Entrevista com João Pedro Stedile: A reforma agrária já está esgotada
- Opinión
O líder do MST diz que não faz mais sentido falar em divisão de terras sem outras mudanças radicais
O líder do movimento dos trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stedile, coloca sobre a mesa uma pasta de plástico, na qual está colado o adesivo com um quadrinho da Graúna, personagem do cartunista Henfil de grande sucesso nos anos 70. Ajeita ao lado dela seu relógio de bolso. Começa a discorrer sobre conceitos como “mobilização das massas”, “combate ao neoliberalismo” e “plano estratégico nacional”. São símbolos do passado, mas Stedile fala do futuro. De acordo com ele, o movimento tem de derrotar o sistema econômico em vigor se quiser atingir seu objetivo. “O projeto de reforma agrária que o MST passou 20 anos lutando para implantar se esgotou”, afirma. “Será preciso um novo tipo de reforma agrária.”
João Pedro Stedile – A reforma agrária clássica foi feita na maior parte dos países da Europa, nos Estados Unidos, no Japão, depois da Segunda Guerra Mundial. É um projeto que está combinado com um projeto de desenvolvimento da indústria nacional para desenvolver um mercado interno. O Brasil perdeu quatro oportunidades históricas de fazer esse tipo de reforma agrária: no fim da escravidão, na implementação da industrialização pela Revolução de 30, em 1964 e no governo Sarney, quando havia um clima favorável no PMDB para viabilizar um projeto de desenvolvimento nacional. Da década de 90 para cá, nosso país e as elites brasileiras abandonaram o projeto nacional. O que está em curso é um projeto popularmente conhecido como neoliberalismo, que subordina a economia brasileira ao capital internacional e financeiro. O projeto pelo qual o MST lutou 20 anos se esgotou porque as elites brasileiras deixaram de defender um projeto de industrialização nacional. Hoje, a não ser o vice-presidente José Alencar, não há forças nacionalistas em nossa burguesia industrial.
Stedile – Para viabilizar uma nova reforma agrária, será preciso antes derrotar o neoliberalismo. O primeiro fundamento desse novo tipo de reforma agrária é a democratização da propriedade da terra, que não é uma bandeira socialista, mas republicana. O segundo é a reorganização da produção agrícola. Hoje, as transnacionais vêm aqui e controlam a produção, o comércio, o preço. Isso está errado. A produção agrícola precisa ser organizada em primeiro lugar para atender o mercado interno e o povo brasileiro. O terceiro aspecto é repensar novas técnicas agrícolas, porque as usadas pelas transnacionais são insustentáveis do ponto de vista do meio ambiente. O quarto aspecto é levar a educação formal e o conhecimento para o campo para formar o cidadão camponês. O quinto aspecto é levar as pequenas agroindústrias ao interior para gerar emprego lá.
Stedile – Estamos mudando. Vou dar um exemplo: nós nos demos conta de que nas faculdades de Agronomia os caras só sabem sobre monocultura ou agrotóxico. Então, o MST está montando uma rede em parceria com universidades federais para formar novos agrônomos. Já temos um curso de Agronomia no Pará para o bioma da Amazônia, outro em Sergipe para o semi-árido, um terceiro em Mato Grosso para o Centro-Oeste e um quarto no Paraná para o clima frio e temperado. Para quê? Para formar novos agrônomos que dominem técnicas de agroecologia e possam nos assessorar. Vamos anunciar uma parceria com o Greenpeace. Estamos brigando com o governo para botar mais dinheiro da educação no meio rural.
ÉPOCA – Por que a correlação de forças políticas se tornou desfavorável à reforma agrária justamente no governo Lula?
Stedile – A própria eleição do Lula só foi possível porque ele se aliou com parte da burguesia neoliberal. Ela aceitou apoiar a candidatura Lula que eles nunca engoliram. Além disso, as lutas sociais se movem em ondas. E estamos numa onda de descenso do movimento de massas desde 1989. A ascensão do Fernando Collor e do Fernando Henrique Cardoso foi uma derrota política grave para o povo brasileiro.
Stedile – Nós do MST apostávamos que a simples vitória eleitoral do Lula reanimaria as massas. Nós nos reanimamos, tanto que, em 2003, botamos 200 mil famílias acampadas, mas o resto do povo não se mobilizou.
Stedile – Claro que o capital está numa fase de querer circular em todos os países do mundo, mas governos nacionais existem para cuidar dos interesses de seu povo, né? Vários países do mundo mantiveram políticas nacionalistas, como Irã, Índia e China. A taxa de câmbio da China é historicamente sobrevalorizada, mas os chineses não mudam porque assim há produtos baratos em dólar para todos.
Stedile – Todos os dados empíricos mostram que continua a haver concentração da renda nacional nas mãos de uma minoria. O que houve no governo Lula, com a política de aumento real do salário mínimo e do Bolsa-Família, foi uma distribuição mais equânime da renda entre os assalariados. Mas a economia nacional não se mede apenas entre os assalariados.
Stedile – Não. Os 10 milhões beneficiados pelo Bolsa-Família são gente que está lá embaixo na pirâmide, que não tem consciência nem capacidade de mobilização. São os párias da sociedade. O Bolsa- Família é um programa humanitário. Salva vidas, mas não distribui renda.
Stedile – Em sua composição atual, o governo Lula está ainda mais à direita que no primeiro mandato. O governo fez uma opção unicamente por uma maioria parlamentar e se aliou com gente que inclusive era contra ele. É ridículo ver o Michel Temer (presidente nacional do PMDB) apoiando o Lula, quando todo mundo sabe que ele fez campanha para o Geraldo Alckmin.
Stedile – Nossa atitude em relação ao governo sempre foi de autonomia. Nos jornais, ora somos acusados de arrefecer por causa do Lula, ora de nunca termos feito tantas invasões, de nunca ter desrespeitado tanto a lei. Continuamos fazendo ocupações de terra. O governo é que está em crise porque ficou parado.
Stedile – Esse programa do etanol só interessa ao grande capital internacional. Se os EUA têm problemas para abastecer seus carros, é problema deles. Temos de resolver os problemas do Brasil: distribuição de renda e emprego. Defendemos outra forma de produzir o álcool, de uma maneira mais equilibrada e sustentável para o meio ambiente.
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