Na terra de García Lorca

11/03/2007
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Retornei, no Carnaval, à Universidade de Granada, onde estive em novembro de 2006. Fundada há 500 anos, hoje ela abriga 60 mil estudantes. “Ética e sociedade civil” foi o tema do novo seminário. Entre os conferencistas destacam-se Boaventura de Sousa Santos, Marciano Vidal e Juan José Tamayo.

Visitei a casa de Federico García Lorca. Formado em Direito por aquela universidade, amigo de Buñuel e Dali, em 1929 ele visita os EUA, Cuba e Argentina. Ao retornar a seu país, funda um grupo de teatro e não esconde seu homossexualismo e suas idéias socialistas. Em agosto de 1936, com o início da Guerra Civil que levaria à ditadura do general Franco, apoiada pela Igreja Católica, Lorca refugia-se em Andaluzia, sua terra. Um deputado franquista ordena a prisão do jovem poeta sob o argumento de que “ele seria mais perigoso com a caneta do que outros com o revólver.” Assassinado com um tiro na nuca, o corpo é jogado em algum ponto da Serra Nevada, próxima a Granada. Lorca deixou-nos, aos 38 anos, uma obra de altíssima qualidade em poesia, prosa e teatro.

Último baluarte da ocupação moura da Espanha, Granada reintegrou-se à cristandade no mesmo ano em que Colombo chegou à América. Evitou-se, durante uma década, a repressão aos vencidos, e o Palácio de Alhambra, preciosidade arquitetônica habitada pelos reis muçulmanos, foi poupado, embora as mesquitas edificadas sobre antigos templos católicos tenham servido de alicerce à construção de novas igrejas, cujos campanários substituíram os minaretes... Granada, eternizada pela bela canção de Agustín Lara, é o nome espanhol de romã – que simboliza a cidade. O nome do explosivo deriva desta fruta repleta de sementes.

Encontrei uma Espanha tensa frente às ameaças de terrorismo, às freqüentes greves de trabalhadores de setores essenciais, como transporte, e às hordas migratórias oriundas da África, atraídas pela economia mais robusta da União Européia. Morta a primeira soldado espanhola no Afeganistão, nos últimos dias de fevereiro, a Espanha se sente incomodada com as pressões da Casa Branca para colaborar com tropas de ocupação em países estrangeiros. Jovens militares engrossam a estatística de mortos e feridos por se meterem numa guerra que não é deles. É bem verdade que Zapatero já retirou do Iraque as tropas espanholas, marcando sua posição contraria à beligerância de Bush.

As relações entre o governo e a hierarquia católica estão a ponto de ebulição. Temas como casamento de homossexuais (aprovado em plebiscito) e células-tronco causam tanta irritação aos bispos quanto a introdução, no currículo escolar, da disciplina Educação Cidadã, opção aos alunos que se recusam a assistir às aulas de religião.

Zapatero teme que seu futuro próximo seja o presente de Prodi, primeiro-ministro da Itália, derrubado por pressão conjunta do Vaticano e de Washington. Os EUA querem ampliar suas bases militares em território italiano, cumprindo acordo firmado com Berlusconi, chefe do governo anterior. E a Santa Sé receia que Prodi repita Zapatero e convoque um plebiscito sobre casamento de homossexuais.

Coube-me, no seminário de Granada, o tema da ética e poder. Voltei às teses expostas em meu mais recente livro, “A mosca azul” (Rocco), frisando que a primavera democrática que desponta hoje na América Latina, após décadas de ditaduras militares, comprova que o povo se cansou das velhas oligarquias políticas e, agora, vota naqueles que lhe são à imagem e semelhança. Vota na esperança de que haja mudanças em nossa estrutura social pela via democrática e pacífica. Caso os novos governos decepcionem a expectativa popular, só Deus sabe o futuro que nos aguarda.

Frisei que não basta exigir ética dos políticos. É preciso criar instituições políticas e jurídicas capazes de inibir e coibir os corruptos. Portanto, qualquer debate sobre ética na política que ignore a urgência de uma reforma que imprima ética à política é chover no molhado. No andar de cima, o Brasil precisa de reforma política; no de baixo, da reforma agrária. Fora disso, o resto é palavrório eleitoreiro, pura engabelação para iludir os incautos.

- Frei Betto é escritor, autor de “Gosto de Uva” (Garamond), entre outros livros.
https://www.alainet.org/pt/articulo/119900
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