Interromper o processo em curso?
15/09/2005
- Opinión
Pertence ao analista, diante de uma crise como a atual, não se contentar com análises meramente conjunturais, mas deve olhar longe e fundo. O Brasil na, verdade, é uma periferia de centros que desde o século XVI nos mantém a eles atrelados: fomos colonizados, neoconalonizados e hoje globocolonizados.
Para sermos sinceros, ele não se sustenta autonomamente de pé. Jaz "deitado eternamente em berço esplêndido". A maioria da população é composta de sobreviventes de uma interminável tribulação. Surpreendentemente soube guardar o bom humor, o sentido lúdico e uma invencível capacidade de de festejar e esperar.
Nunca houve antes do advento do PT e de Lula ao poder uma ruptura instauradora que permitisse a emergência de um novo sujeito de poder, capaz de ocupar efetivamente a cena histórica e começar a moldar a sociedade brasileira de modo a que todos pudessem caber nela. Mas vergonhosamente, erros e traições de setores dirigentes do PT desperdiçaram essa chance histórica, tornando-se excecráveis face ao povo sofredor e a todos os que se aliaram a eles, durante toda uma vida. Dai se explica a iracúndia sagrada que tomou conta de setores comprometidos da sociedade com as mudanças e com a ética, crucificadas pela fome desenfreada de poder.
O comportamento das elites é por demais conhecido. Em seu camaleonismo ficaram e ficam sempre do lado do poder, seja qual for, para manterem seus privilégios. Ou então conspiram. Isso faz com que o jogo nunca se mude, apenas embaralham-se diferentemente as cartas do mesmo e único baralho como bem o mostrou Marcel Bursztyn em "O pais das alianças, as elites e o continuismo no Brasil"(1990).
Esta situação vem de longe, do tempo da fundação do Brasil como o revelaram mestres como Sergio Buarque de Holanda com o seu "Raizes do Brasil"(1936), como Caio Prado Júnior com o seu "Formação do Brasil contemporâneo"(1945), como Simon Schwartzmann com o seu "Bases do autoritarismo brasileiro"(1982) e como Darcy Ribeiro com seu "O povo Brasileiro"(1995). Marilena Chaui, com sua notória contundência, resumiu numa conferência em Portugal ainda em 1993 esse legado perverso:" A sociedade brasileira é uma sociedade autoritária, sociedade violenta, possui uma economia predatória de recursos humanos e naturais, convivendo com naturalidade com a injustiça, a desigualdade e a ausência de liberdade e com os espantosos índices das várias formas institucionalizadas formais e informais de extermínio físico e psíquico e de exclusão política e cultural."
Governar um país assim e ainda pretender revolucioná-lo é um desafio para gigantes e para heróis. Por isso entendemos as dificuldades do Governo Lula. A crise atual representa para a sociedade e os movimentos organizados mas especialmente para o Governo uma prova crucial rumo a um salto de qualidade política que nos redima do passado e passe o pais a limpo. O grande obstáculo é a miopia e o reacionarismo de alguns líderes políticos, acantonados especialmente no PFL, ávidos de fatos que lhes justifiquem um eventual impeachment do Presidente Lula. Seria interromper o processo do novo, abrindo o caminho para a antiga dominação e para continuarem a mamar das tetas do Estado Esses são até mais execráveis que os corruptos do PT, como o reacionário senador Bornhausen que disse:"finalmente nos livraremos desta raça pelo menos por trinta anos".
- Leonardo Boff é Teólogo.
https://www.alainet.org/pt/articulo/112985
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