Ética nos negócios

22/07/2004
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O termo ética não comporta adjetivos. Assim, não devemos falar de "nova ética" nem de "ética nos negócios". Todos devem ser éticos não apenas "nos negócios".   A realidade muda, a ética não. Esta pode ser mais ou menos observada, ter mais ou menos incidência na realidade em que vivemos. Somos nós que deixamos de ser éticos ou tão éticos como deveríamos ser. Não devemos pôr a culpa na ética. Nem tratá-la como se fosse algo descartável que, como os equipamentos tecnológicos, exige nova reposição a cada ano . $nbsp; Nosso desconforto advém do fato de vivermos num mundo onde o sucesso dos negócios parece não combinar com os princípios éticos. Se o lucro, e cada vez mais lucro, se impõe como princípio vital do sucesso em qualquer negócio, como ser ético perante a concorrência, o peso da carga tributária, os novos recursos publicitários que erotizam os apelos de consumo? É claro que nenhum empresário ficaria satisfeito com a notícia de que um de seus funcionários embolsa dinheiro da empresa ou que a diretora de vendas apareceu num evento exibindo um abusado decote, ou seja, sonegar o Estado e utilizar modelos em trajes sumários na propaganda não parecem ferir a ética, mas sonegar a empresa e portar-se como quem procura seduzir mais pelos atributos físicos que pela inteligência são atitudes consideradas uma grave falta de ética. Devemos nos perguntar se não estaríamos minando os próprios fundamentos da ética quando estabelecemos uma "ética de ocasião" e uma "ética de princípios". A ética de ocasião seria o sofisma legitimador de tudo aquilo que me parece adequado ao meu sucesso nos negócios. Seria o pragmatismo levado ao seu paroxismo. A ética de princípios seria aquela que prego mas não pratico; defendo mas não aplico; proponho mas não abraço. Como os antigos gregos, tenho a impressão de que retornamos à condição de seres passíveis movidos, agora, pelo deus Mercado. É ele que dita os destinos de nossos negócios. E dele que emanam as regras que nos obrigam a infringir a ética. No fundo, sabemos que não somos maus sujeitos. Mas... o que fazer diante de forças tão poderosas como as do deus Mercado? Como estabelecer critérios éticos na competitividade, na publicidade, no acúmulo do capital? Como ter sucesso nos negócios, se a legislação nos amarra numa camisa-de-força? Essas são indagações de muitos empresários que não suportam saber que um colega mantém funcionários sem carteira assinada ou explora o trabalho infantil. Empresários que são éticos nas relações pessoais e familiares. Porém, quando se trata do mundo dos negócios é como se eles se transportassem para um outro universo, onde o que é válido na esfera doméstica, na qual predomina a solidariedade, não se aplica aos negócios, movidos pela competitividade. Em casa, o fracasso de um é a dor de toda a família. Nos negócios, o fracasso do concorrente é conveniente ao meu sucesso e, portanto, motivo de alegria para mim. Hoje, muitas empresas, inclusive bancos, divulgam seus códigos de ética. De fato, elas descobriram que isso é um bom negócio. O cliente gosta de respeito, atenção e, sobretudo, serviço de qualidade. A empresa aumenta o seu teor de confiabilidade, ainda que, no dia-a-dia, nem sempre as coisas funcionem como reza o código ou anuncia a publicidade. O atendimento ao consumidor, tanto no setor público quanto no privado, continua a ser como os milagres. A começar pela dificuldade de falar com o santo pelo telefone divulgado. São tantos dígitos distintos, tantas vozes eletrônicas, tanto tempo a exigir paciência, que o cliente se sente na pele de Sísifo, incapaz de impedir que a pedra role montanha abaixo. Não vejo como falar de ética nos negócios se antes não nos perguntarmos pelos princípios éticos universais que devem reger todas as esferas de nossa existência. O primeiro deles é a vida ­ do ser humano, da natureza, do cosmo ­ como dom sagrado. Este é o primordial e fundamental princípio ético. Qualquer atitude ou empreendimento que ameace ou destrua a vida, viola a ética e, portanto, deveria figurar na lista de crimes. Basta esse princípio para uma boa e profunda reflexão sobre a ética do meu negócio: ela ameaça a saúde dos funcionários e dos clientes? Põe em risco o equilíbrio ambiental? Favorece a desigualdade social? Creio que uma boa agenda de responsabilidade social não é suficiente para legitimar eticamente uma empresa. A responsabilidade deve ser também cidadã, ambiental e planetária. Deve ser política. Não haverá avanços éticos se partimos do pressuposto que a economia de mercado exige sacrifícios humanos e que a pobreza é uma nódoa indelével na história humana. A pobreza é uma violação dos direitos humanos e deveria mobilizar todos nós que não somos vítimas delas. Então, aprenderemos na prática por que todo ser humano é nosso próximo e, como acentua a palavra de Deus, criado à imagem e semelhança divinas. É possível que, nesse dia, se inicie uma nova etapa na história humana: a economia deixará de ter como paradigmas a competitividade e a acumulação, e passará a reger-se pelos paradigmas da solidariedade e da partilha. * Frei Betto é autor de "Gosto de uva ­ escritos selecionados" (Garamond), entre outros livros.
https://www.alainet.org/pt/articulo/110287
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