Apogeu, glória e baixa da soja
19/03/2005
- Opinión
Por onde andassem, os produtores de soja sempre encontravam o melhor dos mundos para fincarem suas raízes, seja organizacional, familiar ou agrícola. Desembarcavam nos Cerrados e na Floresta Amazônica e se surpreendiam com as propriedades existentes que se formaram a partir dos caminhos traçados pelos vaqueiros e pelas suas boiadas por séculos e que, de tão largas e compridas em suas medidas, dificilmente conhecia-se os seus tamanhos reais.
Eles criticavam a falta de tino comercial e o pouco interesse dos proprietários em tornarem suas propriedades produtivas. Alegravam-se com o baixo preço das propriedades que lhes permitia comprar mais hectares do que se habituaram possuir no sul do Brasil. Suas propriedades não cobriam nem mil hectares. Nelas, as matas de araucária do Paraná, por exemplo, foram desmatadas.
Ao adquirirem as terras nos Cerrados e na Floresta Amazônica, os proprietários recém-chegados do sul traziam o hábito de desmatarem a maior parte da área da propriedade com vistas ao plantio da soja. Nas suas cabeças, as florestas temperadas e tropicais obstaculizavam, ou obstaculizam, o pleno crescimento das propriedades. Eles batalham o crescimento como um projeto coletivo para que outros proprietários copiem ou queiram copiar, portanto, esse é um projeto não de um ou mais proprietários e sim de um conjunto de proprietários que ao longo de décadas foram arrebanhados pelo agronegócio. Quantas carradas de produtores de soja do sul do Brasil, em pouco mais de duas décadas, vieram morar nos Cerrados e na Floresta Amazônica?
Certos produtores atravessam quilômetros de distância até o norte e o centro-oeste do Brasil depois de venderem suas propriedades. Para trás, deixam um mundo de recursos limitados, e pela frente esperam descobrir um mundo de recursos ilimitados para os seus desígnios, que são: não demorar muito para enriquecer e recriar parte do mundo da qual retiraram-se. Tomando contato com esse novo mundo, os produtores de soja armam-se de um ar de empreendedores e como tais se apresentam a quem importa no pequeno círculo local. Conversam com donos de imobiliárias sobre quanto vale o hectare, quem está vendendo e quais as fazendas mais valiosas. Conversam com gerentes de bancos sobre empréstimos. Quem se negaria a recebe-los e a bem informa-los? Numa época em que o preço da saca ultrapassava os R$44,00 nenhum negociante inteligente viraria o rosto para eles.
Os anos de 2003 e 2004 foram essa época boa para os produtores de soja que encheram seus bolsos graças à desvalorização do real, aos preços estabilizados do petróleo e as safras abaixo do esperado dos Estados Unidos. Como qualquer commoditie, a cana-de-açúcar no século XVII e o café nos séculos XIX e XX, a soja experimentou o seu apogeu e sua glória. Contudo, de 2004 para o ano de 2005, o preço da saca desabou para R$22,00. O que ocorreu? Valorização do real, alta do petróleo, maior demanda por minérios, queda na cotação das commodities agrícolas, seca no sul do Brasil e a China. Em maio de 2004, este país proibiu a entrada de soja brasileira, acusando-a de estar contaminada por fungicidas. Na realidade, ela armazenava grandes quantidades de soja para seu consumo interno e comprar soja a um alto preço não lhe empolgava Com isso, os chineses regulam de Pequim o preço da soja a seu bel prazer de acordo com os seus estoques. Estes estoques, que são o seguro da China para uma população que já passa do 1 bilhão, travaram o agronegócio e apagaram para este todas as sinalizações para um futuro exclusivo de negócios milionários e bilionários.
Dos R$533,98 bilhões que o agronegócio conquistou de receita quase nada se comemorou; desse total salienta-se uma transferência do setor primário para os demais setores como sementes, insumos, indústria e distribuição. Certeza mesmo, para os produtores, só as dívidas que cobrirão. As soluções imediatas para esse quadro da parte do Ministério da Agricultura foram liberar R$3 bilhões para a comercialização da safra 2004/2005 e prorrogar os empréstimos tomados pelos produtores de soja, milho, trigo, algodão e arroz junto ao BNDES. Roberto Rodrigues, ministro da agricultura, em recente reunião no município de Rio Verde, estado do Goiás, com 6.000 produtores informou sobre essas iniciativas, o que, de certa forma, tranqüilizou a ampla maioria da platéia.
* Mayron Régis, jornalista Articulação Soja-brasil/CEBRAC.
https://www.alainet.org/pt/articulo/111632?language=en
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