A Folha e ceticismo da juventude
07/10/2007
- Opinión
Sem assumir as suas responsabilidades, a Folha de S.Paulo deste domingo trouxe a reportagem “Jovens se afastam das urnas e TSE lança campanha na TV”. Ela apresenta dados preocupantes, que confirmariam o ceticismo da juventude, e informa que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) veiculará nas redes de televisão uma campanha para despertar o interesse pela política dos jovens entre 16 e 18 anos. A decisão decorreu da constatação de que caiu o número de pedidos de títulos eleitorais nesta faixa etária. O jornalão burguês, que posa de arauto da ética, culpa o aumento da corrupção pelo crescente desinteresse juvenil – e, de forma sutil, condena o governo Lula.
“Em 1992, ano em que os ‘caras pintadas’ pediram o impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello, mais de 3,22 milhões de pessoas de 16 e 17 anos fizeram o titulo de eleitor – o que representava 3,57% do eleitorado, de cerca de 90,2 milhões. Em 2007, até junho, o número caiu para 2,09 milhões de pessoas nessa faixa etária (1,6% do eleitorado de quase 126 milhões)”, constata a artigo. Mesmo registrando que há uma diminuição dos jovens no total da população, o jornal entrevista especialistas e jovens que responsabilizam a corrupção. “Ninguém mais acredita na política, ninguém liga para mais nada”, afirma um estudante do caro colégio Dante Alighieri.
Papel nefasto da mídia
Os dados do TSE são realmente instigantes. Entre outros fatores, eles podem indicar o crescente descrédito nas instituições da democracia liberal, agravado pela atual fase de calmaria e refluxo das lutas sociais. Mas eles também servem para questionar o papel nefasto da mídia hegemônica, que insiste em desmoralizar os embates políticos para impor a sua agenda mesquinha e de classe. Agindo como um tribunal de exceção, ela abusa da “presunção da culpa”, o que fere os preceitos constitucionais, para banalizar a política e satanizar os que atuam nas lutas políticas e sociais. Na prática, a mídia contribui para o aumento da apatia política – o que só serve aos poderosos.
Neste sentido, a presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Lúcia Stumpf, foi a única que pôs o dedo na ferida na reportagem. “Há uma campanha no Brasil que tenta desestimular a participação política, porque hoje na grande mídia o que a gente vê é a política como sinônimo de corrupção. Para nós, a política vai muito além disso. A participação da juventude junto aos movimentos sociais organizados é importante e também na escolha dos nossos representantes”. Contrariando os arautos da passividade, a líder estudantil garante que a juventude mantém o seu “espírito crítico e ainda tem muita disposição para participar das decisões do rumo político”.
“Mensalão mineiro ou tucano?”
Na mesma edição da Folha, o ombudsman Mário Magalhães ajuda a elucidar o papel corrosivo da mídia hegemônica, que manipula informações nos mínimos detalhes da edição. Ele lembra que o jornal sempre se refere ao “mensalão do PT”, mas que agora, como o estouro das notícias sobre o envolvimento do ex-presidente do PSDB, senador Eduardo Azeredo, com o esquema ilícito do caixa-2, que inclusive financiou a campanha de FHC, a Folha trata como “valerioduto mineiro”. “Se o mensalão é do PT, o valerioduto é do PSDB. Sem equivalência de critérios, empregam-se dois pesos e duas medidas – os petistas aparecem mal e os tucanos são poupados”.
Na seqüência, o colunista critica o tratamento dado pela Folha a “um documento com carimbo do Congresso Nacional no qual se lia ‘congreço’ com ç... Concordo que era o caso de noticiar, mas não o de tripudiar. Ainda mais com tanto destaque. O [nosso] telhado é de vidro”. Ele cita vários erros de ortografia cometidos pelo jornal nesta mesma semana. Atitudes como as registradas por Mário Magalhães só ajudam a desmoralizar a política e contribuem diretamente para o ceticismo da juventude. E o que é pior: esta manipulação grosseira, já que não há ingênuos nos postos de chefia de edição da Folha e dos outros veículos burgueses, coloca em risco a própria democracia.
