brasileira?

O jornal da Record, na tarde de 18 de junho, noticiou que 20 imigrantes bolivianos teriam sido encontrados em situação de trabalho parecido ao trabalho escravo. Mas, o que seria um trabalho parecido ao trabalho escravo? O que será feito com essas vítimas? Alguém poderia responder: bem, se eles tiverem filhos brasileiros só receberão uma multa e depois poderão dar entrada com pedido de permanência. Ou, também, se alguém entrou antes de 15 de agosto de 2005 e tiver uma nota fiscal ou então um cartão de entrada ou qualquer outro documento que comprove, só receberão uma multa e poderão pedir um visto provisório com base num acordo firmado entre Brasil e Bolívia (já renovado duas vezes sem mudar uma vírgula sequer).

O Brasil foi um dos países a encampar um Plano nacional de Enfrentamento ao Trafico de Pessoas[4], após a ratificação do Protocolo de Palermo. A previsão era para ser executado em dois anos. Contudo, vergonhosamente, quase um já se passou e pouco se fez. Não é possível que, quando protestamos diante da barbárie que é a Diretiva de Retorno da União Européia, em nossos países considerados em desenvolvimento aceitemos cegamente que irmãos nossos sejam explorados; e, depois de explorados, ainda sejam punidos por violarem as leis de fronteira. É por isso que, no próximo dia 22 de junho, imigrantes bolivianos, paraguaios, peruanos e latinos em geral irão ao Pátio do Colégio, próximo á Praça da Sé, no Centro de São Paulo, com suas bandeiras e suas reivindicações gritar por uma Cidadania Universal, por Uma Nova Lei de Migração, por uma Identidade sul-americana que permita transitar, como já foi um dia, por todo o continente que não tinha dono, que era a PÁTRIA GRANDE[5].

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Paulo Illes é Coordenador do CAMI - Centro de Apoio ao Migrante em São Paulo – e da Ação Social da ONG Presença da América Latina.



[1] Na página web do Serviço Pastoral dos Migrantes: www.migracoes.com.br é possível acessar o Histórico das Semanas do Migrante.

[2] Maiores informações no site http://muninet.org.br/banco/index.php

[3] Esta Diretiva estabelece as regras comuns para a expulsão dos imigrantes que não tiveram a oportunidade de se regularizar em solo europeu. Entre as principais violações aos direitos de ir e vir, garantido pela declaração Universal dos Direitos Humanos ela estabelece: A detenção, até 18 meses, dos imigrantes não regularizados, pelo simples fato de procurarem melhores condições de vida; A detenção dos menores, ainda que por um período "tão breve quanto possível", à revelia de todos os direitos de proteção da criança; A proibição dos imigrantes expulsos de regressarem à Europa, num prazo de cinco anos, o que reforça a crescente criminalização de que têm vindo a ser alvo.

[4] O Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (PNETP) foi aprovado pelo Decreto nº 6.347 de 08/01/2008. Maiores informações em http://www.mj.gov.br/data/Pages/MJ0A9BD4F5ITEMID0089F30A450144939BB8CB2A...

[5] Essa proposta está em sintonia com o Tratado da União das Nações Sul-americanas (UNASUL), no que se refere à integração e a migração: " i a consolidação de uma identidade sul-americana através do reconhecimento progressivo de direitos a nacionais de um Estado Membro residentes em qualquer outro

Estado Membro, com o objetivo de alcançar uma cidadania sul-americana | j) o acesso universal à seguridade social e aos serviços de saúde | k) a cooperação em matéria de migração, com enfoque integral e baseada no respeito irrestrito aos direitos humanos e trabalhistas para a regularização migratória e a harmonização de políticas".

https://www.alainet.org/pt/articulo/128214
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