Via Campesina: Tempo para Reforma Agrária

09/03/2006
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A reforma agrária é uma das questões mais cruciais em relação ao destino das áreas e dos povos rurais. O que a reforma agrária significa tem estado no centro dos debates da conferência internacional da FAO sobre a reforma agrária e desenvolvimento rural, em Porto Alegre, Brasil, de 7 a 10 de março de 2006. Mesmo que muitas das pessoas urbanas possam não ter consciência disso, as grandes e pequenas cidades são extremamente dependentes do que ocorre nas áreas rurais. As cidades vivem dos recursos provindos do interior. E todas as pessoas, rurais e urbanas, dependem da terra para a sua necessidade humana mais básica: alimentação. Além disso, em muitos lugares do mundo a agricultura fornece trabalho para mais da metade da população. Para os movimentos sociais do mundo inteiro, o acesso e o controle dos recursos naturais e especificamente da terra, da água e das sementes, está no cerne da nossa luta. Contudo, os governos do mundo não conferem a estas questões muita importância. Quase trinta anos se passaram desde que a primeira conferência internacional sobre a reforma agrária aconteceu, em 1979. O grande espaço de tempo que transcorreu para que se retornasse a esse tópico e o fato de que muitos governos deixaram de comparecer à conferência, indica a baixa prioridade dada à reforma agrária. Apenas 80 países dos 188 convidados para a conferência da FAO enviaram delegações para Porto Alegre. Não houve nenhum chefe de estado presente. Esta falta de interesse é uma falha de visão perigosa, por muitas razões. A crescente pobreza rural em todas as partes do mundo significa uma crise humanitária. O alijamento de camponeses, de pequenos proprietários rurais e de pescadores das suas formas de vida tradicionais, cria indescritível sofrimento, fome, perda de cultura, insegurança e conflitos. Enquanto isso, muitas áreas urbanas estão se tornando insustentáveis. O dano ecológico causado pela industrialização dos alimentos está aumentando diariamente – águas poluídas, solos degradados, erosão, desflorestamento, uma perda alarmante da biodiversidade e uma dispersão de doenças entre produtores e consumidores. Em face dessas tendências, torna-se urgente reexaminar o modelo dominante da reforma agrária e do desenvolvimento rural. Correntemente, políticas dirigidas pelo mercado estão impondo a industrialização e tornando a produção de alimentos uma commoditie. Entregaram o sistema alimentar nas mãos das corporações transnacionais e das instituições financeiras internacionais, tais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. A Organização Mundial do Comércio e os acordos regionais de comércio reforçam esses problemas. É por isso que milhares de camponeses, pescadores, povos nativos, mulheres, pastores, trabalhadores rurais sem terra e outras organizações da sociedade civil mobilizaram-se em massa durante a conferência. Exigimos uma nova visão de reforma agrária. O movimento internacional de camponeses La Via Campesina acredita que uma reforma agrária genuína oferece um modelo alternativo importante de desenvolvimento. Isto inclui arrancar o controle sobre a terra, a água, os recursos marítimos, as sementes e outros recursos naturais das garras dos que utilizam essas vantagens para aumentar seus próprio lucros, e dá-lo ao povo da terra. As políticas públicas devem ser reorientadas a fim de re-assegurar que os valores sociais, ecológicos e culturais estejam integrados ao desenvolvimento rural. O mercado deve ser reorganizado para dar prioridade à produção local de alimentos apropriados ecologicamente e culturalmente, ou seja, à soberania alimentar. Existem questões fundamentais em jogo, questões de justiça, sustentação ambiental e de paz, no debate sobre a reforma agrária. A conferência da FAO abre a possibilidade de se fazer progresso em um nível global. Dada a urgência do debate, a FAO não pode esperar mais algumas tantas décadas para tratar desses assuntos. A instituição das Nações Unidas precisa dar à reforma agrária alta prioridade. Deve ativamente promover a reforma agrária nas arenas internacionais e estabelecer um programa especial com os governos dispostos a implementá-la ou dar-lhe suporte econômico. Além disso, também exigimos que a FAO reconheça explicitamente a contribuição positiva das mobilizações sociais neste campo. A Via Campesina está comprometida em trazer de volta para a agenda global a reforma agrária e o desenvolvimento rural. Pedimos que todos os governos responsáveis se engajem nessa tarefa. Nossos suprimentos de alimentos, a dignidade do nosso povo, e o nosso planeta estão em jogo. Porto Alegre, 9 de março de 2006 A Via Campesina é um movimento global que reúne organizações de camponeses, pequenos gricultores, povos indígenas, sem terra, mulheres e trabalhadores rurais, da Ásia, Europa, as Américas e África. (www.viacampesina.org) - Henry Saragih, Coordenador Internacional da Via Campesina
https://www.alainet.org/pt/articulo/114552
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