Biocombustíveis, remédio pior que a doença
22/02/2008
- Opinión
Em 2008, já ninguém pode negar a mudança climática causada por atividades humanas. Entretanto, os compromissos adotados para mitigá-la e ajudar os mais vulneráveis a enfrentar seus efeitos são insuficientes e não incluem o reconhecimento do desastre. A mitigação requer mudanças materiais nas pautas de produção e consumo. A globalização deu impulso em todo o mundo tanto à produção quanto ao consumo e, portanto, a maiores emissões de dióxido de carbono. As normas da Organização Mundial do Comércio sobre liberalização comercial forçam os países a seguirem um caminho que implica aumentar as emissões. O mesmo faz o Banco Mundial ao conceder empréstimos para super-rodovias, usinas termoelétricas, agricultura industrial e vendas no varejo por parte das grandes corporações.
Também são responsáveis empresas gigantes como Cargill e Wal-Mart. Cargill é um ator importante na difusão do cultivo de soja no Brasil e das plantações de palmas nas selvas da Indonésia, em cuja queima tem responsabilidade. E o modelo do Wal-Mart, de comércio centralizado a longa distância, é uma receita segura para o aumento da carga do dióxido de carbono na atmosfera. O primeiro passo para a mitigação requer um enfoque sobre as ações reais dos atores reais.
Ações reais são, por exemplo, uma atividade contrária à agricultura ecológica e aos sistemas locais de produção de alimentos, bem como as que implicam perda de economias rurais, com baixas emissões, diante da disseminação da urbanização a cargo de empresas construtoras. Incluem também a destruição de sistemas sustentáveis de transporte baseados em energia renovável e a promoção de automóveis particulares. Os atores reais são o grande agronegócio global, a OMC e o Banco Mundial. Também são as companhias petrolíferas e as companhias automobilísticas, que impulsionam esta transição para o não-sustentável em matéria de mobilidade.
O Protocolo de Kyoto evitou por completo responder à necessidade de deter as atividades que levam a maiores emissões e ao desafio político de impor normas aos poluidores e de fazê-los pagar de acordo com os princípios acordados em 1992 na Cúpula da Terra. Em lugar disso, Kyoto pôs em marcha o mecanismo de troca de direitos de emissões de gases causadores do efeito estufa, que de fato recompensa os contaminadores ao dar-lhes direitos sobre a atmosfera e de comercializá-los para contaminar. Hoje em dia, o mercado de troca de emissões chegou a US$ 30 bilhões e estima-se que crescerá muito mais.
Outra falsa solução para a mudança climática é a promoção de biocombustíveis elaborados com milho, soja, óleo de palma e pinhão. Os combustíveis produzidos com biomassa continuam sendo a mais importante fonte de energia dos pobres no mundo: a energia utilizada para cozinhar provém de biomassas não comestíveis, como esterco de vaca, espiga de milho, talos de legumes e espécies agroflorestais. Os biocombustíveis industriais são os alimentos dos pobres transformados em calor, eletricidade e transporte.
O presidente George W. Bush programou a produção de 132,5 bilhões de litros de biocombustíveis para 2017. Inevitavelmente, o aumento maciço da demanda por grãos ocorrerá à custa da satisfação de necessidades elementares dos seres humanos, como a gente pobre, marginalizada do mercado de alimentos devido ao aumento de seus preços. Em primeiro lugar, o desmatamento causado pela expansão das plantações de soja e de palma está levando ao aumento de emissões de dióxido de carbono. A FAO estima que 1,6 bilhão de toneladas, ou seja, de 25% a 30% dos gases causadores do efeito estufa lançados na atmosfera a cada ano, provêm do desmatamento.
Para 2022, as plantações destinadas à produção de biocombustíveis podem levar à destruição de 98% das florestas da Indonésia. Os Estados Unidos utilizarão 20% de seu milho para produzir 19 bilhões de litros de etanol, substituindo apenas 1% do uso de petróleo. Se fossem usados 100% do milho para produzir etanol, substituiria apenas 5% do petróleo utilizado atualmente. Claramente isso não constitui uma solução nem para pôr um teto ao uso do petróleo nem para mitigar a mudança climática. Estas falsas soluções não farão mais do que aumentar a crise climática e, ao mesmo tempo, agravarão e aprofundarão a desigualdade, a fome e a pobreza.