Democracia e fascismo midiático
A professora Maria do Carmo Campello de Souza, num dos capítulos do livro “Nova República brasileira: sob a espada de Dâmocles”, já alertara para os perigos da desmoralização da política. Ao estudar os emblemáticos casos da Alemanha e da Áustria na década de 30, ela concluía que “o processo de avaliação negativa do sistema democrático estava tão disseminado que, quando alguns setores vieram em defesa do regime democrático, eles já se encontravam reduzidos a uma minoria para serem capazes de impedir a ruptura” e o próprio surgimento do nazismo. Com base nestas experiências, ela criticava a postura da mídia no processo de redemocratização do país.
“A intervenção da imprensa, da rádio e televisão no processo político brasileiro requer um estudo lingüístico sistemático sobre o ‘discurso adversário’ em relação à democracia, expresso pelos meios de comunicação... O teor exclusivamente denunciatório de grande parte das informações acaba por estabelecer junto à sociedade uma ligação direta e extremamente nefasta entre a desmoralização da atual conjuntura e a substância mesma dos regimes democráticos... Tem-se muitas vezes a impressão de que corrupção, cinismo e desmandos são monopólios dos políticos, dos partidos ou do Congresso”. Estas contribuições teóricas da falecida professora serviram para o professor Venício de Lima, no livro “Mídia, crise política e poder no Brasil”, indagar:
“Será que depois de meses de doses diárias maciças de denúncias e críticas acidas, sobretudo aos poderes Executivo e Legislativo, a ‘substância mesma do regime democrático’ não estaria sendo atingida? Já não teria a grande mídia parte da responsabilidade no surgimento dos movimentos a favor do voto nulo nas eleições? Quais seriam os limites – e as responsabilidades – do jornalismo em relação ao bem maior da democracia que garante, em primeiro lugar, o funcionamento da própria mídia como empresa privada e livre?”. A empresa da famíglia Frias, que fez campanha aberta pelo golpe militar de 1964 e inclusive cedeu suas peruas ao transporte de presos políticos para a tortura, talvez não preze mesmo a democracia e a participação ativa da juventude.
Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi).
“Em 1992, ano em que os ‘caras pintadas’ pediram o impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello, mais de 3,22 milhões de pessoas de 16 e 17 anos fizeram o titulo de eleitor – o que representava 3,57% do eleitorado, de cerca de 90,2 milhões. Em 2007, até junho, o número caiu para 2,09 milhões de pessoas nessa faixa etária (1,6% do eleitorado de quase 126 milhões)”, constata a artigo. Mesmo registrando que há uma diminuição dos jovens no total da população, o jornal entrevista especialistas e jovens que responsabilizam a corrupção. “Ninguém mais acredita na política, ninguém liga para mais nada”, afirma um estudante do caro colégio Dante Alighieri.
Papel nefasto da mídia
Os dados do TSE são realmente instigantes. Entre outros fatores, eles podem indicar o crescente descrédito nas instituições da democracia liberal, agravado pela atual fase de calmaria e refluxo das lutas sociais. Mas eles também servem para questionar o papel nefasto da mídia hegemônica, que insiste em desmoralizar os embates políticos para impor a sua agenda mesquinha e de classe. Agindo como um tribunal de exceção, ela abusa da “presunção da culpa”, o que fere os preceitos constitucionais, para banalizar a política e satanizar os que atuam nas lutas políticas e sociais. Na prática, a mídia contribui para o aumento da apatia política – o que só serve aos poderosos.
