Elixir da eterna juventude
06/07/2006
- Opinión
Há 5.000 anos a medicina investiga a cura da calvície e o elixir
da eterna juventude. Os calvos ainda aguardam. São ainda tímidos
os avanços contra o destelhamento capilar. O jeito é camuflá-lo
com implantes e perucas. Mas, como afirma Ricardo Kotscho, se
cabelo fosse importante nasceria para dentro.
O outro objetivo foi alcançado. Não na forma de uma drágea que
se compra na farmácia, mas em algo muito melhor: a boa forma
física e a convicção. A velhice está abolida. O vocábulo,
banido. Hoje ninguém se considera velho. No máximo, chegou à
"terceira idade". E, se possível, cercado de cuidados para
esconder as rugas e os cabelos brancos.
Na antiguidade greco-romana, eram considerados jovens os que
tinham entre 22 e 40 anos. "Juvenis" vem de "aeoum", que
significa "aquele que está em plena força da idade". Agora a ONU
considera jovem quem está entre 15 e 24 anos. Na minha infância
as coisas eram mais nítidas. A infância terminava aos 11 anos; a
adolescência aos 18; a juventude aos 30; e a maturidade aos 50,
quando tinha início a velhice.
Graças ao elixir da eterna juventude, contido no frasco da
obsessiva glamourização das formas, a infância de muitos vai até
os 20 anos, caracterizada pela dependência familiar; a
adolescência idade em que se deseja tudo sem saber bem o que
escolher - até os 40; e a juventude se estende dos 40 a morte,
ainda que esta ocorra na casa dos três dígitos. Embora a morte
não seja ainda evitável, mas já dá para voltar do enterro do
amigo e comentar: "Morreu jovem, saradíssimo, com tudo em cima,
sem uma celulite".
Fartam-se com essa síndrome as indústrias de cosméticos,
equipamentos de ginástica e alimentos naturais, as clínicas de
cirurgia plástica e os parques gráficos das publicações que
ensinam como envelhecer sem deixar de ser jovem. Enfim, tudo
aquilo que promete, ao menos no corpo, estancar a marcha
inexorável da natureza.
A sabedoria ensina que convém nos adequar ao ritmo da natureza:
dormir quando bate o sono, comer ao vir a fome, acostumar-se às
mudanças biopsíquicas. Ora, se a vontade humana logrou deter o
mar que ameaça inundar a Holanda; construir uma muralha em volta
da China; pisar na Lua; e desvendar a intimidade das crateras de
Marte e dos anéis de Saturno, por que diabos não devemos atrasar
o relógio do tempo em nossas vidas! Somos jovens, eternamente
jovens!
Tudo bem se isso significasse boa disposição física, mental e
espiritual. O complicador é que há quem, aos 70 ou 80 anos,
insiste em se comportar como se tivesse 20, e há também jovens
de 18 e 20 anos que são surpreendemente velhos, com perspectiva
de vida muito curta, desprovidos de otimismo e ousadia,
arrastando-se pelos dias como a tartaruga que carrega um enorme
peso nas costas.
Estamos assistindo à inversão da dualidade de Platão, que
acreditava na elevação do espírito graças à sujeição ascética do
corpo. Agora, ocorre o contrário. Malha-se o corpo em cada
esquina, mas... e o espírito? Ah, como seria bom que andassem
juntas, como irmãs gêmeas, a ética e a estética, a beleza e a
sabedoria, a boa forma física e o cultivo dos valores
espirituais.
Meus exemplos de juventude são Oscar Niemeyer, embriagado de
utopia socialista, e Dercy Gonçalves, mestre na alegria de
viver. São dois velhos. No entanto, não abreviam suas vidas com
amarguras, ociosidade, medo ou pessimismo. Fazem delas,
literalmente, uma obra de arte.
Incluo nesse rol também a minha mãe, Maria Stella Libanio
Christo, mestra da culinária mineira. Aos 86 anos, prossegue
trabalhando e ativa na militância cristã. Há pouco terminamos um
livro a quatro mãos, destinado ao público infantil interessado
em aprender a cozinhar e a conhecer a diversidade regional de
nossa culinária: "Saborosa viagem pelo Brasil" (Mercuryo Jovem),
a ser editado neste segundo semestre. Em outubro ela estará em
Turim, como convidada especial do congresso da Slow Food, que
revaloriza a cozinha artesanal, livre de processos industriais,
químicos e transgênicos.
É a grandeza do sonho que abraçamos que torna plena de sentido a
nossa existência. Sobretudo quando os bens que ambicionamos
podem ser guardados no coração.
* Frei Betto é escritor, autor do romance "Entre todos os
homens" (Ática), entre outros livros.
https://www.alainet.org/pt/articulo/110393
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