Jon Sobrino:companheiro de tribulação
29/03/2007
- Opinión
Jon, amigo e irmão: A \"notificação\" da Congregação para a Doutrina da Fé (ex-Santo Ofício) condenando opiniões suas sobre Cristo porque não se coadunariam com a fé cristã, me encheu de profunda tristeza. Vi funcionar contra você o mesmo método e a mesma forma de argumentação usados contra mim com referência à doutrina sobre a Igreja. O método é o do pastiche que consiste em pinçar partes de frases, combinadas com outras e assim criar um sentido que não corresponde mais ao que o autor escreveu. Ou então fazem-se distorções de textos de forma que o autor não se sente mais nele representado. Entendo e apoio sua decisão corajosa:\"não me sinto representado em absoluto no juizo global da notificação; por isso não me parece honrado subscrevê-la; ademais seria uma falta de respeito aos teólogos que leram minha obra e nela não acharam erros doutrinais nem afirmações perigosas\".
De fato, eminentes especialistas na área analisaram, a seu pedido, suas obras, Sesboué da França, Gonzáles Faus da Espanha, Carlos Palacio do Brasil entre outros. Todos foram unânimes em reafirmar sua ortodoxia. Por que não contaram estas opiniões? Isso nos faz suspeitar que sua condenação é apenas um alibi para golpear, uma vez mais, a teologia da libertação comprometida com o povo crucificado, coisa que não agrada ao Vaticano.
Mas o que mais me dói foi escolher exatamente a você para esse intento espúrio. Você é um sobrevivente do martírio, quando em novembro de 1989 em El Salvador toda sua comunidade de seis jesuitas e mais a empregada e sua filha foram assassinados por elementos das forças armadas. Você fora me substituir num cursinho de cristologia na Tailândia que eu não podia atender e assim escapou de ser também assassinado. O seu depomento \"Os seis jesuitas mártires de El Salvador\" é uma das mais belas páginas de espiritualidade e de comossão refletida escritas na Igreja da América Latina. Escolheram a você que eu considero como o nosso mais profundo teólogo latino-americano, aquele que melhor articula espiritualidade e teologia, inserção no povo crucificado e reflexão, aquele que (sinceramente o digo) mais apresenta as virtudes insignes que caracterizam a santidade. Separaram sua obra de sua vida, doente e ameaçada, como se pudessem separar corpo de alma. Só autoridades \"carnais\" que perderam todo o sentido do Espírito, para falar como São Paulo, poderiam perpretar tamanha agressão.
Mas há uma razão mais profunda. Sua teologia incomoda autoridades religiosas que se assentaram sobre o poder sagrado e ai se fossilizaram. Você sempre tem insistindo que a Igreja deve dizer a verdade da realidade que em nosso Continente é brutal para com os pobres porque os mata de fome e de exclusão. Por isso a Igreja tem que ser aqui libertadora, articular fé e justiça, teoria e práxis e fazer-se fundamentalmente Igreja dos pobres e dos povos crucificados.
Bem disse Dom Oscar Romero também assassinado en El Salvador a quem você tanto assessorou: \"Mata-se aquele que estorva\". Você participa, de certa forma, deste destino. Sei que você continuará trabalhando e escrevendo para que os crucificados possam ressuscitar. No fundo sei que você se alegra no Espírito de poder participar um pouco da paixão do povo sofredor.
Companheiros de tribulação, entendemos que o serviço último não é à Igreja mas na Igreja a Deus, às pessoas, especialmente, aos pobres que um dia irão julgar se nossa teologia foi apenas ortodoxa e não ortoprática, aquela que, de fato, corrobora na libertação.
- Leonardo Boff é Teólogo
De fato, eminentes especialistas na área analisaram, a seu pedido, suas obras, Sesboué da França, Gonzáles Faus da Espanha, Carlos Palacio do Brasil entre outros. Todos foram unânimes em reafirmar sua ortodoxia. Por que não contaram estas opiniões? Isso nos faz suspeitar que sua condenação é apenas um alibi para golpear, uma vez mais, a teologia da libertação comprometida com o povo crucificado, coisa que não agrada ao Vaticano.
Mas o que mais me dói foi escolher exatamente a você para esse intento espúrio. Você é um sobrevivente do martírio, quando em novembro de 1989 em El Salvador toda sua comunidade de seis jesuitas e mais a empregada e sua filha foram assassinados por elementos das forças armadas. Você fora me substituir num cursinho de cristologia na Tailândia que eu não podia atender e assim escapou de ser também assassinado. O seu depomento \"Os seis jesuitas mártires de El Salvador\" é uma das mais belas páginas de espiritualidade e de comossão refletida escritas na Igreja da América Latina. Escolheram a você que eu considero como o nosso mais profundo teólogo latino-americano, aquele que melhor articula espiritualidade e teologia, inserção no povo crucificado e reflexão, aquele que (sinceramente o digo) mais apresenta as virtudes insignes que caracterizam a santidade. Separaram sua obra de sua vida, doente e ameaçada, como se pudessem separar corpo de alma. Só autoridades \"carnais\" que perderam todo o sentido do Espírito, para falar como São Paulo, poderiam perpretar tamanha agressão.
Mas há uma razão mais profunda. Sua teologia incomoda autoridades religiosas que se assentaram sobre o poder sagrado e ai se fossilizaram. Você sempre tem insistindo que a Igreja deve dizer a verdade da realidade que em nosso Continente é brutal para com os pobres porque os mata de fome e de exclusão. Por isso a Igreja tem que ser aqui libertadora, articular fé e justiça, teoria e práxis e fazer-se fundamentalmente Igreja dos pobres e dos povos crucificados.
Bem disse Dom Oscar Romero também assassinado en El Salvador a quem você tanto assessorou: \"Mata-se aquele que estorva\". Você participa, de certa forma, deste destino. Sei que você continuará trabalhando e escrevendo para que os crucificados possam ressuscitar. No fundo sei que você se alegra no Espírito de poder participar um pouco da paixão do povo sofredor.
Companheiros de tribulação, entendemos que o serviço último não é à Igreja mas na Igreja a Deus, às pessoas, especialmente, aos pobres que um dia irão julgar se nossa teologia foi apenas ortodoxa e não ortoprática, aquela que, de fato, corrobora na libertação.
- Leonardo Boff é Teólogo
https://www.alainet.org/pt/articulo/120258
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