As mutações do imperialismo ianque

20/07/2005
  • Español
  • English
  • Français
  • Deutsch
  • Português
  • Opinión
-A +A
“Embora possa ser uma desilusão para seus partidários domésticos, Lula exibe um pronunciado ativismo internacional. Ao assinar com a Índia importante acordo comercial bilateral em nome do grupo comercial latino-americano Mercosul, ele afirmou de modo confiante que a Índia, o Brasil, a Rússia e a China poderiam, juntos, redesenhar a geografia econômica no mundo, no século XXI, segundo linhas bem mais justas do que as atuais. Isso pode sem dúvida indicar o surgimento no mundo de um bloco de poder antineoliberal”. A citação acima aparece no antipenúltimo parágrafo do livro “O novo imperialismo”, a mais recente obra do renomado David Harvey, professor emérito da Universidade de Nova Iorque, que ficou conhecido no Brasil com o clássico Condição pós-moderna, que se encontra na 13ª edição [1]. Como ele esclarece logo no primeiro capítulo, “meu objetivo é examinar a atual condição do capitalismo global e o papel que um ‘novo’ imperialismo poderia estar desempenhando em seu âmbito. Faço-o da perspectiva de longa durée e pelas lentes daquilo que chamo de materialismo-geográfico. Empenho-me em desvelar algumas das transformações mais profundas que ocorrem sob toda a turbulência e volatilidade da superfície e, dessa maneira, em abrir terreno de debate acerca de como melhor interpretar nossa atual situação e reagir a ela”. O resultado deste esforço intelectual é cativante, com análises densas e polêmicas sobre as mutações nas formas de dominação do imperialismo estadunidense. Para Harvey, os EUA vivem hoje a fase mais dura, agressiva e destrutiva de manutenção da sua hegemonia mundial. A chamada guerra ao terror não passaria de propaganda mentirosa para justificar e intensificar seu domínio imperial sobre o planeta. “Tem havido muitos tipos diferentes de império (romano, otomano, chinês imperial, russo, soviético, austro-húngaro, napoleônico, britânico, francês, etc.). A partir desse heterogêneo grupo, podemos concluir com facilidade que há considerável espaço de manobra quanto ao modo de conceber, administrar e implantar ativamente o império... O imperialismo norte-americano, a partir da II Guerra Mundial, passou espasmodicamente, em meio a instabilidades, de uma concepção vaga do império a outra”. Hoje, viveria a fase mais brutal! As razões do aumento da violência imperial, segundo ele, estariam na própria crise do modo de produção capitalista. A disputa encarniçada por fontes de energia, matérias primas e mercados de consumo seriam as causas do florescimento da “acumulação por espoliação”, como ele nomeia o imperialismo de nossa época. O petróleo explicaria tanto o frustrado golpe contra o presidente Hugo Chávez, em abril de 2002, como a violenta invasão do Iraque, no ano seguinte. “Há, no entanto, uma perspectiva ainda mais ampla a partir da qual entender a questão do petróleo. Ela pode ser apreendida na seguinte proposição: quem controlar o Oriente Médio controlará a torneira global do petróleo, e quem controlar a torneira global do petróleo poderá controlar a economia global, pelo menos no futuro próximo”, acrescenta Harvey. Ao analisar as mutações no imperialismo, o autor inova ao abordar suas contradições inerentes. Para ele, há diferenças entre a postura do Estado e das corporações. “O capitalista que dispõe de capital financeiro deseja aplicá-lo onde quer que possa haver lucro e tipicamente busca acumular mais capital. Os políticos e homens de Estado buscam resultados que mantenham ou aumentem o poder de seus próprios Estados diante de outros Estados. O capitalista procura vantagens individuais (embora sujeito a restrições legais) e só é responsável perante seu círculo social imediato, ao passo que o homem de Estado procura vantagens coletivas”. Essas diferenças, embasadas no seu controvertido materialismo-geográfico, é que explicariam as contradições entre as lógicas territorial e capitalista que sempre permearam a história deste sistema. Para Harvey, atualmente haveria a predominância da lógica territorial, com o reforço do “poder ilimitado” do Estado. Os atuais ocupantes de Washington, ligados ao complexo militar-petroleiro, expressariam este predomínio, que colocaria em risco a própria existência da humanidade. “As mudanças do governo Bush para o unilateralismo, a coerção em vez do consentimento, para uma visão imperial bem mais declarada e para o recurso ao seu poder militar irresistível indicam uma abordagem de alto risco para a sustentação do domínio norte-americano... Como isso ocorre em meio a vários indícios de perda de domínio nos campos da produção e, agora, das finanças, é forte a tentação de lançar-se ao domínio explorador. Se isso vai ou não levar a uma ulterior ruptura catastrófica do sistema (talvez ao retorno do cenário traçado por Lênin da competição violenta entre blocos de poder capitalista), é algo difícil de imaginar e, mais ainda, de prever”. O autor estuda as várias iniciativas – econômicas, políticas, militares e ideológicas – destinadas a manter e ampliar a hegemonia dos EUA e a evitar o surgimento de nações ou blocos regionais rivais. Para ele, a doutrina Cheney-Wolfowitz, elaborada inicialmente no governo Bush-pai e consolidada no Project for the New American Century, visaria levar os EUA a governar o mundo de forma acachapante. Nas palavras de Collin Powel, ex-secretário de Bush-filho, seria “o valentão do pedaço”. Esta pretensão imperial, porém, enfrentaria crescente resistência no mundo. Na sua avaliação, a União Européia, apesar de possuir uma hegemonia regional, estaria longe de rivalizar com a potência armada. “No presente momento, o desafio ao domínio norte-americano representado pelos países do Leste e do Sudeste asiático parece bem mais sério”, afirma Harvey, que dedica um longo espaço ao estudo da enigmática experiência chinesa. Ainda no que se refere às tendências contra-hegemônicas, o autor apresenta uma rica e polêmica análise sobre os novos movimentos sociais, apontando suas potencialidades e limites. Apesar do pessimismo no diagnóstico, Harvey se mostra otimista na possibilidade da construção de alternativas. Para ele, o domínio do império estaria “sob ameaça e, desta vez, o risco parece maior”. As raízes deste perigo estariam na sua própria agressividade e no emprego desequilibrado do capital financeiro como instrumento da hegemonia. O processo de financeirização de sua economia seria autodestrutivo. Os movimentos contrários se dariam no âmbito interno, como na explosão dos déficits gêmeos, e no crescimento das contradições mundiais. É neste ponto que o autor faz menção especial ao papel que o Brasil pode jogar no cenário internacional. “O aspecto mais polêmico de minha argumentação talvez seja dizer que os Estados Unidos estão agindo a partir de uma posição antes de fraqueza econômica e política do que de força, e que a aventura no Iraque pode muito bem assinalar antes o final da hegemonia norte-americana do que o começo de uma nova fase de domínio global dos EUA. Só o tempo dirá se estou certo. Mas é preciso enfrentar a possibilidade e as possíveis conseqüências do declínio iminente dos Estados Unidos como potência hegemônica”, conclui Harvey. Como se observa, o livro “O novo imperialismo” é uma leitura obrigatória para os que estudam e lutam num mundo cada vez mais complexo, perigoso e, contraditoriamente, cheio de possibilidades. NOTA 1- David Harvey. “O novo imperialismo”. Edições Loyola, São Paulo, 2004. - Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “Encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, junho de 2005).
https://www.alainet.org/pt/articulo/112485
Subscrever America Latina en Movimiento - RSS