- Vandana Shiva é bióloga, ambientalista e escritora.
Fonte: Carbono Brasil
Também são responsáveis empresas gigantes como Cargill e Wal-Mart. Cargill é um ator importante na difusão do cultivo de soja no Brasil e das plantações de palmas nas selvas da Indonésia, em cuja queima tem responsabilidade. E o modelo do Wal-Mart, de comércio centralizado a longa distância, é uma receita segura para o aumento da carga do dióxido de carbono na atmosfera. O primeiro passo para a mitigação requer um enfoque sobre as ações reais dos atores reais.
Ações reais são, por exemplo, uma atividade contrária à agricultura ecológica e aos sistemas locais de produção de alimentos, bem como as que implicam perda de economias rurais, com baixas emissões, diante da disseminação da urbanização a cargo de empresas construtoras. Incluem também a destruição de sistemas sustentáveis de transporte baseados em energia renovável e a promoção de automóveis particulares. Os atores reais são o grande agronegócio global, a OMC e o Banco Mundial. Também são as companhias petrolíferas e as companhias automobilísticas, que impulsionam esta transição para o não-sustentável em matéria de mobilidade.
O Protocolo de Kyoto evitou por completo responder à necessidade de deter as atividades que levam a maiores emissões e ao desafio político de impor normas aos poluidores e de fazê-los pagar de acordo com os princípios acordados em 1992 na Cúpula da Terra. Em lugar disso, Kyoto pôs em marcha o mecanismo de troca de direitos de emissões de gases causadores do efeito estufa, que de fato recompensa os contaminadores ao dar-lhes direitos sobre a atmosfera e de comercializá-los para contaminar. Hoje em dia, o mercado de troca de emissões chegou a US$ 30 bilhões e estima-se que crescerá muito mais.
Outra falsa solução para a mudança climática é a promoção de biocombustíveis elaborados com milho, soja, óleo de palma e pinhão. Os combustíveis produzidos com biomassa continuam sendo a mais importante fonte de energia dos pobres no mundo: a energia utilizada para cozinhar provém de biomassas não comestíveis, como esterco de vaca, espiga de milho, talos de legumes e espécies agroflorestais. Os biocombustíveis industriais são os alimentos dos pobres transformados em calor, eletricidade e transporte.
O presidente George W. Bush programou a produção de 132,5 bilhões de litros de biocombustíveis para 2017. Inevitavelmente, o aumento maciço da demanda por grãos ocorrerá à custa da satisfação de necessidades elementares dos seres humanos, como a gente pobre, marginalizada do mercado de alimentos devido ao aumento de seus preços. Em primeiro lugar, o desmatamento causado pela expansão das plantações de soja e de palma está levando ao aumento de emissões de dióxido de carbono. A FAO estima que 1,6 bilhão de toneladas, ou seja, de 25% a 30% dos gases causadores do efeito estufa lançados na atmosfera a cada ano, provêm do desmatamento.
Para 2022, as plantações destinadas à produção de biocombustíveis podem levar à destruição de 98% das florestas da Indonésia. Os Estados Unidos utilizarão 20% de seu milho para produzir 19 bilhões de litros de etanol, substituindo apenas 1% do uso de petróleo. Se fossem usados 100% do milho para produzir etanol, substituiria apenas 5% do petróleo utilizado atualmente. Claramente isso não constitui uma solução nem para pôr um teto ao uso do petróleo nem para mitigar a mudança climática. Estas falsas soluções não farão mais do que aumentar a crise climática e, ao mesmo tempo, agravarão e aprofundarão a desigualdade, a fome e a pobreza.
- Vandana Shiva é bióloga, ambientalista e escritora.
Fonte: Carbono Brasil
https://www.alainet.org/pt/articulo/125849
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