Em 2005, despirei o terno e a gravata do barnabé e voltarei a vestir o hábito ­ que não faz o monge ­ da solidão orante, da febre literária e da eventual assessoria a movimentos sociais. Porque será meu primeiro ano sabático ­ sábia invenção hebraica inspirada no descanso do Pai de Amor no último dia da Criação. Serei artesão: de palavras, significados e alvíssaras. Não cederei aos ditames da razão cínica, nem me deixarei consumir pelo que obscurece a inteligência e esvazia o espírito. Irei por caminhos do mundo. A Havana, pela feira do livro dedicada ao Brasil; a Paris, pela homenagem cultural ao nosso país; a Minas, pelo apetite atraído pelo cheiro irresistível do feijão tropeiro. Se Deus quiser, aproveito e subo a Serra da Piedade. Quem sabe consigo ficar mais perto de Deus. Ficarei atento para conferir se a estabilidade econômica imprime o mesmo rumo ao social, de modo a desarmar a desigualdade que esgarça a nação e a violência que nos faz prisioneiros do medo. Serei solidário aos que se embriagam de utopias e construirei castelos no ar, consciente de que só assim terei chão para erguer alicerces. Trarei sempre comigo três talismãs: o evangelho de Marcos, que me revela a humanidade de Jesus; a poesia de Jorge de Lima, que traduz a linguagem dos anjos; e o retrato de Frei Tito, que me cerca de bênçãos. Militante da esperança, lutarei por um mundo em que a democracia política seja conferida pela econômica e a paz, como profetizou Isaías, brote como filha da justiça. Em 2005, cujos números somam sete, estarei atento ao seu simbolismo: os sete dias da Criação e da semana; os sete sacramentos; os sete pecados capitais; as sete maravilhas do mundo; e a certeza de que os nossos pecados serão perdoados, não apenas sete, mas setenta vezes sete. Porque Deus é amor e, nele, a vida é terna. * Frei Betto é escritor, autor da biografia de Jesus ³Entre todos os homens² (Ática), entre outros livros.