Vida: procurando entender para escolher (II)

18/02/2008
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Se para escolher a vida necessário se faz procurar entender em que consiste, quando se origina, qual seu sentido, o mesmo é verdade para escolher uma concepção de vida proposta por alguma escola de pensamento, filosofia ou religião. Seguindo a pista da Campanha da Fraternidade 2008, aqui continuaremos refletindo então sobre o que se entende por vida dentro do Cristianismo.

O sentido da vida no Cristianismo baseia-se na comunhão com Deus na vida, bem como após a morte. O cristianismo, aliás, afirma que a partir da fé cristã só há vida, uma vez que Deus é o Deus da vida e não cria a morte. Esta é conseqüência do pecado e foi vencida por Jesus Cristo, Filho de Deus encarnado, vivo, morto e ressuscitado. Triunfando da cruz e da morte, Jesus Cristo mostrou que o destino da vida é crescer para sempre e não acabar. Portanto, toda prática que diminui, agride ou destrói a vida se coloca exatamente nas antípodas dos caminhos que Deus traçou para seu povo e que Jesus Cristo propõe a sua Igreja.

Para o povo de Israel, o encontro com o verdadeiro Deus é um encontro de vida e que gera vida. Desde muito cedo, o povo percebeu que não escolher a vida para si e para os outros era sinônimo de afastar-se da Aliança com seu Deus. Cada vez que a injustiça acontecia, que a cobiça dominava, que o pobre, o órfão, a viúva, o estrangeiro, eram mal acolhidos ou explorados, Deus mesmo se pronunciava em sua defesa. E aqueles que na pessoa dos mais fracos haviam agredido a vida se colocavam longe de Deus, devendo empreender todo um percurso para reencontrá-Lo.

No Novo Testamento, Jesus de Nazaré apresenta seu Evangelho como a Boa Nova da vida para todos. Apresenta-se como Aquele que não veio para os que já têm tudo, mas sim como o que vem salvar o que estava perdido. Revelando-se como o que vem para que todos tenham vida e a tenham em abundância, Jesus se aproxima de todos aqueles que foram colocados pela sociedade ou pela religião às margens da vida. Assim é que os evangelhos nos mostram sua pessoa próxima dos pobres, das mulheres, das crianças, dos doentes, dos pecadores de toda espécie. Assim também ele nos aparece como alguém que respeita profundamente a natureza, valorizando a água, as árvores, as sementes e servindo-se delas para explicar a relação de Deus com o universo.

Ao fazer isso, Jesus sinaliza que a vontade do Deus que ele chama de Pai e em quem reconhece o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó, é que ninguém fique excluído da vida nem seja julgado dela menos digno. Assim é que na intimidade vital de Jesus têm lugar as prostitutas, os publicanos e todos aqueles que por uma razão ou outra não são bem-vistos pela sociedade. Acolhendo-os, Jesus quer mostrar que Deus mesmo os acolhe para seu projeto de vida plena que nunca termina.

Com sua atitude amorosa e geradora de vida, Jesus proclama a dignidade infinita de cada pessoa humana, seja quem for, faça o que fizer, esteja onde estiver. E àqueles e àquelas que se dispunham e se dispõem a segui-lo como discípulos, Jesus propõe essa mesma atitude. Diante da vida, de qualquer forma de vida, portanto, o cristão é aquele que reconhece o valor de toda forma de vida porque criada por Deus. E acolhe e proclama a dignidade de toda pessoa por ser imagem e semelhança do Deus vivo e que dá vida.

Por isso, Paulo de Tarso, primeiro grande teórico do Cristianismo, ensinará aos cristãos das comunidades por ele fundadas que tudo é permitido, mas nem tudo convém. A existência oferece muitas possibilidades, mas nem todas conduzem à vida para si e para os outros. Escolher aquilo que representa vida em plenitude, sempre e a cada momento, eis o caminho da vida cristã. Pois – é ainda Paulo que nos lembra – tudo é nosso, mas nós somos de Cristo e Cristo é de Deus.

- Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, é autora de "Simone Weil - A força e a fraqueza do amor” (Ed. Rocco).
https://www.alainet.org/pt/articulo/125767
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