O clube dos 120 anos

01/04/2005
  • Español
  • English
  • Français
  • Deutsch
  • Português
  • Opinión
-A +A
Os animais têm um potencial de vida cinco vezes a idade em que se completa sua formação biológica. O ser humano é exceção. Nossa conformação física está encerrada aos 25 anos de vida. São raros, porém, os homens e as mulheres que comemoram 125 anos. A ciência insiste em esgotar a nossa potencialidade vital, já que as células humanas estão, em princípio, aptas a viver de 130 a 140 anos. Na verdade, certos donos da ciência não estão exatamente interessados em nos assegurar uma sobrevida. Pensam, primeiro, em suas contas bancárias. Se assim não fosse, haveria uma ampla mobilização para erradicar a miséria e a pobreza, que provocam a morte prematura de milhões de pessoas. O luxo de uma vida prolongada pode ser adquirido - dizem eles através da publicidade -, a preços nada módicos, em drágeas vendidas na farmácia da esquina, dietas sofisticadas, academias de ginásticas, e na literatura de auto-ajuda (que raramente se estende à entre-ajuda). No intuito de potencializar o nosso período de existência é que em Cuba surgiu o Clube dos 120 anos. Aceitam-se inscrições de bebês, que passam a ser monitorados pelo clube. Os sócios devem observar alguns princípios básicos. Não comer em demasia nem fazer dietas excessivas. A sabedoria consiste no equilíbrio. Evitar o fumo e o álcool, preferir os alimentos naturais aos industrializados e ingerir, de preferência, frutas, verduras e legumes. Fazer exercícios físicos, evitar o sedentarismo, caminhar de três a quatro quilômetros, quatro ou cinco vezes por semana. Dedicar algumas horas do dia à arte e à cultura. É sempre relaxante ler um romance, ouvir música, apreciar pinturas, visitar museus ou assistir a um filme. Ter motivação para viver: uma causa, um ideal, um objetivo que traga ocupação e empenho. Pode ser colecionar selos ou fazer trabalho voluntário, pesquisar a vida das abelhas ou combater o atual modelo de globalização. Entregar-se ao ócio, sem algo que desperte a criatividade e o interesse, reduz o tempo de vida. Evitar tensões emocionais, não discutir, não competir (exceto no esporte), não guardar rancores e mágoas, nem alimentar sentimentos de ira e vingança. Viver em harmonia com os mais próximos. Entregar-se a atividades que tragam alegria e façam sorrir. Ter contato com a natureza. Cultivar amizades. Dançar. Praticar a solidariedade. Há mais um princípio que muitos cubanos praticam mas nem sempre tornam explícito: orar. A oração, sobretudo a meditação, favorece a introspecção positiva e desata os nós do ego, estimulando o altruísmo e a capacidade de amar. Traz auto-estima e alegria interior, induzindo à compaixão e ao perdão. A oração torna a pessoa humilde, no sentido etimológico de húmus, terra, ter os pés na terra e não querer ser maior nem menor do que ninguém. De húmus vem a palavra homem, ser que brota da terra ou, em outras palavras, que vive em comunhão com a natureza e com seus semelhantes. De minha parte, não tenho interesse em viver 120 anos. Trago uma aguda consciência da inevitabilidade da morte e, graças à fé, a certeza de que ela é o irromper de uma nova e definitiva existência, onde a vida é terna, porque Deus é amor. Interessa-me apenas ser feliz. Alcançada a maturidade, aprendi que a felicidade não é o resultado da soma de prazeres. É uma questão de qualidade de vida, que varia de pessoa a pessoa. A minha se nutre de poucos ingredientes: harmonia familiar, boas amizades, oração, literatura e causas sociais. É o que me basta. E, a esta altura de minha breve trajetória por este mundo, já não me sinto premido pelo futuro, pois fui agraciado pelo passado. Valeu a pena ter vivido. E para quem enfrentou riscos de morte, como nos anos de prisão, perdura em mim uma sutil impressão de que estou fazendo hora-extra na vida. Amo a vida porque não temo a morte. Encaro-a como amor/Te. * Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Paulo Freire e Ricardo Kotscho, de “Essa escola chamada vida” (Ática), entre outros livros.
https://www.alainet.org/pt/articulo/111699
Subscrever America Latina en Movimiento - RSS