Rio de Janeiro, Havana, Istambul
18/05/2004
- Opinión
Por menos que a gente leve em conta, um não sempre produz
rejeição. Não é por julgar que "as uvas estão verdes", mas essa
decisão do "Comitê Olímpico" está nas antípodas do espírito
olímpico, daquele "o importante é competir". Foram excluídas
todas as cidades candidatas da periferia do capitalismo, ficaram
as consideradas mais ricas e poderosas. A economia e a política
decidiram. Senão, vejam a composição do Comitê que tomou a
decisão.
Um trabalhador imigrante equatoriano, sem papéis, que serve para
trabalhar na Espanha, mas sem o direito à legalização, levava um
cartaz, em uma manifestação, que dizia: "Nós estamos aqui,
porque vocês estiveram lá." O "aqui" era o solo de um país que
foi colonizador e tornou-se imperialista. O "lá" é o nosso
"aqui": o território pilhado pela colonização e pelas potências
coloniais. Porque eles nos pilharam "aqui", tantos de nós buscam
o trabalho que nos é negado aqui, "lá".
E ainda seguimos esperando para ver se nos "concedem" um Oscar,
um Prêmio Nobel, uma sede dos Jogos Olímpicos, porque eles nos
ensinaram e tantos de nós introjetaram o hábito de nos
desvalorizar, valorizando-os, fazendo deles o que gostaríamos de
ser e de nós os que gostaríamos de não ser nós mesmos.
Olimpíada virou coisa de país rico. Basta dizer que se exige,
previamente, ótimas condições de segurança, de transporte, de
hospedagem e de infra-estrutura, o que já elimina as cidades da
periferia. (Ainda assim, pelo menos uma pergunta: como alguém
pode se sentir mais seguro em Moscou do que em Havana?) Atenas
conseguiu ser a sede - depois de vergonhosamente derrotada no
ano do centenário das Olimpíadas por interesses comerciais, que
levaram os Jogos para Atlanta – por ter sido a primeira sede. O
México foi a última cidade da de um país não rico que sediou os
Jogos.
Como nos atrevermos a trazer para cá atletas caríssimos,
patrocinados por grandes empresas multinacionais, correndo
riscos graves? A Turquia serve para ser retaguarda militar para
a invasão do Iraque, mas como pode pretender que Istambul possa
equiparar-se a metrópoles como Nova Iorque, Paris, Londres e
Madri?
Como Cuba, só porque detêm os melhores índices sociais do mundo,
uma infra-estrutura que dá sustentação a uma das maiores
potências esportivas do planeta, pode pretender que Havana seja
uma sede suficientemente digna para abrigar a delegações das
mais poderosas potencias do universo?
O Brasil pode servir para mandar tropas para o Haiti ou para
atrair capitais especulativos, enquanto lhes interesse nossa
estratosférica taxa de juros, mas como poderíamos ousar triunfar
sobre Moscou ou Nova Iorque ou Madri, sedes da "guerra contra o
terrorismo"?
Deixemos para eles as glórias olímpicas de ser cenários desses
festivais da grana e do exibicionismo de consumo. Organizemos
com dignidade e com solidariedade os Jogos Panamericanos – mundo
ao qual pertencemos por raízes e por destino comum. Demonstremos
que somos capazes de faze-lo, mas tiremos conseqüências disso
tudo.
Aprendamos, de uma vez por todas, que esse mundo em que reina o
dinheiro, é o mesmo mundo responsável pela miséria dos bilhões
que habitam a Ásia, a África e a América Latina. Que nosso mundo
é exatamente aquele que eles excluem – o de Istambul, o de
Havana, o do Rio de Janeiro, mundo pilhado por eles e de quem
agora eles cobram que possua as melhores condições de infra-
estrutura, de segurança, de transporte e de hospedagem, oito
anos antes das Olimpíadas. Em suma, querem consolidar a riqueza,
o poder e o privilégio para os que já os tem, porque foram
potencias coloniais e agora são potências imperialistas.
Não vale a pena seguir concorrendo a ser sede das Olimpíadas,
salvo se a decisão for tomada por uma assembléia do Comitê
Olímpico, em que participem todos os países membros e não um
comitê que já foi acusado, com provas claras, de ser objeto de
corrupção por parte de governos e corporações multinacionais
interessadas em promover o evento. A democratização do COI tem
que fazer parte da proposta de democratização dos organismos
internacionais – como as Nações Unidas, a Unesco, entre outras.
Convoquemos uma reunião com os comitês olímpicos que
apresentaram as propostas de Istambul e de Havana, chamemos os
comitês olímpicos dos países da Ásia e da África, formemos uma
espécie de Grupo dos 20 do esporte, para democratiza-lo, torna-
lo accessível à grande massa da população discriminada,
recuperemos o espírito olímpico, desmoralizado pelos
representantes dos países que estão lá, porque estiveram aqui.
https://www.alainet.org/pt/articulo/109939
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