Alerta e solidariedade à Venezuela
29/03/2005
- Opinión
Primeiro foi o líder cubano, o sempre bem informado Fidel Castro, que alertou para a possibilidade de um atentado orquestrado nos EUA contra a vida do presidente venezuelano Hugo Chávez. Logo em seguida, o próprio dirigente da revolução bolivariana confirmou a denúncia. Em 20 de fevereiro, no seu programa televisivo semanal Alô, presidente, ele foi categórico: “Se me matarem, haverá apenas um grande culpado nesse mundo: o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush”. Chávez não divulgou provas concretas desse plano de magnicídio, mas garantiu ter informações seguras sobre a conspiração tramada nos EUA.
Rapidamente a grave acusação ganhou manchetes na mídia mundial e o reforço do renomado intelectual Ignácio Ramonet, diretor do jornal Le Monde Diplomatique. “O fato de que os falcões da laia de George Bush, Condoleezza Rice ou Roger Noriega retomem as suas ameaças neste momento é o sinal inegável de que o projeto de matar Chávez está em curso. É hora de denunciá-lo para os dissuadir de levar a cabo. Caso contrário, pelas veias abertas da América Latina voltarão a correr rios de sangue” [1]. Com ou sem provas, o certo é que há uma nova escalada dos EUA contra a Venezuela. E onde há fumaça há fogo!
Carniceiro no Brasil
A nova ofensiva do imperialismo ianque contra o governo venezuelano ficou patente na recente visita do Secretário de Defesa dos EUA, o carniceiro Donald Rumsfeld, a alguns países da América do Sul. Após ser ignorado por Nestor Kirchner e ser alvo de duros protestos na Argentina, ele manteve uma indigesta audiência com o presidente Lula em 23 de março. Segundo a mídia, um dos principais temas do estranho diálogo foi o aumento das tensões entre EUA-Venezuela. O falcão belicista criticou a compra de armas russas pelo governo do país vizinho e afirmou que Chávez é uma ameaça ao continente. Só faltou acusá-lo de ter “armas de destruição em massa”, a desculpa alardeada para justificar o genocídio no Iraque!
Após um período de aparente trégua, o governo Bush retomou sua cruzada terrorista contra a Venezuela – país que atualmente realiza a experiência mais avançada na região de enfrentamento ao “império do mal” e aos dogmas neoliberais. O armistício decorria basicamente de três fatores: o crescente respaldo popular do presidente Chávez, que obteve estrondosa vitória no referendo revogatório de agosto e nas eleições de governadores e prefeitos em novembro; o aumento da crise energética, agravado pela invasão do Iraque, que dava novo fôlego à Venezuela, quarto maior exportador de petróleo do mundo; e o próprio processo sucessório nos EUA no final do ano passado [2]. Mas já era evidente que a trégua seria temporária!
Com a montagem de um gabinete ainda mais reacionário para o seu segundo mandato, nos últimos meses o governo Bush elevou o tom intervencionista contra a nação vizinha. Já em janeiro, a nova secretária de Estado, Condoleezza Rice, acusou o presidente Chávez de exercer “uma influência desestabilizadora” na região. Pouco depois, Roger Noriega, o fascistóide subsecretário de Estado para América Latina, declarou em entrevista ao canal CNN que o governo bolivariano “é motivo de preocupação para nossos parceiros nas Américas”. Já a sinistra central de inteligência dos EUA, a CIA, também divulgou relatório acusando o presidente venezuelano de estimular o sentimento nacionalista e antiimperialista no continente.
Além da corrosiva retórica, no primeiro trimestre desse ano os EUA tentaram estimular um conflito entre a Venezuela e a Colômbia. O seqüestro de um militante das Farc em Caracas, num desrespeito à tradição de asilo político na América do Sul, quase gerou um confronto entre os países fronteiriços. A guerra seria o estopim para a intervenção armada dos EUA, que hoje já têm 800 “consultores militares” engajados no Plano Colômbia. A habilidade do governo venezuelano e a rápida mediação do Brasil abortaram o plano ianque – tanto que Washington emitiu uma nota deseducada criticando a diplomacia brasileira. Já no final de fevereiro, um porta-aviões aportou na ilha de Curaçao, a poucos quilômetros da costa venezuelana, com 26 helicópteros de combate, 1.500 marines e lanchas anfíbias – numa típica ação provocadora.
Mesmo a idéia de assassinar o presidente Chávez não é nova ou sem fundamento. Como lembra Ramonet, são conhecidas as fotografias de um campo de treinamento em Homestead, na Flórida, onde paramilitares operam com a total complacência das autoridades estadunidenses e a simpática cobertura da mídia local. “Alguns desses terroristas já estiveram em território venezuelano. A prova: em 2 de maio do ano passado, um grupo de 91 paramilitares colombianos ligados à CIA foi detido nos arredores de Caracas. O principal objetivo era matar Chávez. O chefe do grupo, José Ernesto Ayala Amado, o ‘comandante Lucas’, admitiu, segundo sua própria confissão, que a sua missão consistia em ‘cortar a cabeça de Chávez’”.
