Clima:a hora do acerto de contas

19/04/2007
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Tenho um irmão, Waldemar, mais franciscano que eu, que trabalha nos meios muito carentes da Baixada Fluminense, tentando sempre passar aos mais pobres a preocupação ecológica. Há dias escreveu um artigo claro e convincente: "a hora do acerto de contas". Resumo-o pois poderá nos ajudar.

Falam alguns, sobretudo nos países ricos e mais poluidores, que a tecnologia vai resolver o problema do aquecimento global. Assim podem continuar a gastar e a divertir-se, como os ímpios nos tempos de Noé.

Outros, mais sensíveis, falam em adaptação às mudanças de atitude e se preocupam com os países pobres que seriam em tese os mais vulneráveis. A solução seria diminuir o crescimento dos ricos e desenvolver os pobres para se chegar a um ponto comum sustentável. Mas quem acredita nisso? Não seria mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino da razão?

Os projetos desenvolvimentistas tipo Aliança para Progresso, apesar da boa vontade, não impediram a concentração da riqueza e o aprofundamento da pobreza.

Mas havia gente mais reflexiva que via na ajuda ao desenvolvimento nada mais do que uma pequena restituição do muito que se levou dos paises pobres e que os programas deveriam ser movidos pelo espírito de corresponsabilidade pelo bem estar coletivo da família humana. Estes eram poucos e ao longo do tempo foram derrotados pelos fatos.

O discuro que se ouve hoje é que os ricos que mais contribuíram para o aquecimento global, de alguma foma se protegeriam, enquanto os pobres, que menos emitiram gazes de efeito estufa, seriam os mais vulneráveis e consequentemente sofreriam mais, acumulando dores sobre dores. Na maioria dos discursos pouco se ouve sobre responsabilidade coletiva, pois no final de tudo, os ricos acabarão, como sempre, com a melhor e os pobres com a pior. Discursos éticos estariam fora de lugar em meio a discursos científicos. Mas a questão da justiça não pode ser calada, um dos temas centrais dos Profetas e do Evangelho.

Lembro-me do dilúvio devastador que sobreveio por causa das iniquidades humanas. Lembro-me de Somoda e Gomorra que foram devoradas pelo fogo e enxofre. Lembro-me das pragas do Egito ocasionadas pela brutalidade do faraó contra os judeus escravizados. Lembro-me das bençãos e maldições que acompanham a observância ou não das leis gravadas em pedra. Lembro-me, por fim, do Nazareno a caminho do Calvário:"chorai sobre vós e vossos filhos". Não consigo imaginar o mesmo destino para os idólatras do bezerro de ouro e para os adoradores do Deus vivo; para os cientistas e para os humildes condenados ao analfabetismo; para os banqueiros sem escrúpulos e para as viúvas da mísera pensão; para os epulões de banquetes infindáveis e para os lázaros chagados às portas da abundância.

Não seriam as mudanças climáticas o látego de Deus que restabelecerá a justiça, mesmo que temporária? O que a razão e o amor não quiseram fazer, será feito, com grande sofrimento para todos, pelas grandes e eternas leis naturais. Mal consigo desviar o olhar do dia do acerto de contas, do dia do juizo. Se vai acontecer nesta geração ou nas vindouras não sei. Deus sabe. Mas como está não pode continuar. O planeta está sofrendo e clama por um novo equilíbrio e por um pouco de paz".

- Leonardo Boff é Teólogo.
https://www.alainet.org/pt/articulo/120655
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