O Grito dos Migrantes pela Vida

Por que calar se nasci gritando?

13/08/2004
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Esta era a frase que ficou escrita na embaixada dos Estados Unidos em Quito, no final da marcha contra a ALCA, Dívida, Militarização e o Livre Comércio, da qual participaram em torno de vinte mil pessoas, por ocasião do Fórum Social das Américas, em julho deste ano. Entre tantos outros assuntos, as migrações foram tema de debates em painéis, seminários, e conferências. A problemática migratória está cada vez mais presente nos diversos fóruns que vão se sucedendo pelo mundo. Segundo alguns dos conferencistas, as migrações são causadas pelas mudanças estruturais neoliberais, pela demanda de mão de obra barata para os países mais desenvolvidos e também pelos incentivos de alguns países pobres, que vem na migração uma fonte de divisas para o país de origem. Ao nos aproximarmos do décimo grito dos excluídos no Brasil, é importante perguntarmo-nos por que gritam os migrantes, ou melhor contra o que estão gritando. Podemos destacar o grito contra a concentração da terra, a migração forçada, o superávit primário em detrimento das áreas sociais, contra o pagamento da dívida externa sem uma anterior auditora e contra a ditadura dos capitais financeiros especulativos. Nossos gritos: Gritamos contra a concentração secular da terra no Brasil. Nunca no Brasil mexeu-se efetivamente na estrutura fundiária. Daí as contínuas migrações em direção às novas fronteiras agrícolas que estão se esgotando. As pequenas propriedades com menos de 200 ha, num total de 3,9 milhões ocupam uma área de 122 milhões de hectares e absorvem 95% da mão-de-obra do campo. Já as grandes propriedades, com mais de 2 mil ha, num total de 32 mil, ocupam 132 milhões de hectares e absorvem apenas 45 mil pessoas, 0,3% do total das pessoas ocupadas no campo. Gritamos contra todas as formas de migração forçada, seja internamente no Brasil, seja de nosso país para outros e entre os diversos países. Atualmente são mais de 175 milhões de migrantes no mundo, sendo que em média, nos últimos dez anos, são 6 milhões de novos migrantes por ano. O grito dos migrantes é para que a migração seja um fato espontâneo e não compulsório como na maioria dos casos. Gritamos contra o superávit primário, que de janeiro a junho deste ano, foi de 46,183 bilhões de reais, mas que foi realizado à base de cortes nos investimentos sociais e no aumento da carga tributária. O Ministério da Saúde, por exemplo, tem um orçamento previsto para este ano de 2,5 bilhões de reais, mas até o momento, foram liberados apenas 159,9 milhões (apenas 6,16%). Já para o programa 'primeiro emprego' estão destinados 189 milhões de reais, mas o realizado é de apenas 441 mil reais, (ou seja apenas 0,2%). Gritamos cada vez mais forte para livrar o Brasil da ditadura dos capitais financeiros especulativos. É a livre circulação de dinheiro, um dos mandamentos sagrados do credo neoliberal, que obriga o Brasil a desviar, para o pagamento de juros, recursos que serviriam para reabilitar os serviços públicos, iniciar a recuperação das redes de infra-estrutura, gerar milhões de postos de trabalho. Nosso grito ergue-se também contra a eterna dívida externa. De 1979 a 2003, o Brasil pagou 170 bilhões de dólares a mais do que recebeu de empréstimos. E o que é mais triste, segundo a Auditoria Cidadã da Dívida, levada em frente de forma muito competente pelo UNAFISCO, no histórico dos contratos da dívida encontramos absurdos tais como: "renúncia à alegação de nulidade e renúncia antecipada a qualquer alegação de soberania". Como não gritar diante de tal afronta? Gritando por mudanças. Nossos gritos, porém, não são apenas contra, são também a favor, são propositivos. Nosso grito é por uma Nova Lei dos Estrangeiros adequada à atual realidade migratória, que esteja de acordo com os princípios da Constituição que se fundamenta na dignidade das pessoas humana, na cidadania, de acordo com o Plano Nacional dos Direitos Umanos de 1996 e com a Convenção Internacional da ONU sobre a proteção dos direitos de todos os trabalhadores migrantes e de seus familiares, de 1990. Gritamos em favor da Auditoria Cidadã da Dívida que está prevista na Constituição Federal de 1988, no artigo 26 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, até hoje não cumpridas. Gritamos em favor da Reforma Agrária para que as pessoas que assim o desejarem, tenham condições de permanecer no campo sem migrar forçosamente para as cidades ou para outros países; pela mudança do atual modelo econômico cujo debate estará em foco no Tribunal do Modelo Econômico a se realizar, em São Paulo, em abril de 2005. Gritamos pelo direito de ir e vir que nos é garantido pela Constituição e pela auto-determinação dos povos e suas culturas, contra toda discriminação e por políticas públicas que incluam migrantes e imigrantes. Gritamos pelo resgate de nossas raízes, contra toda massificação. Gritamos por um novo conceito de cidadania, pois, no mundo globalizado no qual vivemos, é inadmissível reduzir o direito de cidadania a uma circunscrição geográfica. O grito dos migrantes soma-se à proposta da 4ª Semana Social Brasileira que propõe um "Mutirão por um Novo Brasil", cujo objetivo é de construirmos juntos um projeto popular para nosso país; projeto que seja justo, solidário, plural e sustentável. * Luiz Bassegio e Roberval Freire. Ambos são do Serviço Pastoral dos Migrantes
https://www.alainet.org/pt/articulo/110358
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