Os dilemas da ALCA e o nosso futuro

26/04/2004
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O ano de 2004 será decisivo para os rumos da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), que os Estados Unidos querem impor ao continente. E para que o governo brasileiro defina sua verdadeira posição sobre o assunto. Nesses quinze meses do governo Lula, a posição do Brasil tem sido oscilante. Ora demonstra firmeza, ora vacila e parece aceitar os termos de uma ALCA light. A proposta de uma ALCA light pretende reduzi-la a um acordo comercial, e apenas incluir as outras áreas de serviço, investimento e agricultura se houver completo consenso. Aparentemente, a posição reduz as pretensões dos norte-americanos, mas no fundo abre a porta para que imponham seus interesses. Através de acordos bilaterais ou pontuais por setores, os Estados Unidos vão impondo os pontos que não são consenso aos demais países. A posição brasileira tem gerado muitas interpretações, por várias razões. Embora o governo reafirme que o ministro Celso Amorim é condutor das negociações, são públicas e notórias as divergências com os ministros da área econômica e sobretudo a agricultura. Fazem mais o jogo do capital transnacional do que a defesa dos interesses brasileiros. O Itamaraty tem defendido a idéia da ALCA light. Isso reduziria a pretensão inicial dos Estados Unidos, que a quer ampla, geral e irrestrita. Mas propor e aceitar a ALCA é submeter-se a um processo de subordinação. E isso gera dúvidas se é tática de negociação ou uma posição que o Brasil aceita. O presidente Lula e outros próceres do governo fazem com freqüência defesa enfática da idéia de que o "livre comércio" é benéfico. Temos argumentado, na campanha brasileira e continental contra a ALCA, que é preciso informar e conscientizar nosso povo de que ela não constitui um mero acordo comercial entre duas ou mais partes, em que todos podem ganhar. A ALCA é apenas um marco jurídico, um guarda-chuva para dar legalidade à liberdade de ação que o capital das quinhentas maiores empresas dos Estados Unidos necessita. As empresas precisam da ALCA para fazer o que bem entenderem em nosso território, com nossas riquezas, energia, agricultura, sementes, mercado, serviços, educação, moeda, e assim aumentarem seus lucros e domínio sobre a economia e sociedade brasileiras. A ALCA é a forma de eliminar as fronteiras "legislativas" dos países e impedir que os Estados nacionais submetam o capital aos interesses da população. É um projeto de ampliação dos domínios do capital. Portanto, não se trata de estabelecer se é ampla ou light, ela contraria os interesses do povo e da economia. Estudos da Unicamp e da FIESP comprovam que a maioria dos empresários brasileiros seria prejudicada, poucos ganhariam. Precisa-se combater a falsa idéia de que o livre comércio é benéfico. Isso é apenas uma ideologia do liberalismo comercial requentado do século 18, e o próprio Keynes, que não era nenhum esquerdista, alertou em 1930 que o estado tinha um papel fundamental, regulatório, para a estabilidade da economia e o desenvolvimento das nações. É verdade que a correlação de forças atual no continente não nos permite arroubos de confrontos com o norte, mas também verdade que a maior força de que um país dispõe está no seu povo. Se o governo não tem força ou coragem suficiente para enfrentar o capital que vem do norte, deve saber que sua força reside na capacidade de mobilizar o povo, para defender os interesses nacionais. Temos falado na campanha contra a ALCA que não esperamos do governo que adote as mesmas táticas dos movimentos sociais. Mas ele tem a obrigação de mostrar total transparência sobre o que está negociando em nome do povo. Deve usar os meios de comunicação para esclarecer e conscientizar a população. O governo não tem mandato para realizar acordos internacionais que firam nossa soberania. Defendemos o direito do povo brasileiro de decidir, em plebiscito, as negociações e acordos sobre a ALCA. Há projetos no Congresso estabelecendo a consulta ao povo, mas isso é insuficiente. Esperamos que nos próximos meses, aproximando-se a data decisiva de confronto com os interesses do capital norte-americano, se intensifiquem mobilizações populares no Brasil e em toda a América Latina para impedir a implantação da ALCA. * João Pedro Stedile é membro da coordenação do MST e da CMS.
https://www.alainet.org/pt/articulo/109826

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