"Paraisos fiscais": prostíbulos da globalizacao

19/06/2004
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A recém concluída reunião da Unctad no Brasil recolocou o tema da taxação dos movimentos de capitais dos chamados "paraísos fiscais". O aparentemente interminável processo de Paulo Maluf reatualiza permanentemente o tema. Parece um fenômeno menor, particular, uma aberração, porém, como dizia Brecht, no exagero se deduz a essência de um sistema. E a globalização liberal requer os "paraísos fiscais", como a família tradicional requeria os prostíbulos, como compensação equilibradora dos casamentos indissolúveis. A leitura do que são e do seu funcionamento fala muito mais sobre o capitalismo contemporâneo do que centenas de inócuos manuais de economia e finanças. Eles são micro-territórios ou Estados com legislação fiscal frouxa ou inexistente, que praticam o recebimento anônimo de capitais, mediante uma espécie de comercialização de sua soberania. Vários bancos recebem nesses espaços – Suíça ou Mônaco, Ilhas Cayman, Bahamas ou Luxemburgo, em um total entre 60 e 90 no mundo –dinheiro de qualquer lugar do universo de qualquer pessoa ou empresa, sem que se tenha que justificar a origem desses recursos. Suas localizações são as periferias dos grandes centros econômicos do mundo – EUA, Europa e Ásia. Trata-se de fábricas de lavagem de dinheiro de máfias, dirigentes políticos corruptos e empresas. Essa lavagem, segundo o FMI, representa entre 2 e 5% do PIB mundial. A metade dos fluxos de capitais internacionais transita ou reside nos "paraísos fiscais", em um montante entre 600 milhões e 1,5 bilhões de dólares sujos que circulam nesses circuitos. Para se ter uma idéia do que significa esse montante, basta dizer que as dívidas públicas em todos os mercados internacionais chega a 5 bilhões de dólares. As corporações multinacionais se valem amplamente dessa situação, que se adaptam perfeitamente às suas necessidades. A evasão fiscal se vale dos centros chamados de "offshore" que atraem os que desejam deixar de pagar impostos por suas riquezas e fortunas. No conjunto de suas atividades os "paraísos fiscais" se tornaram engrenagens essenciais ao capitalismo mundial, gerando cerca de 20% da riqueza privada mundial. São rendas ilícitas, provenientes do tráfico de armas, do trabalho de mercenários de guerra, do comércio de droga, da prostituição, do contrabando, do roubo e de outras atividades similares. O anonimato das contas e o segredo bancário são os instrumentos desses negócios monstruosos e imorais, tornados ainda mais fáceis pelas políticas vigentes de desregulação econômica e financeira. "Paraísos fiscais" situados na Europa, como Mônaco, Suíça, Luxemburgo, São Marino e Liechtenstein foram criticados pela Comunidade Européia por não ter tomado medidas para coibir a circulação de capitais de proveniência não declarada. Mas também países que não controlam o envio desses tipos de capitais foram mencionados – como a Rússia, Israel e as Filipinas. O Banco do Brasil realizou no ano passado um seminário sobre combate à lavagem de dinheiro pelo sistema bancário, tornando-se o primeiro banco estatal no mundo a aderir a essas iniciativas. É um bom começo. Mas seria necessário que iniciativas muito mais amplas e sistemáticas, coordenando distintas esferas de atividade do governo e de outras instancias da sociedade, atuassem de forma vigorosa e prioritária contra a lavagem de dinheiro e a remessa para "paraísos fiscais". Ganharia não apenas a arrecadação tributária, mas sobre tudo se dariam passos importantes no combate ao narcotráfico. Porque as quantias que devem circular pelo sistema financeiro provenientes do narcotráfico têm que ser enormes. E, ao que se saiba, não se têm chegado a esses circuitos, que levariam a prender e desarticular não apenas a líderes e gangues locais do narcotráfico, mas aos senhores que são os que realmente lucram com essa atividade ilícita. Afinal, foi por essa via que os EUA conseguiram prender a Al Capone. E é por ela que poderemos chegar à trama de articulações que envolvem milhões de dólares e que passa pelo sistema financeiro e pelos "paraísos fiscais".
https://www.alainet.org/pt/articulo/110111
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