A la moda Franco
26/07/2006
- Opinión
Acreditamos que somente os indivíduos dotados de sangue frio, ou dizendo de outra maneira, os indivíduos batráquios, anuros, que adaptam a temperatura do seu sangue ao meio ambiente, poderiam ler com indiferença as linhas que se seguem: "O sangue de Espanha - Há 70 anos uma rebelião militar deu início à guerra civil, mas foi uma luta onde os bons não apareceram". Se o objetivo de um texto é despertar a curiosidade, levantar-se da vala comum onde jazem os que se publicam todos os dias, mas resssurgir, levantar-se pelo zurro mais alto, o objetivo foi conseguido. Estava lá, como um cadáver em folha ressurreto, na Folha de São Paulo de 19 de julho de 2006, o artigo O sangue de Espanha. Que bons não apareceram?, nós nos perguntamos. Teria sido um homem, alguém como um poeta ao nível de Garcia Lorca, sepultado para o olvido eterno? Seriam aqueles heróis em carne e osso de Guernica, dos quais a história não registrou os nomes? Que bons, enfim, não teriam aparecido até o presente dia? E por isto, encantados pelo ornejo introdutório daquele artigo, pois até nas vozes menos harmônicas resiste alguma beleza, continuamos.
Os bons e os maus Acreditem. O zurro, por seu poder de síntese, é mais belo. Porque mais adiante, ao procurar os bons que não apareceram até então, somos levados a ler as exibidas, de exibicionismo, linhas a seguir. "De acordo com a versão infantil da guerra, popularizada durante décadas por uma historiografia preguiçosa e ideologicamente comprometida, tudo foi simples: em 1936, a Frente Popular, uma simpática agremiação de democratas sem malícia (ou milícia), ganhou as eleições. A 'direita', uma mistura antipática de conservadores, monárquicos e fascistas, não tolerou e reagiu. Foi o princípio do fim. De um lado, os bons: os republicanos, apoiados pela 'democracia' de Moscou e pelos intelectuais que acorreram ao conflito. Do outro, os maus: os nacionalistas, que a Itália e a Alemanha armavam. A Espanha de 1936 era uma luta de morte entre a democracia e o fascismo. O fascismo venceu. Até 1975". Mirem. Quando de uma lado se unem fascistas, monarquistas e conservadores; como deveria ser chamada essa gang? De bando exemplar para as gerações futuras? De valores inolvidáveis da humanidade? Do outro lado se encontram alguns dos maiores intelectuais do século XX, e mais democratas, socialistas, comunistas e patriotas, por vezes integrados em uma só pessoa. Como é mesmo que deveria ser chamado esse outro bando? De indivíduos desonestos, mercenários, dignos de tiros no crânio? Sim, como deveriam ser chamados? Mas aqui, como os testemunhos e obras de uns e outros são mui eloqüentes, afirma-se que há maniqueísmo, porque nem todos os bons são assim tão bons, nem todos os maus são assim tão perversos. E a história ensina, etc. etc.etc. Mirem. Aqui se levanta um passo comum a todo servidor de regimes de direita (pero hay esto?), um recurso comum a todo indivíduo conservador, ou em fase de má consciência, quando tempos de democracia surgem. É como uma justificativa moral dos crimes que viram, participaram, ou para os quais mantiveram um cômodo silêncio. Trata-se de relativizar a história. Como nem todas vítimas, como nem todo resistente é um sujeito blindado por ética 100%, como todo e qualquer homem erra e muito erra, passa-se a vê-lo a partir de pequenas vilezas, para que se mostrem como ídolos de pés de barro. E quanto aos beneficiários da ordem infame, bueno, são homens contraditórios, conservadores pero, reacionários pero..., de direita - se é que isto existe ainda, pois caiu o muro de Berlim!!! -pero homens íntegros, conservadores à moda antiga, uma redundância que apenas exalta a honestidade integral de homens que não gostaríamos de ter como amigos. Reacionários, sim, mas de bom coração. Daí que não pode ser aplicado o maniqueísmo de julgar que a virtude, e somente a virtude, nada mais que a virtude, esteja em quem entregou a sua vida a uma resistência heróica em tempos de guerra. É o recurso da meia verdade, ou do mentir em mistura a verdades. O recurso de advogado de assassinos. Mas se há registros, documentos do que tais santos de pau oco fizeram, ah, essa historiografia preguiçosa, ideológica, que tédio.
