O sindicalismo no governo Lula-II

15/04/2007
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“Os sindicatos devem levar ao mundo a convicção de que seus esforços, longe de serem egoístas e ambiciosos, têm antes por objetivo a emancipação total das massas oprimidas”.
Karl Marx.

O sindicalismo brasileiro, que se tornou uma referência mundial a partir do final dos anos 70, atualmente padece da mesma grave, crônica e prolongada crise que atinge o conjunto do sindicalismo internacional. Naquela “fase de ouro”, ele passou por intenso processo de renovação ou reciclagem de suas direções, foi responsável por constantes recordes no número de greve, retomou a atuação intersindical de classe com a criação da CUT e de outras centrais, estendeu sua influência ao funcionalismo público (até então proibido de se organizar sindicalmente) e para o campo, e teve papel decisivo na luta pelo fim da ditadura militar.

Fruto desta dinâmica, própria da evolução da luta de classes no país, ele presenciou o crescimento da taxa de sindicalização de 16% para 24%, projetou inúmeras lideranças no cenário político – Lula foi expressão maior desta ascensão –, ganhou enorme credibilidade na sociedade (saltando para o segundo lugar entre as instituições mais respeitadas pelos brasileiros) e obteve importantes conquistas na Constituinte de 88. Enquanto na maioria esmagadora dos países o sindicalismo já sentia os efeitos destrutivos e regressivos da globalização neoliberal, no Brasil o cenário era bem diferente, mais favorável à luta dos trabalhadores.

A devastação neoliberal no Brasil

Hoje, entretanto, a realidade sindical no país é bastante preocupante. Nem sequer o governo Lula, oriundo das lutas sociais, foi capaz de reverter o descarrilamento do sindicalismo brasileiro. É certo que a crise é anterior ao atual governo. Ela começou a se manifestar com mais força nos anos 90. A ofensiva neoliberal no Brasil, iniciada no governo Collor de Mello e intensificada nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, foi um desastre para os trabalhadores e um inferno para o sindicalismo. A explosão recorde do desemprego, a corrosão salarial, a precarização do trabalho e a regressão de direitos intimidaram os que estavam empregados, apartearam os milhões de desempregados e colocaram na defensiva os sindicatos.

Diante desse cenário de fragilidade, as empresas promoveram uma reestruturação produtiva “selvagem” e atraíram os iludidos para suas “arapucas participativas”. Já os governos neoliberais, avessos à democracia, fizeram de tudo para satanizar e enfraquecer o sindicalismo. Logo no início do seu triste reinado, FHC acionou o Exército para reprimir a greve dos petroleiros, em maio de 1995, visando “quebrar a espinha dorsal dos sindicatos”. Projetos legislativos foram baixados com o intento de fragmentar as entidades, asfixiá-las financeiramente e impedir o seu acesso à Justiça do Trabalho. Os servidores federais, que tiveram seus salários congelados por oito anos, nem sequer foram recebidos pelo governo de FHC.

Da mesma forma como Collor de Mello patrocinou, inclusive com vultosos recursos, a fundação da Força Sindical, FHC apostou as suas fichas no enfraquecimento da CUT e na criação de centrais dóceis e servis. Amparado pela mídia, seu governo criminalizou os movimentos sociais, atacou violentamente o MST e as pastorais da igreja e desqualificou os críticos do seu mandato. Para impor a ferro e fogo o nefasto projeto neoliberal de desregulamentação, desestatização e desnacionalização, FHC implantou um novo tipo de “fascismo de mercado” no país. O sindicalismo virou alvo prioritário dessa “ditadura moderna” e padeceu dos piores momentos de toda a sua longa e combativa história!

Os efeitos foram devastadores: queda no índice de sindicalização, que retornou aos patamares de 16% da População Economicamente Ativa (PEA); assembléias esvaziadas; declínio do número de greves; crise de perspectiva nas direções sindicais – com várias lideranças bandeando para o campo neoliberal –; redução da influência das centrais e surgimento de inúmeras correntes abertamente favoráveis ao neoliberalismo ou adaptadas ao capitalismo; degeneração de vários dirigentes, mais preocupados com os seus aparelhos e privilégios, entre outras desgraceiras. O sindicalismo perdeu representatividade nas bases e força política na sociedade. Após a ascensão dos anos 80, ele entrou em profundo descenso a partir da década de 90.

