FSM 2004:

Governança global – de quem, para quem?

17/01/2004
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"O governo global fracassou". A afirmação é de Mary Robinson, que durante anos esteve à frente do Alto Comissariado para Direitos Humanos das Nações Unidas. Com ela parecem concordar todos os palestrantes da Conferência "Globalização, Governança Global e Estado-Nação", realizada na manhã do dia 17. Entre defesas ao conceito de Estado-Nação – debilitado pelos processos da globalização e do neoliberalismo – e alertas para o perigo de simplesmente revitalizar o Estado-Nação, sem o cuidado de fortalecer a soberania popular, o consenso nos discursos foi a necessidade de redistribuir o poder no mundo, colocando os interesses humanos acima dos econômicos. Para o escritor indiano Aijaz Ahmed, quanto mais alto está o país na pirâmide do imperialismo, mais forte é o Estado-Nação. À medida em que enfraquece, mais e mais o Estado se inibe em sua responsabilidade em relação a seus cidadãos e passa a representar os interesses do capital internacional. O intelectual marxista ressalta que "o Estado-Nação segue sendo o espaço mais importante de ação política", e chama a atenção para o papel de resistência ao neoliberalismo que devem desempenhar os trabalhadores e seus sindicatos: "o trabalho é muito menos móvel que o capital", afirma, citando a Índia como um exemplo, com seus fortes movimentos campesinos e o sentimento antiimperialista que, segundo ele, predomina no país. O chileno Juan Somavia, que representa a OIT (Organização Internacional do Trabalho), também reconheceu o fracasso da ONU na luta contra uma ordem mundial injusta, "que está estabelecida e se expressa através do que chamamos de imperialismo, neoliberalismo, colonialismo, patriarcado, fundamentalismo do mercado". Somavia cita estatísticas de condições sociais na America Latina no período de 98 a 2003: a economia informal dobrou, a cobertura de direitos sociais diminuiu em 30%, o poder de compra de quem recebe salário mínimo caiu em 25%. "Estou fazendo uma descrição da realidade, não uma análise ideológica. Isso é moralmente inaceitável e politicamente insustentável. Quanto essa situação vai durar? Depende de nós". O embaixador chileno se soma a Ahmed quando ressalta a necessidade de valorização do âmbito local. "A globalização esquece o local e o local é o espaço social, é de onde construímos o global e é onde somos fortes como povo, como sociedade civil forte e ativa". Também reafirma a importância do trabalho – para ele, este é o caminho para o resgate da dignidade humana. Somavia reafirmou o Fórum Social Mundial como espaço para a união de iniciativas com um objetivo comum, em meio à diversidade. Para ele, quanto mais cedo aprendermos a trabalhar juntos, mais rapidamente implementaremos as mudanças necessárias no mundo. "Vi isso no Chile. Levamos 17 anos para nos livrarmos da ditadura Pinochet, porque estávamos divididos, por conta de detalhes. Só quando as forças democráticas se uniram é que acabou a ditadura". A ativista canadense Maude Barlow foi quem chamou a atenção para o risco de se defender o fortalecimento do Estado-Nação sem diminuir as distâncias existentes entre o povo e seus representantes, e cita a Constituição Européia como exemplo de ataque à soberania popular: "é uma Constituição feita pelas elites, sem legitimidade e participação democrática". Segundo ela, há uma crise, um retrocesso da soberania popular – fundamento da democracia. "Não podemos ser apenas um contrapoder. Precisamos reconquistar o poder, transformá- lo e democratizá-lo radicalmente". O espanhol Frederico Mayor, diretor da Unesco, abriu sua fala citando Gandhi - "não há caminhos para a paz, a paz é o caminho". Mayor pediu mais comprometimento dos governos com os compromissos assumidos na Cúpula para o Desenvolvimento Social de 1995 e afirmou a importância da ONU para tratar das questões da segurança e do desenvolvimento humanos, reconhecendo uma necessidade urgente de reforma das instituições internacionais, especificamente a Organização das Nações Unidas. "Para chegarmos a um marco de uma nova governança mundial, necessitamos desta reforma, com participação efetiva dos que estão aqui, no Fórum Social Mundial". Já Aminata Traore, ex-ministra da Cultura de Mali e fez a pergunta que não quer calar: governança de quem, para quem? Aminata lembra que os maus governos e a corrupção são as fontes principais da tragédia que vive a África e afirma: "nossos países querem outro tipo de governança. Queremos ética política, que respeite as pessoas, os recursos naturais. Para isso, são necessários ajustes estruturais, porque hoje, na África, quem paga, manda". Traore toca na ferida ao lembrar que mesmo as ONGs não sobrevivem sem a ajuda de agências multilaterais, e que "os experts bem pagos vêm à África dizer como devemos resolver nossos problemas, e nós temos que jogar o jogo da subordinação". A ativista malinesa lembra que instituições como o Banco Mundial e o FMI devastaram os países africanos e ainda quiseram impor seu conceito de democracia - "para eles, democracia são princípios formais, embora não nos dêem liberdade para nada, para decidir que política queremos". Segundo ela, "se impõe a idéia de que tudo está à venda – inclusive as pessoas". Aminata destaca a reunião de Cancún como um momento histórico. "Pela primeira vez desde o fim da guerra fria os países africanos dizem não à guerra neoliberal. Nossos líderes por fim começaram a lutar – se não por um mundo melhor, mas pelo menos por preços mais justos para nossos produtos". Mary Robinson falou em seguida, abordando – além do fracasso da ONU – a necessidade de reforma dos processos de governança global principalmente através da aplicação prática de uma agenda internacional de direitos humanos – que já existe. "É urgente assegurar os direitos fundamentais. Não há mudança no mundo sem maior justiça nos instrumentos da governança global. Isso passa pela reformulação das instituições internacionais". Robinson também criticou os procedimentos adotados na reunião da OMC em Cancún, onde, segundo ela, falta transparência nos processos, há reuniões de portas fechadas". Como alternativa, Mary Robinson propõe que "devemos nos centrar nas ferramentas com que contamos, como os compromissos legais de cada país, exigindo que os governos os cumpram. Há procedimentos que não utilizamos suficientemente, como a produção de informes, em cada país, sobre as metas estipuladas nas Cúpulas Mundiais. Estes objetivos muitas vezes despertam ceticismo, mas é importante que existam. Eles valem o esforço". * Graciela Selaimen, Rits. http://fsm2004.rits.org.br/conteudo.asp?conteudo_id=47
https://www.alainet.org/pt/articulo/109156
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