Neste sentido, a presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Lúcia Stumpf, foi a única que pôs o dedo na ferida na reportagem. “Há uma campanha no Brasil que tenta desestimular a participação política, porque hoje na grande mídia o que a gente vê é a política como sinônimo de corrupção. Para nós, a política vai muito além disso. A participação da juventude junto aos movimentos sociais organizados é importante e também na escolha dos nossos representantes”. Contrariando os arautos da passividade, a líder estudantil garante que a juventude mantém o seu “espírito crítico e ainda tem muita disposição para participar das decisões do rumo político”.
“Mensalão mineiro ou tucano?”
Na mesma edição da Folha, o ombudsman Mário Magalhães ajuda a elucidar o papel corrosivo da mídia hegemônica, que manipula informações nos mínimos detalhes da edição. Ele lembra que o jornal sempre se refere ao “mensalão do PT”, mas que agora, como o estouro das notícias sobre o envolvimento do ex-presidente do PSDB, senador Eduardo Azeredo, com o esquema ilícito do caixa-2, que inclusive financiou a campanha de FHC, a Folha trata como “valerioduto mineiro”. “Se o mensalão é do PT, o valerioduto é do PSDB. Sem equivalência de critérios, empregam-se dois pesos e duas medidas – os petistas aparecem mal e os tucanos são poupados”.
Na seqüência, o colunista critica o tratamento dado pela Folha a “um documento com carimbo do Congresso Nacional no qual se lia ‘congreço’ com ç... Concordo que era o caso de noticiar, mas não o de tripudiar. Ainda mais com tanto destaque. O [nosso] telhado é de vidro”. Ele cita vários erros de ortografia cometidos pelo jornal nesta mesma semana. Atitudes como as registradas por Mário Magalhães só ajudam a desmoralizar a política e contribuem diretamente para o ceticismo da juventude. E o que é pior: esta manipulação grosseira, já que não há ingênuos nos postos de chefia de edição da Folha e dos outros veículos burgueses, coloca em risco a própria democracia.
Democracia e fascismo midiático
A professora Maria do Carmo Campello de Souza, num dos capítulos do livro “Nova República brasileira: sob a espada de Dâmocles”, já alertara para os perigos da desmoralização da política. Ao estudar os emblemáticos casos da Alemanha e da Áustria na década de 30, ela concluía que “o processo de avaliação negativa do sistema democrático estava tão disseminado que, quando alguns setores vieram em defesa do regime democrático, eles já se encontravam reduzidos a uma minoria para serem capazes de impedir a ruptura” e o próprio surgimento do nazismo. Com base nestas experiências, ela criticava a postura da mídia no processo de redemocratização do país.
“A intervenção da imprensa, da rádio e televisão no processo político brasileiro requer um estudo lingüístico sistemático sobre o ‘discurso adversário’ em relação à democracia, expresso pelos meios de comunicação... O teor exclusivamente denunciatório de grande parte das informações acaba por estabelecer junto à sociedade uma ligação direta e extremamente nefasta entre a desmoralização da atual conjuntura e a substância mesma dos regimes democráticos... Tem-se muitas vezes a impressão de que corrupção, cinismo e desmandos são monopólios dos políticos, dos partidos ou do Congresso”. Estas contribuições teóricas da falecida professora serviram para o professor Venício de Lima, no livro “Mídia, crise política e poder no Brasil”, indagar:
“Será que depois de meses de doses diárias maciças de denúncias e críticas acidas, sobretudo aos poderes Executivo e Legislativo, a ‘substância mesma do regime democrático’ não estaria sendo atingida? Já não teria a grande mídia parte da responsabilidade no surgimento dos movimentos a favor do voto nulo nas eleições? Quais seriam os limites – e as responsabilidades – do jornalismo em relação ao bem maior da democracia que garante, em primeiro lugar, o funcionamento da própria mídia como empresa privada e livre?”. A empresa da famíglia Frias, que fez campanha aberta pelo golpe militar de 1964 e inclusive cedeu suas peruas ao transporte de presos políticos para a tortura, talvez não preze mesmo a democracia e a participação ativa da juventude.
Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi).
https://www.alainet.org/pt/articulo/123617
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