A esperança renovada e frustrada

A consagradora vitória popular nas eleições presidenciais de outubro de 2002, expressão da revolta contra o neoliberalismo, abriu um horizonte promissor para os trabalhadores e seus organismos de classe. Pela primeira vez na história do Brasil, um operário e ex-sindicalista – referência maior da retomada das lutas grevistas, preso e enquadrado na Lei de Segurança Nacional pela ditadura militar e fundador da CUT – chegava ao Palácio do Planalto. Abria-se a possibilidade de uma expressiva alteração da correlação de forças no país, tornando-a mais favorável à luta dos trabalhadores e ao fortalecimento do sindicalismo.

Num pesadelo para a oligarquia, que logo taxou o novo governo de “república sindicalista”, Lula nomeou para o primeiro escalão 12 lideranças oriundas do sindicalismo – entre elas, vários fundadores da CUT. A mídia burguesa esperneou: “Lula dá emprego a mais de 40 sindicalistas”, incluindo os postos de segundo escalão. Ela também condenou a nomeação de lideranças identificadas com o MST e outros movimentos populares para cargos nas áreas de reforma agrária, política urbana e meio ambiente. Com atitudes de alto simbolismo, o presidente também pousou para fotos com bonés do temido MST e participou de inúmeras atividades dos movimentos sociais, num ato de respeito democrático às lutas dos trabalhadores.

O temor das elites era compreensível! Afinal, Lula fora eleito com um programa de mudanças – prevendo criar 10 milhões de empregos, dobrar o valor do salário mínimo, fortalecer o poder de fiscalização das Delegacias Regionais do Trabalho e combater a informalidade e a precarização do trabalho. Ele também firmara o compromisso de que o seu governo investiria no fortalecimento do diálogo com o sindicalismo, superando a truculência neoliberal e introduzindo novos mecanismos de participação democrática. Por estas e outras razões, o primeiro mandato do presidente Lula gerou fortes expectativas no campo popular.

Só que a realidade do primeiro mandato se mostrou mais complexa e cheia de obstáculos. O povo havia vencido uma eleição e não feito uma revolução; elegera um presidente, mas não tomara o poder, que se matinha nas mãos da oligarquia capitalista; derrotara o neoliberalismo, mas este permanecia hegemônico no mundo. A burguesia não ficou parada, lambendo suas feridas. Partiu para revanche. Ao mesmo tempo em que criticou a “falta de autoridade do presidente” na repressão às lutas sociais, usou a chantagem do mercado e a manipulação da mídia para enquadrar o governo e evitar que ele rompesse com a camisa-de-força neoliberal. Se na eleição “a esperança venceu o medo”, agora o medo se vingava da esperança!

Essa “ditadura do mercado” inclusive atraiu adeptos no interior do governo Lula. Os recém-convertidos ao credo liberal relativizaram as promessas de campanha, abandonando o projeto de mudança vitorioso nas urnas, e adotaram a agenda dos derrotados – como ficou patente na contra-reforma da Previdência. A manutenção e aprofundamento do tripé neoliberal – arrocho monetário, superávit primário e libertinagem financeira – impediram que o país superasse os seus graves problemas estruturais. Os avanços obtidos em outros terrenos, com a adoção de uma política externa altiva e soberana, a não criminalização das lutas populares e a prioridade aos programas sociais, foram ofuscados pelo continuísmo na área econômica.

Relação complexa e extremos perigosos

Esse cenário carregado de ambigüidades gerou perplexidade e confusão entre os trabalhadores e no meio sindical. Alguns setores, que há muito já manifestavam forte tendência reformista e social-democrata, se prostraram diante do discurso fatalista de que “não há alternativas ao neoliberalismo” e tentaram justificar todos os equívocos do novo governo, numa atitude de passividade acrítica e de puro adesismo. Algumas lideranças inclusive se deslumbraram com a chegada ao Palácio do Planalto, renunciando aos seus antigos compromissos de classe. Essa postura reforçou a crítica ao sindicalismo como um veículo “chapa branca” e feriu gravemente um de seus princípios mais sagrados: o da sua autonomia diante do Estado.

Ao invés de contribuir para os avanços do governo, pressionando por mudanças e intensificando as lutas sociais, essa passividade fortaleceu os neoliberais, de fora e de dentro do Planalto. Ela também reforçou a tendência já em curso no país de travestir o sindicalismo, mudando seu caráter de instrumento da luta de classe e tornando-o uma dócil ONG (organização “não-governamental”), que privilegia a intermediação de empréstimos bancários, a administração dos fundos de pensão ou o agenciamento e formação de mão-de-obra barata para o mercado. Estes limites ficaram visíveis na postura dúbia da CUT na greve nacional contra a reforma da previdência e na timidez diante dos minguados reajustes do salário mínimo.

