Lei da natureza: que natureza?

27/09/2006
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Nas discussões relativas à sexualidade, ao uso dos preservativos, ao homosexualismo e à manipulação genética geralmente o discurso católico oficial faz constante apelo à lei natural para justificar seu decidido "não". De que natureza, afinal, se trata? A leitura que as autoridades eclesiásticas fazem é dependente da filosofia neo-escolástica para a qual a natureza humana é algo imutável e reflexo da ordem inviolável da criação. A razão seria apenas um órgão de simples leitura das normas já dadas de antemão pela natureza. Este é um tipo de representação (metafísica) possui grave inconveniência: abstrai de algo essencial ao ser humano que é seu caráter histórico, sua capacidade de diálogo e de intervenção nos processos da natureza. Não reconhecer esse fato faz com que não se valorize a autonomia e a criatividade do ser humano, tão caras à modernidade e também à concepção biblica. Assim, se torna estéril a contribuição católica ao debate ético atual referente às células-tronco e ao uso de preservativos para evitar a disseminação da AIDS que afeta milhões e devasta várias nações da Africa. Somos a favor do recurso à lei natural desde que se atenda à dialética que preside o ser humano. Por um lado ele está dentro da natureza e é parte dela. Por outro, está vis-a-vis à natureza, porque, por sua criatividade, intervém nela introduzindo mudanças consoante seus projetos. Ele é construido por estas duas forças: pela natureza, sempre em evolução e pela história também sempre cambiante, fruto de sua liberdade. É um dado da natureza, que o faz diferente dos animais, das plantas e das bactérias e é um dado da história, feito pela liberdade. Ambos os dados são realidades abertas. Esta situação complexa torna difícil uma definição do que seja a natureza humana. Ela não está fixada uma vez por todas. Está ainda se construção. Nenhuma compreensão compreende tudo dela. Isso faz com que o ser humano nunca esteja contente consigo mesmo mas queira sempre ir além e se autosuperar. Por isso, a compreensão não pode ser substancialista e fechada mas evolutiva e aberta. Resumindo podemos dizer: a natureza humana é inteira mas inacabada. Resulta da combinação da natureza e da história. Encontra-se sempre em gênese. Como tal, ela não prescreve nenhuma norma de ação concreta. Ela funciona como um rizoma (conjunto de raizes) que apontam para múltiplas direções possíveis. Qual direção tomar? Cabe à liberdade e à responsabilidade, pessoal e coletiva, definir uma determinada direção. O tipo de direção que tomar, vai dizer o que é ético ou anti-ético, responsável ou irresponsável. A direção que diz: "cuida e promova a vida" funda o princípio supremo da ética. Tudo o que ajuda e expande a vida é eticamente bom. Tudo o que diminui e ameaça a vida é ruim. A despeito da morte, a vida é chamada à vida. É o imperativo da natureza e o desejo da história. O ser humano, portador desta natureza, deve estar sempre atento aos apelos que a vida e a história lhes colocam. Hoje, por exemplo, usar preservativos ou células-tronco por amor à vida seria ético. Proibi-lo, em nome de uma pretensa lei natural que, obedecida, acaba por ameaçar e até matar a vida, seria anti-ético e irresponsável. Esta visão é confirmada pelas Escrituras:"vos proponho a vida e a morte; escolhe a vida para que vivas"(Deuteronômio 30,19) e por Jesus: "vim trazer vida e vida em abundância"(João 10,10). Servir à vida, em todas as suas formas, também à divina, eis é a suprema destinação da ética. - Leonardo Boff é Teólogo.
https://www.alainet.org/pt/articulo/117306
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