Os mórmons

06/10/2005
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Estou em Provo, EUA, pequena cidade de Utah ao pé das Montanhas Rochosas, vizinha a Salt Lake City. Convidado pela Igreja de Jesus dos Santos dos Últimos Dias (Mórmons), proferi palestra sobre os desafios às religiões num mundo plural e desigual, no simpósio internacional que trata de religiões e sua legalidade no mundo de hoje. Ao menos 50 países se fazem representar, e a Brigham Young University, hospedeira do evento, dispõe de sistema de tradução simultânea em 17 idiomas. As intervenções coincidem no repúdio à estatização da religião e à confessionalização do Estado, defesa de seu caráter laico, e a importância de se conhecer a história de uma nação para melhor entender a relação entre suas leis e o fenômeno religioso. Aproximei-me dos mórmons em 2002, admirado com o trabalho social voluntário que desenvolvem no Brasil. A parceria com o Fome Zero estreitou nossas relações. Os primeiros missionários aqui chegaram em 1928 e, hoje, a Igreja conta com quase um milhão de fiéis. Presente em mais de 160 países, ela reúne cerca de 12 milhões de fiéis. Pelas cidades brasileiras é comum ver a dupla de jovens missionários trajando camisa branca de manga curta, gravata, e sem paletó. Eles são treinados em Provo e enviados a quase todos os países do mundo, onde atuam por dois anos. Retornam aos EUA com uma visão bem diferente da que o americano médio tem de países estrangeiros, livre de preconceitos e respeitosos frente à diversidade de culturas. A Igreja nasceu nos EUA, na primeira metade do século XIX, por obra de Joseph Smith, agraciado com visões sobrenaturais que o levaram a encontrar, numa montanha próxima a Nova York, o Livro de Mórmon, localizado por indicação do anjo Morôni. Mórmon teria sido um profeta que viveu no continente americano cerca do ano 400. Seu livro completaria as revelações divinas contidas na Bíblia. A crença dos mórmons baseia-se em treze "regras da fé" escritas por Joseph Smith dois anos antes de morrer, em 1844, aos 39 anos, assassinado a tiros com seu irmão Hyrum pela multidão que invadiu a cadeia de Carthage, Illinois, onde se encontravam presos, vítimas de perseguição religiosa. As regras coincidem com a fé católica quanto a Deus trino, a Bíblia como palavra de Deus, a hierarquia de funções pastorais, a adoção de sacramentos como o batismo, a tolerância frente às demais religiões. Diferem quanto ao pecado original, pois não crêem na transgressão de Adão; acreditam que a Nova Jerusalém será construída no continente americano; e reconhecem no Livro de Mórmon “outro testamento de Jesus Cristo”. Os mórmons desenvolvem amplo trabalho social através do programa Mãos que Ajudam. No Brasil, promovem reformas de escolas públicas; assistência a hospitais, orfanatos, creches e asilos; ações emergenciais em situações de calamidade pública; doação de cadeiras de roda etc. Seus membros são amparados em situação de desemprego, encaminhados a novas oportunidades, e os jovens de baixa renda recebem financiamento para cursos profissionalizantes de níveis técnico e universitário. É falsa a idéia de que os mórmons são polígamos. Ter mais de uma esposa está proibido desde 1890 e foram raros os casos antes daquela data. A família é considerada reduto sagrado e o casamento se prolonga na vida eterna. Quase todos os membros da Igreja trabalham como voluntários e a ela destinam 10% de sua renda anual. É proibido fumar, ingerir bebidas alcoólicas, bem como café e chá, por conter cafeína. Tais observâncias permitem aos mórmons gabar-se de sua longevidade. Considerados politicamente conservadores por apoiarem nos EUA o Partido Republicano, pelo qual Utah elegeu um senador mórmon, a tolerância religiosa fez com que abrissem o evento com a palestra do líder muçulmano russo Ravil Ismagliovich. E escutaram educadamente minhas críticas aos países ricos que investem dez vezes mais em armamentos do que em cooperação internacional. Encerrei censurando os governos que, sem dar ouvidos ao profeta Isaías, que há 2.800 anos afirmou que só haverá paz como fruto da justiça, acreditam que a paz resultará da imposição das armas. - Frei Betto é escritor, autor de “Gosto de Uva” (Garamond), entre outros livros.
https://www.alainet.org/pt/articulo/113159
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