No extremo oposto, outros setores partiram direto para a oposição frontal ao governo Lula, acusando-o de neoliberal e imperialista e afirmando não existir diferenças com o famigerado FHC. Sem levar em conta a adversa correlação de forças, a natureza híbrida do governo e alguns avanços palmilhados, o voluntarismo esquerdista jogou no ceticismo político e reforçou o coro da elite rentista no seu intento golpista. Ao invés de concentrar energias no combate aos neoliberais, de fora e de dentro do governo, esta postura estimulou a demarcação sectária no campo popular e teve como efeito prático e desastroso a divisão da CUT, com a criação do gueto da Conlutas, o que dificultou a ação dos classistas no interior da maior central brasileira.

Historicamente, a relação entre Sindicato, Partido e Estado sempre gerou acirrada polêmica, como ilustra o embate entre Lênin e Trotsky. O governo Lula, algo inédito na história do país, exigia maior equilíbrio e habilidade na definição da tática ajustada. Mas, infelizmente, o movimento sindical resvalou nos extremos da passividade acrítica e do voluntarismo sectário. Como efeito das limitações e desvios do governo Lula, ele não conseguiu encarar essa conquista histórica como um meio, e não um fim, para avançar na luta por um país soberano, democrático e mais justo, como aproximação do objetivo socialista. À crise estrutural, derivada da ofensiva neoliberal e da “revolução informacional”, juntou-se uma grave crise teórica.

Uma segunda oportunidade histórica

O desenvolvimento da luta de classes no país, entretanto, tem contribuído mais recentemente para ajustar a tática do sindicalismo. Diante da política conciliadora e vacilante do governo e das práticas degeneradas no lodaçal da democracia burguesa, a direita neoliberal partiu para a revanche e apostou as suas fichas no impeachment do presidente. Esta ação golpista, incensada pela mídia burguesa, forçou uma postura mais ativa do sindicalismo, que saiu às ruas para denunciar o bloco liberal-conservador e exigir o avanço nas mudanças. Mesmo setores mais críticos, como o MST, perceberam o risco do retrocesso. Apenas algumas correntes mais sectárias mantiveram a palavra de ordem do “fora Lula”, para o deleite da elite burguesa.

Aproveitando-se do clima de maior democracia e da frágil retomada da economia, o sindicalismo também intensificou a pressão para conquistar avanços parciais. A própria CUT saiu da sua letargia, organizando marchas pelo aumento do salário mínimo e pela correção do Imposto de Renda e questionando de forma mais incisiva a ortodoxia neoliberal. Já a maioria das categorias obteve aumentos reais de salário nas suas datas-bases, segundo balanço do Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Sócio-Econômicas (Dieese), um fato inédito nos últimos tempos. Numa ação ainda de resistência, o sindicalismo conseguiu barrar temporariamente algumas investidas do capital, como a da terceira fase da reforma da Previdência.

O choque entre os projetos liberal-conservador e popular-democrático, ainda que bastante desidratado no primeiro mandato do governo Lula, ficou ainda mais explícito na eleição presidencial do final de 2006. O resultado do pleito confirmou que o povo não aceita o retrocesso e deseja avançar nas mudanças, dando uma segunda chance ao presidente Lula. A direita neoliberal foi escorraçada nas urnas, perdendo quase 2,5 milhões de votos no segundo turno e reduzindo sua presença em importantes regiões. Além do êxito eleitoral, o campo democrático-popular obteve expressiva vitória ideológica, ao colocar na defensiva os defensores da privatização, do “estado mínimo”, da colonial Alca e da criminalização das lutas sociais.

O resultado do pleito no Brasil e a crescente resistência ao neoliberalismo, em especial na América Latina com as vitórias sucessivas de forças progressistas e até revolucionários, criam melhores condições para o avanço das mudanças. O quadro de forças indica que é possível adotar uma tática mais ofensiva, mesmo ainda num cenário de defensiva estratégica dos trabalhadores. No segundo mandato, iniciado em janeiro de 2007, o presidente Lula reúne condições para iniciar um novo ciclo de desenvolvimento, superando os entraves neoliberais. A dúvida é se ele terá convicção de projeto e ousadia política para adotar esse rumo; ou se manterá sua postura conciliadora e pragmática, expressa no infeliz bordão do “lulinha, paz e amor”.

