Banco ético
03/06/2004
- Opinión
Em 1998, um grupo de italianos fundou o Consórcio Étimos, rede
de cooperativas de microcrédito voltada às pessoas de baixa
renda que não suportam os juros bancários geralmente praticados
e nem conseguem vencer a malha burocrática que as impede de
serem tratadas como cidadãs. Um pobre agricultor que entra numa
agência bancária nem sempre é acolhido do mesmo modo que o
grande fazendeiro da região.
Onze anos depois, o consórcio havia se expandido tanto que gerou
um filho, hoje bem maior e mais rico do que o pai: o Banco
Popular Ético, de cuja assembléia de acionistas participei no
sábado, 29 de maio, em Pádua, na Itália, para falar do Fome
Zero. Dentro dessa prioridade do governo federal, o banco
italiano se dispõe a liberar 3 milhões de euros para
microcrédito de famílias brasileiras que vivem em assentamentos
rurais.
Cinco anos após a sua fundação, o Ético conta com 23 mil
acionistas e cerca de 100 mil correntistas, um capital de 260
milhões de euros e um volume de crédito de 160 milhões de euros.
Suas agências se estendem por oito cidades italianas, e em mais
60 há equipes de voluntários que promovem eventos sobre finanças
éticas, além dos dez "banqueiros ambulantes" que percorrem a
Itália oferecendo crédito a pequenas cooperativas.
Os princípios que regem a atividade do banco centram-se no
modelo de desenvolvimento humano e social sustentável,
considerando a produção da riqueza e a sua distribuição
enraizadas nos valores da solidariedade, da responsabilidade
social e na promoção do bem comum.
Caracteriza-o o fato de seus correntistas decidirem em que área
do terceiro setor querem seu dinheiro investido: cultura popular
(incentivo a grupos de teatro, música, balé etc., integrados por
jovens artistas de famílias de baixa renda); cooperação social
(capacitação e qualificação profissionais de portadores de
deficiências físicas e mentais); cooperação internacional
(microcrédito a cooperativas de países pobres, ONGs atuantes em
programas sociais, Fome Zero etc.); meio ambiente (projetos de
energia reciclável, agricultura orgânica, educação para o meio
ambiente etc.).
Um comitê ético, eleito pelos acionistas, exerce o controle
sobre os investimentos, a fim de assegurar que todos os projetos
tenham, de fato, valor social e estejam voltados à inclusão de
pessoas que, por alguma razão, são vítimas de um sistema que
prioriza a competitividade sobre a solidariedade e ainda não
considera a pobreza uma grave violação dos direitos humanos.
No Banco Ético tudo funciona na mais completa transparência.
Pelo site do banco (www.bancaetica.com), que atua em 42 países,
o correntista fica conhecendo a lista completa das entidades
financiadas e o montante de recursos investido. Ou seja, sabe-se
para aonde vai o dinheiro, o que, diga-se de passagem, nem todo
banco gosta de informar.
No Brasil, o Banco Ético pretende atuar articulado com cinco
ministérios: Trabalho, Meio Ambiente, Fazenda, Desenvolvimento
Agrário e Desenvolvimento Social. O MDA, através de um fundo de
garantia, assegura o recurso captado por pequenas cooperativas
de crédito. Os juros serão de 6,5% ao ano! E a diferença de
câmbio entre o euro e o real será solidariamente coberta por
outro banco ético, a Caixa dos Trabalhadores e das Trabalhadores
de Quebéc, no Canadá. A qualificação técnica dos agentes desse
programa ficará por conta da CEPAL, organismo da ONU.
É nessa direção que o presidente Lula orientou o Banco do Brasil
para abrir o Banco Popular do Brasil, que já funciona em 22
pontos de atendimento (lojas, lachonetes, padarias etc) e, até o
fim deste mês, serão 400. Basta o interessado abrir uma conta
apresentando o seu RG e CIC (este o banco ajuda o cliente a
obtê-lo) e contratar um empréstimo de R$ 50, a juros de 2,5% ao
mês, devendo pagar a primeira prestação em, no máximo, 6 meses.
Passa, então, a ter direito de sacar R$ 100, podendo atingir o
teto de R$ 300. Até agora já são 2 mil os beneficiados por essa
modalidade popular de crédito. (Mais informações pelo tel:
08007-292929).
É bom lembrar que as estatísticas mostram que os mais pobres são
os menos inadimplentes.
* Frei Betto é escritor, autor de "O Vencedor" (Ática), entre
outros livros.
https://www.alainet.org/pt/articulo/110026
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