Lideranças golpistas venezuelanas também não escondem o seu desejo de assassinar o líder da revolução bolivariana. Ficou famosa a frase do ex-presidente Carlos Andrés Peres, deposto em 1993 por corrupção: “Só nos resta a violência para derrubar Chávez; ele deve morrer como um cachorro”. Outro oposicionista, Orlando Urbaneta, chegou a orientar o magnicídio numa entrevista ao canal 22 de Miami: “A única saída para a Venezuela é eliminar Chávez: basta uma pessoa com um fuzil e uma mira telescópia”. Em meados de março, no programa “Maria Elvira Confronta”, a jornalista anticastrista e seus convidados defenderam abertamente essa ação terrorista. Félix Rodrigues, ex-agente da CIA que participou do assassinato de Che Guevara na Bolívia, não vacilou em afirmar que esse homicídio teria o incentivo do governo Bush [3].
Temor do império
O motivo dessa escalada é que o imperialismo ianque, associado à oligarquia racista local, não tolera os avanços da revolução bolivariana e a sua crescente influência entre os povos da América Latina. Após a vitória no referendo, o presidente Chávez, mais fortalecido, acelerou os projetos em defesa da soberania nacional, da ampliação da democracia e da justiça social. Ele também aproveitou o respaldo das urnas e a aparente calmaria para intensificar os contatos internacionais, reforçando a integração na América Latina e realizando acordos com diversos países concorrentes dos EUA. Nos últimos dias, ele firmou tratados de cooperação com o Irã, França, China e a Índia – todos no rumo “da construção de um mundo pluripolar”.
O que mais irritou os EUA, porém, foram os recentes acordos firmados para o aparelhamento das Forças Armadas da Venezuela (FAN). Numa tacada, o governo acertou com a Rússia a encomenda de 100 mil fuzis Kalashnikov, 40 helicópteros de combate, cinco radares móveis e 50 caças MIG-29. Já com a Espanha foram fechados contratos para a compra de quatro corvetas, 12 lanchas de deslocamento rápido dotadas de lança-mísseis, dois submarinos e seis aviões C-295. Com o Brasil, Caracas adquiriu 24 aviões Super-Tucanos, como parte do projeto de cooperação para o patrulhamento da região amazônica. Já da China, foi comprada grande quantidade de fardamento para as FAN e as Unidades de Defesa Popular.
“Pela primeira vez, a Venezuela fez compras de tamanho volume sem qualquer encomenda aos EUA e, em alguns casos, como das quatro corvetas espanholas que possuíam equipamento norte-americano, ainda exigiu a substituição da tecnologia por similar européia”, relata o acalentado estudo de Francisco Teixeira [4]. No passado, o principal fornecedor de materiais militares para a Venezuela eram os EUA – que até hoje mantém quase total monopólio no setor no restante do subcontinente. “Historicamente, a mudança de fornecimento militar na América Latina tem se revelado uma fonte de crise, como durante o governo de Jacob Arbenz, na Guatemala nos anos 50, ou no Peru, nos anos 70”, registra o autor.
Frente à corajosa iniciativa de fortalecer suas defesas, o governo dos EUA passou a acusar a Venezuela de iniciar uma corrida armamentista e de “ameaçar a paz no subcontinente”. O porta-voz do Departamento de Estado, Adam Erel, inclusive criticou o Brasil pela venda dos aviões e afirmou que a “imagem do país ficou prejudicada” por essa negociação. Mas o governo venezuelano parece não estar disposto a recuar. No anúncio do Plano Estratégico de Modernização das Forças Armadas Nacionais (FAN), Hugo Chávez voltou a repetir que “a revolução bolivariana é pacífica, mas está armada”. Ele também fez duras críticas aos EUA, que andavam sabotando abertamente o reaparelhamento das forças militares do seu país.
Já diante dos temores expressos no Brasil pelo “senhor da guerra, Donald Rumsfeld”, o vice-presidente José Vicente Rangel foi irônico: “A compra de armas que realizamos, num ato de plena soberania, tem a finalidade de defender a nossa independência e garantir a autodeterminação do nosso povo. Essas armas, como todos sabem, não têm potencialidade para agredir ninguém. São exclusivamente armas de defesa a que todas as nações da terra têm direito... O que deve nos preocupar é o elevado gasto militar dos EUA, que ronda os 450 bilhões de dólares e representa um gasto superior à soma de dispêndios das 18 potências mundiais. Somente os EUA absorvem 36% do gasto militar mundial. Isto é que gera grande preocupação na maioria dos países, já que nada justifica a construção desse enorme dispositivo militar”.
* Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “Venezuela: originalidade e ousadia” (Editora Anita Garibaldi, 2005).
Notas
1- Ignácio Ramonet. “EUA e oposição ameaçam a vida do presidente da Venezuela”. Agência Carta Maior, 23/02/05.
2- Altamiro Borges. “Venezuela: originalidade e ousadia”. Editora Anita Garibaldi, São Paulo, 2005.
3- “Programa de TV de Miami prega a morte de Chávez”. Portal Vermelho, 15/03/05.
4- Francisco Teixeira. “Venezuela consolida sua guerra popular prolongada e de resistência”. Agência Carta Maior, 14/03/05.
https://www.alainet.org/pt/articulo/111665
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