Os primeiros sinais são contraditórios. Sensível às urnas, que indicaram o desejo do trabalhador de que o país se desenvolva e gere emprego e renda, o presidente reeleito apresentou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), visando reforçar o papel indutor do Estado e superar o mito do “deus-mercado”. No mesmo rumo progressista, o governo vetou uma emenda apresentada pela bancada patronal no parlamento que limitava a fiscalização nas empresas e incentivava a precarização, inclusive o trabalho escravo. Outra iniciativa positiva tem sido a da constituição de uma Rede Pública de TV, com o objetivo de se contrapor ao poder da ditadura midiática, que hoje é o principal “partido do capital” no Brasil.

Ao mesmo tempo, porém, o governo insiste em não mexer nos interesses do capital financeiro, mantendo intocado o tripé neoliberal, o que pode empacar o PAC. Além disso, este novo programa, decisivo para o futuro do governo e da própria esquerda brasileira, também apresenta contrabandos, como o que fixa em 1,5% o reajuste da folha de pagamento do funcionalismo público e engessa o próprio fortalecimento do Estado. Para se contrapor à esperada resistência deste setor, o governo especula com a idéia desastrosa de cercear o direito de greve dos servidores e dos trabalhadores dos “setores essenciais”.

Lula-II e os desafios do sindicalismo

Como se observa, o segundo mandato do presidente Lula colocará enormes desafios para o sindicalismo brasileiro e será definidor do futuro da luta de classes no país. Mas o cenário atual, pelos mesmos fatores apontados acima, é bem mais favorável ao avanço das lutas proletárias e, da mesma forma, confirma que é possível e urgente que os movimentos sociais adotem uma tática mais ofensiva e ousada. Será preciso apreender com os equívocos do passado, evitando tanto a passividade acrítica como o voluntarismo que não leva em consideração a real correlação de forças na sociedade brasileira.

Neste sentido, três desafios surgem na atuação tática diante do governo Lula. O primeiro é o de preservar a autonomia do movimento sindical. Qualquer confusão nesta tão complexa relação com o Estado será fatal para a luta dos trabalhadores, deixando-os desarmados para enfrentar as manobras do capital e as vacilações do governo. O segundo é o de intensificar a luta de classes e elevar a pressão social. A melhor forma de viabilizar um projeto de esquerda no governo é através da pressão. Hoje, diante do fascismo do mercado, não basta votar em governos progressistas. É preciso manter forte e permanente pressão social. Em terceiro, será preciso agir com sabedoria política, evitando as artimanhas da direita neoliberal.

Em termos concretos, a combinação destes três elementos – numa equação que é fácil de falar, mas difícil de fazer – tem efeitos práticos palpáveis. De imediato, significa apoiar o veto do presidente Lula contra a emenda que precariza o trabalho, já batizada de “emenda da Globo”; apostar na criação da rede pública de TV; e dar um conteúdo mais avançado ao PAC, objetivando a valorização do trabalho e a inclusão social. No outro pólo, mantendo a autonomia e reforçando a pressão, significa rejeitar, de forma contundente, o continuísmo neoliberal na política macroeconômica; condenar a tentativa de nova reforma da previdência; e rejeitar qualquer regressão pragmática na política externa brasileira.

Além da urgência de ajustes táticos na relação com um governo oriundo de suas lutas, o sindicalismo está diante de outros desafios de envergadura e de novas oportunidades históricas. Entre eles, vale destacar cinco temas estratégicos para o fortalecimento do sindicalismo classista e para o avanço da acumulação de forças e da disputa de hegemonia na sociedade no rumo da superação da barbárie capitalista:

a) Politização da classe. A vida demonstrou que não basta o sindicalismo lutar pelas questões imediatas, econômicas e corporativas; que é preciso alterar as forças nos postos de comando do país para garantir as conquistas duradouras para sua classe. Agora, indica que também não basta eleger governos identificados com os anseios dos trabalhadores; que o poder da “ditadura do mercado” é violento. Ambos ensinamentos reforçam ainda mais a necessidade de se forjar um sindicalismo que politize a classe e interfira nos rumos políticos do país. Sem mudanças estruturais não haverá desenvolvimento, soberania e valorização do trabalho. Sem um sindicalismo protagonista da luta política não haverá as urgentes mudanças estruturais.

