Diálogo entre pai e filho

30/09/2004
  • Español
  • English
  • Français
  • Deutsch
  • Português
  • Opinión
-A +A
- Pai, por que o nosso país invadiu o Iraque? – perguntou Billy, de 8 anos. - Lá tinha armas de destruição em massa. - Mas a TV disse que os inspetores não acharam nada. - Os iraquianos esconderam. E nosso governo sabe que invasões funcionam mais que inspeções. - Se tinham tais armas, por que não usaram quando atacamos? - Para que ninguém soubesse que eles têm as armas. Preferem morrer a defender-se. - Como um povo pode preferir morrer a defender-se? - A cultura deles é diferente. Preferem morrer e ir logo para junto de Alá. E lembre-se que Saddam Hussein era um cruel ditador. - Como cruel? - Torturava e matava gente. - Como na China comunista? - A China é diferente, seu povo trabalha para as nossas empresas, reduzindo os custos da produção e aumentando os nossos lucros. - Mas a China não é comunista? - É. - E os comunistas não são maus? - Só os comunistas da Coréia do Norte e de Cuba, que prendem e torturam gente. - Como fazemos em Bagdá? - É diferente. Nós prendemos e torturamos em defesa dos direitos humanos e da liberdade. - Foi o que fizemos no Afeganistão? - Lá foi por causa do Osama Bin Laden. - Ele é afegão? - Não, é saudita. - Como 15 dos 19 seqüestradores suicidas do 11 de setembro? - Sim. - E por que não invadimos a Arábia Saudita? - Porque o governo de lá é nosso amigo. - Como era Saddam em 1980, ao combater o Irã? - Sim, quem combate o nosso inimigo é nosso amigo. - E por que temos inimigos? - Porque muitos povos têm inveja de nosso progresso. - Mas, pai, inveja não é problema do invejado? - O invejoso de hoje pode virar o terrorista de amanhã. - O que é um terrorista? - É uma pessoa que não pensa como nós pensamos. - Mas não defendemos a liberdade de opinião? - Só a que não vai contra a nossa opinião. - O Iraque nos atacou? - Não, mas agora fazemos guerras preventivas, evitamos o mal antes que a semente dele caia na terra. - Nós é que produzimos as armas empregadas nas guerras? - Boa parte delas, pois a guerra favorece a nossa economia. - Quer dizer que ficamos ricos às custas da morte de outros povos? - É a lógica do mercado. - Mas, pai, uma vida humana não vale mais que um míssil? Não foi isso que você me ensinou? - Teoricamente sim, mas na prática não é assim. Para o mercado, só tem valor a vida que está dentro dele, a do consumidor. - E as outras vidas? - Filho, nada em excesso é bom. Muito vento causa furacão; muita água, enchente; muitas bocas, fome. - Quer dizer que nós matamos como Saddam e o Talibã matavam? - Nós matamos a favor da liberdade; eles, contra. - Inclusive crianças como eu? - Você não é como elas. Não temos culpa de os nossos inimigos terem filhos. - Deus aprova isso? - Sim, nosso Presidente fala diretamente com Deus. - Como assim? - Ele escuta a voz divina em sua cabeça. Deus o elegeu para fazer a guerra do Bem contra o Mal. - Mas Deus e Alá não são a mesma pessoa? - Billy, chega de perguntas. E, por favor, não confunda o nosso Deus com o deles! * Frei Betto é escritor, autor de "Alucinado Som de Tuba" (Ática), entre outros livros.
https://www.alainet.org/pt/articulo/110633
Subscrever America Latina en Movimiento - RSS