A política como sedução
11/10/2003
- Opinión
O que têm em comum Reagan, Schwarzenegger e Berlusconi? O uso da sedução
na política. Entre os dois primeiros os elementos comuns parecem claros.
Na Califórnia, estado de Hollywood, não é difícil imaginar como o triunfo
do mundo das imagens no mundo da política tenha ali seu berço.
Berlusconi, por sua vez, projetou a imagem do "empresário vitorioso",
além disso magnata da mídia. Berlusconi afirmava expressamente que iria
fazer "dar certo" o Estado italiano da mesma forma que o havia feito com
suas empresas – objetivo ideal do liberalismo: refundar o Estado conforme
a lógica do custo/benefício. Em todos os casos a onipotência projetada
através das imagens, substituindo o raciocínio pela sedução.
"...o poder em nossos dias, seja o dos líderes como o das stars, dos
chefes dos Impérios como dos papas, passa por essa espécie muito peculiar
de imagens que é a imagem eletrônica." (Régis Debray) Na manipulação da
opinião pública, da mesma forma que no funcionamento do Estado, as armas
da sedução levam a melhor sobre a convicção racional. É o triunfo do
mercado sobre a política, dos interesses privatistas sobre o interesse
público, da pesquisa de opinião sobre o debate e o voto, da audiência
sobre o poder de convencimento, da imagem sobre o raciocínio, da sedução
sobre a razão.
A crise do público e, com ela, da democracia, se reflete na prioridade do
local, do urgente, do "concreto" em detrimento dos princípios; no
declínio dos sindicatos e dos partidos em benefício de "redes" e de
"lobbies"; no emperramento das formas públicas de representação,
substituídas por radiografias de supostas "opiniões públicas" e pesquisas
qualitativas; na eliminação, seguindo o modelo norte-americano, das
fronteiras entre o público e o privado; no poder de arbitragem que a
mídia privada se atribui, no lugar das instâncias públicas, eleitas
democraticamente pelo voto universal; na degradação do serviço público e
da idéia de esfera e interesses públicos, a favor da "filantropia", das
campanhas televisivas, das "parcerias" com empresas privadas, do
"voluntariado".
A isso corresponde a mudança dos discursos dos governantes, sempre
televisionados, que perdem solenidade em favor das alocuções dialogadas,
do vocabulário familiar, proverbial, com planos próximos, até o grande
plano do rosto do chefe de Estado, como marca da máxima intimidade.
"Procura-se fascinar pela aproximação e não mais pela distância, pela
banalização..." e não pela formalidade (Debray). Cresce a importância
dos elementos não verbais da mensagem, calculados secamente pelo
seguimento dos índices de audiência.
Tradução do declínio simbólico, o recuo comprovado da leitura colocou o
consumo audiovisual no primeiro lugar do emprego do tempo do cidadão: a
principal atividade humana depois do sono. Um Estado que não ocupasse a
telinha perderia o contato com a opinião pública. Os indivíduos, por sua
vez, são concitados abandonar seu status de cidadãos, para reduzir ao de
consumidores, de ouvintes, de televidentes, de assinantes.
É a TV que faz o Estado, não o inverso. Não é a TV que se adapta ao
Estado e ao poder, mas este que se adequa àquela. Governantes e políticos
em geral falam para a telinha, para a chamada do telejornal, buscam
pautar o noticiário com frases curtas e de efeito. Sua plena realização é
a reprodução pela mídia das imagens que forjou, dos provérbios a que
apelou, das modas linguísticas que logrou introduzir na mídia.
O Estado cidadão fica superado pelo Estado sedutor. Se aquele manifesta
uma tendência progressista, o Estado sedutor não consegue esconder sua
tendência conservadora. A educação é um mito da esquerda, a comunicação
um mito da direita. A primeira vê no homem um ser dotado de razão,
prefectível, com capacidade de julgar bem e deliberar de acordo com esse
julgamento. A segunda, um ser de necessidade destinado, antes de tudo, a
possuir e trocar mercadorias. A publicidade tem o lucro grudado na pele.
Por isso o publicitário é mais valorizado que o professor, na sociedade
da mercadoria, do tudo se vende, tudo se compra.
"Existem apenas três meios principais para influenciar a mente dos
homens: as obras impressas, a legislação e a educação", dizia Condorcet.
A esses se somou avassaladoramente a mídia.
Os valores assimilados pelos alunos passam pela TV, pela música, pelo
rádio, pela moda, pela publicidade, mais do que pela escola. As escolas
privadas já não recebem mais alunos, mas usuários, clientes,
consumidores.
O Estado se deixa aprisionar pelo aparelho ideológico do mercado
midiático, regulado pela ditadura das sondagens.
Num mundo assim constituído, Reagan, Berlusconi, Schwarzenegger se tornam
os grandes protagonistas. Cow-boys, "mocinhos", empresários magnatas da
comunicação: chegará o dia em que seremos convocados a votar em Pedro
Bial para evitar que Alexandre Pires se torne presidente do Brasil, se
não resgatarmos o caráter público – e portanto, democrático - da
política.
https://www.alainet.org/pt/articulo/108549
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