b) Organização na base. Não existe sindicalismo forte sem sólidas organizações nos locais de trabalho. As empresas sabem disso e usam todos os recursos para evitar esse enraizamento; não querem permitir o duplo poder no coração da exploração. A ditadura militar proibiu os sindicatos; o neoliberalismo procurou quebrar sua espinha dorsal; e as novas técnicas gerenciais tentam torná-lo supérfluo. O novo ciclo político aberto no país cria uma possibilidade ímpar para fortalecer o sindicato na base, inclusive com a conquista do seu reconhecimento legal. Mas, contraditoriamente, também coloca armadilhas. Governos de origem popular sempre representam o risco de cooptação de lideranças, da institucionalização dos sindicatos, dos conchavos palacianos, do cupulismo. Esse novo ciclo político só trará saldo positivo se a organização no local de trabalho (OLT) for encarada como prioridade máxima do sindicalismo, em palavras e atos!

c) Formação de classe. A ofensiva neoliberal acuou os sindicatos. Entre outros malefícios, houve um natural envelhecimento das direções sindicais, fruto do defensividade das lutas e do esvaziamento das entidades. Pesquisa realizada no 8º Concut, em julho de 2003, revelou que 58% dos delegados tinham mais de 40 anos de idade (enquanto no 5º Concut, em 1994, eram 29%); que 60% pertenciam às direções dos sindicatos e apenas 6,7% provinham diretamente das bases; e que 69% ocupavam cargos de direção nas entidades há mais de 10 anos. Essa amostragem, bastante significativa, revela a preocupante ausência da renovação das lideranças e a fragilidade do trabalho de formação e de reciclagem político-sindical dos dirigentes e ativistas de base. O investimento em formação é hoje uma prioridade e deve ser tratada como emergencial. Do contrário, os sindicatos não expressarão as novas realidades do trabalho, inclusive com o crescente ingresso de jovens, e não terão como dar respostas ao complexo debate de idéias que permeia a sociedade e os próprios locais de trabalho – onde o patronato disputa a mente do trabalhador.

d) Ação intersindical. Para interferir nos rumos do país não basta a atuação meramente corporativa, por categoria. A unidade da classe é indispensável. No governo Lula ainda são tímidas as medidas no sentido de fortalecer as centrais como instrumento de horizontalização e de unificação da classe. Por outro lado, o complexo quadro atual provoca certa fragmentação dos organismos dos trabalhadores. O sindicato é um instrumento de frente única no qual se expressam diferentes concepções. A sua força reside exatamente na garantia da unidade na diversidade. Qualquer postura hegemonista coloca em risco a indispensável união dos trabalhadores. Hoje, mais do que nunca, é preciso democratizar CUT, garantir sua autonomia diante do Estado e imprimir-lhe uma marca nitidamente classista. Do contrário, esta central corre sérios perigos.

e) Movimentos sociais. As recentes mutações na forma de exploração capitalista, decorrentes da ditadura do capital financeiro, do amargo remédio neoliberal e da reestruturação produtiva, colocaram em cheque a própria forma-sindicato. O problema não é apenas conjuntural, de defensiva momentânea; ele é estrutural, de longo fôlego. Reflete profundas mudanças na composição de classe dos trabalhadores, que hoje é mais complexa e fragmentada. Reduzida parcela sobrevive no mercado formal; muitos padecem em empregos precarizados; milhões estão desempregados; e milhões vegetam na informalidade.

Os sindicatos hoje representam parcela minoritária dos explorados – dos 82 milhões de trabalhadores no país, 32 milhões estão no mercado formal e, destes, uns 16% são sindicalizados. Por isto, os conflitos de classe eclodem atualmente em vários espaços – nas ocupações das terras ociosas, na luta por moradia, na rebeldia da juventude. Na prática, o sindicalismo não tem mais força para, isoladamente, liderar os demais setores e hegemonizar um projeto alternativo. A nova realidade impõe novas formas de articulações dos explorados, que unam as variadas iniciativas dos setores populares. A recém-formada Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), que reúne CUT, MST, UNE, CMP, Conam, pastorais da igreja, entre outros, pode se tornar esse embrião da unidade. Para isso, é indispensável a ativa contribuição do sindicalismo.

* Artigo escrito para a revista Contexto Latino-Americano, editada por Roberto Regalado, dirigente da Seção de América do Departamento de Relações Internacionais do Partido Comunista de Cuba.

- Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição).
https://www.alainet.org/pt/articulo/120556
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