Os bons historiadores E continua, a supor que saiu do primeiro ponto, o artigo publicado na Folha: "Ninguém acredita mais nesta simplória versão dos fatos, corrigida nos últimos anos por Antony Beevor ou Stanley Payne, para citar apenas dois nomes centrais de uma historiografia moderna que se beneficiou, e muito, da abertura dos arquivos soviéticos. E, se todos conhecemos as atrocidades de Franco, capaz de mandar fuzilar opositores do regime entre duas garfadas de paella, o que teria sucedido à Espanha se a República tivesse vencido? Não seria, com certeza, uma democracia parlamentar, respeitadora das liberdades civis e religiosas, como os próprios republicanos se encarregaram de mostrar desde, pelo menos, 1934: ou a Espanha seguia o curso soviético, garantia Largo Caballero, líder dos socialistas, ou a guerra seria o único caminho. A guerra foi o único caminho: depois de 1936, com uma vitória tangencial por 150 mil votos, a Frente Popular entendia que um tão magro mandato autorizava tudo. Centenas de igrejas queimadas. Centenas de assassinatos políticos. E um pretexto para a guerra". Pero há outros historiadores, embora não tão bons quanto o lado bom do autor bom do bom artigo. Bueno, pero antes. Vale observar que aqui, mais uma vez, cai o mito da imparcialidade da imprensa, que chefes de reportagem mais apressados traduzem por um "ouvir o outro lado". Ainda que o texto comentado não seja bem uma reportagem, ele toca em questões tão sérias e importantes que não poderiam ser deixadas com apenas uma versão, ou pior, aversão, pela história e ideais democráticos. Um bom editor, digo, um editor cheio de defeitos, metade bom, metade ruim, deveria publicar versões menos embusteiras, ou pelo menos ouvir alguém do "outro lado", do lado dos ruins, dos idiotas que respeitam a brava luta que antecedeu a Segunda Guerra Mundial. Quando nada, para lembrar uma página escrita pelos homens que nos acostumamos chamar humanidade. Se Hemingway, George Orwell, John dos Passos, André Malraux, Lorca, Saint-Exupéry, Robert Capa, Antonio Machado, José Bergamín, Miguel Hernández, Rafael Alberti, nada dizem à pressa, informação e idéias do senhor editor, pelo menos ouvisse o que historiadores, intelectuais espanhóis dizem hoje dessa guerra civil. A memória não pode ser insultada impune.
O outro lado Jesús Gómez, editor de La Insígnia (www.lainsignia.org), nos respondeu a algumas perguntas, que julgamos de utilidade pública transcrever. No que se refere à Espanha republicana seguir o modelo soviético: "Como recuerda Daniel Kowalsky en un texto manifiestamente recomendable ('La Unión Soviética y la guerra civil española') 'España no reconocería la legalidad del régimen bolquevique hasta mediados de 1933, y el intercambio de embajadores no se produjo hasta después de que estallara la guerra civil.' El PCE era por entonces marginal, sin fuerza ni extensión para poder influir en la política española; su crecimiento se produjo más tarde, durante la guerra. Por otra parte, la relación de la República con la URSS fue siempre de cierta desconfianza, una relación obligada por ser, como te comentaba, el único país dispuesto a vender armas al Gobierno democrático." Quanto ao terror, crimes e assassinatos: "Se produjeron muchos asesinatos antes del 18 de julio de 1936, incluido el del líder de la derecha, Calvo Sotelo, pero la mayoría fueron asesinatos de trabajadores, militantes y militares de la izquierda. El golpe de Estado se había proyectado en febrero, cuando el Frente Popular ganó las elecciones, y sólo se pospuso hasta julio por razones logísticas. No necesitaban ningún pretexto para la guerra. Necesitaban coordinar la operación con Berlín y Roma, porque sin ellos no tenían ninguna posibilidad. En cuanto a los excesos posteriores al 18 de julio, fueron precisamente consecuencia del hundimiento del Estado republicano tras el golpe fascista. La situación se normalizó cuando el Gobierno recobró el control, y en todo caso, siempre fueron situaciones del todo ajenas al gobierno republicano." E para esse final do artigo da Folha: "Uma vitória da "esquerda" em 1939 teria transformado a Espanha do século 20 na Romênia do século 20: um longo regime comunista que, provavelmente, só a queda do Muro, em 1989, teria libertado de vez. Uma luta entre bons e maus? Não. Uma luta onde os bons simplesmente não apareceram" Assim respondeu e comentou Jesús Gómez: "Lo importante del asunto es que João Pereira Coutinho justifica a Hitler, a Mussolini, a Franco. Es un revisionista histórico, que pretende poner en el mismo plano al fascismo y a los regímenes democráticos. Es decir, Pereira ataca al Estado de derecho, que es precisamente hijo del triunfo de los aliados sobre el Eje y del pacto internacional que suponen los juicios de Núremberg". No que também terminamos, porque nada mais próprio poderia ser escrito.
https://www.alainet.org/pt/articulo/116281?language=en
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