O FSM entre a historia, a geografia e a politica
19/01/2003
- Opinión
Quando surgiu, em Porto Alegre, em janeiro de 2001, o Fórum
Social Mundial representou uma grane vitória da história sobre os
determinismos naturais que o neoliberalismo, o pensamento único e
todos os seus arautos pretendiam liquidar o caráter obrigatoriamente
histórico de tudo o que é humano. Já na sua primeira edição o Fórum
afirmou:
1) a necessidade de "um outro mundo possível", pelas conseqüências
negativas para grande maioria da humanidade produzidas pelas
políticas neoliberais;
2) o imenso mal estar e descontentamentos gerais por essas
políticas, mais além do conformismo e da aparente satisfação e
sucesso que a grande mídia procurava projetar;
3) que as forças que irrompiam à superfície mais explosivamente
desde Seattle, combinam diversidade com unidade na luta contra o
mundo neoliberal e que essa diversidade é um fato de força e não de
debilidade;
O Fórum Social Mundial se afirmou assim, desde aquele momento, como
o espaço privilegiado de intercâmbio de experiências, de afirmação
da vontade majoritária da humanidade de construir "um outro mundo",
marcado pela solidariedade e pelo humanismo, e não pela riqueza e
pelo egoísmo, assim como de confluência de todos os que lutam por
esse mundo.
O II. Fórum teve que se enfrentar com a nova política estratégica
dos EUA, que coloca no centro da luta política e ideológica mundial,
o tema da luta contra a guerra e pela resolução pacífica dos
conflitos mundiais e locais. O Fórum de janeiro de 2002 conseguiu
incorporar esse tema e o movimento por uma outra globalização soube
fazer sua a bandeira da luta contra o militarismo norte-americano
nas gigantescas manifestações de um atrás pelo mundo afora.
Se o primeiro Fórum representou uma vitória da história contra os
determinismos economicistas do neoliberalismo, este IV. Fórum,
conjuntamente com todos os Fórum regionais já realizados, uma
vitória no plano da geografia mundial, estendendo os territórios em
que a luta por um outro mundo possível se realiza, suas modalidades,
alterando sua composição étnica, ampliando suas temáticas.
No entanto, o "outro mundo possível" ainda não se visualiza no
horizonte, apesar do evidente esgotamento das políticas neoliberais
no mundo e do relativo isolamento da agressiva política norte-
americana. Não apenas esse mundo posneoliberal não se perfila no
horizonte, como o próprio Fórum não avança nas formulações do que
deve ser esse mundo.
Os Fóruns – mais marcadamente o III. e este IV. – se repetem, não
avançam nas propostas globais – apesar da mutiplicação de propostas
para problemas setoriais -, não conseguem articular estratégias para
levar à prática a construção do outro mundo possível. Em outras
palavras, se os FSMs conseguiram triunfar nos planos da história e
da geografia, torna-se indispensável triunfar no plano da política,
isto é, da capacidade de transformar a capacidade de defesa de teses
justas com a força de plasma-las na realidade, sem o que o "outro
mundo possível" seguirá sendo um voto, um desejo, uma vontade – por
mais ampla e moralmente forte que signifique.
Vozes cada vez mais amplas, de dentro do Conselho Internacional e
dos movimentos constatam a reiteração dos debates – que fazem com
que os FSMs se tornem grandes manifestações, mas sem gerar
capacidade de ação e transformação – e necessidade de uma maior
eficácia. Esta tem que ser conseguida por reformulações
significativas tanto na forma de organização dos Fóruns, quanto na
forma de sua preparação, trabalho no qual ou o Conselho
Internacional assume suas responsabilidades de favorecer a
construção das alternativas globais de "um outro mundo possível" ou
se tornará totalmente inócuo, como tende a acontecer atualmente.
Algumas transformações são condições do avanço indispensável:
a) a formalização do Conselho como órgão com participantes
delimitados, afim de que possa tomar decisões (independentemente que
o próprio CI possa aprovar gradualmente o ingresso de outros
membros);
b) a ampliação dos participantes dos FSNs – como já aconteceu de
fato no IV. FSM da Índia – para todos os que lutam contra o
neoliberalismo -, libertando-se da formulação estreita e
reducionismo de uma "sociedade civil" – conceito liberal e
excludente – para dar espaço para todas as forças e indivíduos que
lutam por "um outro mundo possível", sem sectarismos;
c) fazer discussões políticas substantivas nas reuniões do CI sobre
a situação do mundo, as alterações nas correlações de forças, os
avanços e as debilidades na luta por "um outro mundo possível" e
formular propostas de ação mais eficazes;
d) preparar seminário e fóruns temáticos e setoriais que formulem
alternativas setoriais e principalmente globais para que o V. Fórum
Social Mundial em Porto Alegre 2005 seja o desembocadouro de
propostas políticas globais de construção do "outro mundo
possível".
Esses passos permitirão politizar e democratizar os FSM, fazendo com
que cumpram também com sua função primordial de ser o espaço –
compreendido como um processo que se realiza na totalidade dos seus
eventos – de construção do "outro mundo possível".
https://www.alainet.org/pt/articulo/109173
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